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Retenção de lucros sem abusos
A lei impede a criação de reservas genéricas que acabem por reduzir o dividendo ao acionista

 

Em outros países, onde o mercado de capitais é de amplo acesso popular e, conseqüentemente, as ações têm maior liquidez, os dividendos não possuem tanta importância. No Brasil, todavia, o benefício econômico em proveito dos minoritários e preferencialistas depende, em grande parte, dos dividendos, sem os quais seus investimentos perdem a atratividade.

Para o controlador, por outro lado, é conveniente que o lucro não seja partilhado, pois assim suas ações se valorizam, aumentando substancialmente o valor que irá receber em caso de alienação do controle da companhia — uma conduta que pode configurar abuso do poder de controle, nos termos do art. 117 da Lei das S.As. Daí a necessidade de se estudar com cautela a política de constituição de reservas de uma companhia. Afinal, quanto maior a reserva, menor o dividendo e vice-versa.

A exposição de motivos da Lei 6.404/76, ao tratar dos dividendos, já evidenciava a filosofia do legislador de restaurar a ação como um título de renda variável, através do qual o acionista participa dos lucros na companhia. No tocante às reservas, deixava claro que a proteção do direito do acionista minoritário participar, através dos dividendos, nos lucros da companhia, exige a definição do regime legal sobre a formação de reservas que limite a discricionariedade da maioria nas deliberações sociais.

A nova orientação do legislador torna incontestável sua intenção de conferir ao dividendo o mais importante papel da vida societária. Hoje, mais do que nunca, os lucros devem ser distribuídos, tanto quanto possível. O autofinanciamento das empresas torna-se excepcional no regime vigente e somente se fará por referência a um orçamento de capital previamente aprovado pelos acionistas.

A retenção indiscriminada e exagerada dos lucros afeta o primeiro dos direitos essenciais do acionista: participar dos lucros sociais (art. 109, I) que se corporificam no dividendo. A companhia, tendo por objeto fim lucrativo (art. 2º), deve distribuir o resultado das operações sociais aos seus acionistas, cujas contribuições, em dinheiro ou em bens, tornaram possível o exercício da atividade econômica (Egberto Lacerda Teixeira e José Alexandre Tavares Guerreiro — Das Sociedades Anônimas no Direito Brasileiro).

A distribuição de lucros aos acionistas é da essência das sociedades anônimas. Este aspecto é tão relevante que o não-auferimento de lucros durante exercícios seguidos pode ensejar a dissolução e a liquidação da sociedade .

Em vista disto a Lei 6.404/76 limitou a discricionariedade da maioria dos acionistas na definição da política de autofinanciamento da companhia mediante retenção de lucros. O regime instituído pela lei pode ser assim resumido:

1 – o estatuto social da companhia deve estipular a parcela dos lucros que em cada exercício será obrigatoriamente destinada ao pagamento de dividendos (art. 202);
2 – a criação de outras reservas além das previstas na lei requer estipulação estatutária expressa para cada reserva, que declare a finalidade e o limite máximo e fixe os critérios para determinar a parcela dos lucros anualmente destinados à sua formação (art. 194);
3 – os órgãos da administração devem apresentar anualmente à Assembléia Geral Ordinária, juntamente com as demonstrações financeiras, proposta de destinação de todo o lucro do exercício, observadas as normas legais e estatutárias sobre reservas e dividendo obrigatório;
4 – a retenção do lucro remanescente da formação de reservas e do pagamento de dividendo obrigatório somente pode ser deliberada pela Assembléia Geral por proposta dos órgãos de administração e após aprovação de orçamento de capital (art. 196), cuja função é obrigar os órgãos da administração a justificar à Assembléia Geral a retenção, como base nas necessidades ou conveniências dos negócios sociais (José Luiz Bulhões Pedreira — Finanças e Demonstrações Financeiras da Companhia).


RESERVAS E RETENÇÕES — A Lei assegura plena e ampla liberdade para a fixação dos dividendos desde que “sejam regulados com precisão e minúcia e não sujeitem os acionistas minoritários ao arbítrio dos órgãos de administração ou da maioria”(Art. 202, § 1o). Sem sombra de dúvida, a meta foi impedir que o minoritário ficasse à mercê da administração ou da maioria.

A questão adquire maior relevância na medida em que os lucros que remanescerem após a constituição de reservas e da retenção de lucros (arts. 193 a 197) têm destino certo — a distribuição de dividendos. Em 2001, o legislador tornou mais clara a proibição de se manter os lucros não destinados em “Lucros Acumulados”( Art. 202, § 6o) .

Todavia, o legislador não quer privar a companhia de recursos para atender às suas necessidades sociais, inclusive de autofinanciamento, mas sim evitar que esta acumule lucros sem demonstrar as vantagens tanto para o acionista como para a companhia. Em vista disso, criou nos artigos 194 (reserva estatutária) e 196 (retenção de lucros) regras precisas para justificar a retenção de lucros.

A principal diferença entre as duas consiste em que a reserva estatutária goza de autorização prévia dos acionistas (tem caráter permanente), enquanto a retenção de lucros está condicionada à aprovação desses em assembléia geral (é eventual).

Segundo o artigo 194 da Lei das S.As, a previsão de reserva estatutária deve indicar, de modo preciso e completo, a sua finalidade, fixar os critérios para determinar a parcela anual dos lucros líquidos que serão destinados à sua constituição e estabelecer o seu limite máximo. Diferentemente, o limite da retenção de lucros remanescentes será determinado pelo conclave, que, por proposta dos órgãos da administração, aprovará o orçamento justificativo da retenção.

A reserva estatutária não pode dar margem à retenção indiscriminada de lucros. O caráter de permanência da reserva estatutária impede que a mesma contenha regras de retenção eterna de lucros com finalidades difusas e múltiplas e em volume indeterminado, sem minúcia e precisão impedindo ao acionista de participar periodicamente dos lucros sociais.

Há um princípio de ética financeira a ser observado quando se decide reter lucros: esclarecer ao acionista o motivo e apresentar as vantagens

A lei não admite que sejam constituídas reservas genéricas, indiscriminadas, em volume indeterminado, sem causa, destinação ou finalidade específica, aleatórias, que visem exclusivamente colocar à disposição da sociedade lucros que não se quer distribuir ou que escondam objetivos que possam lesar o interesse dos acionistas no seu direito à participação dos lucros sociais. Há um princípio de ética financeira a ser observado quando se decide reter lucros ao invés de distribuí- los, qual seja o de esclarecer ao acionista o motivo de retenção, justificando, ao mesmo tempo, as vantagens que ela possa proporcionar, a ele e à companhia. (Américo Oswaldo Campiglia – Comentários à Lei de Sociedades Anônimas).

Algumas manifestações da área jurídica da CVM se conduzem neste sentido. Confira-se:

“… A reserva estatutária destinada a inúmeras finalidades, especialmente a que abrange todo o objeto social da sociedade, não atende aos requisitos de clareza e precisão, ante a ausência de especificidade…” (Parecer 002/98) .

“… No que concerne ao mérito da própria reserva estatutária (…), a amplíssima dimensão dada à reserva estatutária em questão (de 5% a 75% do lucro líquido, a ser definido em Assembléia Geral) desvirtua por completo o caráter nitidamente restrito da mesma, ditado pelo art. 194 da Lei nº 6.404/76, deixando ao alvedrio do controlador a aprovação do percentual a ser aplicado em cada exercício, com nítidos reflexos nos dividendos a distribuir.” (Memo 82/2001 – Processo 2001/3270)

O Colegiado da CVM, mais recentemente, em face de situações concretas, adotou uma outra postura. São exemplos os casos de Livraria O Globo (26/4/02), Belgo Mineira (9/07/02) e Cia. Iguaçu de Café Solúvel (31/1/05, 08/11/05 e 24/01/06).

A lei do anonimato estabelece que o saldo das reservas não pode ultrapassar o capital social, mas tal limite não tem o condão de afastar as disposições dos arts. 194 e 196 da mesma lei. Dito dispositivo visa evitar a acumulação excessiva. Porém, não se pode vislumbrar no dispositivo em questão autorização para retenção de lucros do exercício, arbitrariamente, até o limite do capital social. Se assim fosse, a lei não teria estipulado minuciosamente regras para a constituição de reserva estatutária e de retenção de lucros.


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