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Prospecto sem dono
A Instrução 400 não responsabiliza a companhia emissora (nem o intermediador) pelas informações contidas no documento quando a oferta é não-patrocinada

O crescente interesse dos investidores em geral, e das pessoas físicas em especial, pelo mercado de capitais brasileiro é, sem dúvida, um fato a ser festejado. A cada dia noticiam-se novas empresas com planos de lançar ações na bolsa, seja como forma de captar novos recursos — nas chamadas ofertas primárias —, seja como estratégia de saída para seus controladores e investidores estratégicos (ofertas secundárias), ou, ainda, em operações que conjugam uma componente primária e outra secundária, nas chamadas ofertas mistas.

Um aspecto relevante a ser ressaltado é que, tanto nas ofertas primárias como nas mistas, a companhia emissora tem um interesse econômico direto no resultado final da oferta, pois é a destinatária de todo ou parte dos recursos captados. Nesses casos, portanto, seus administradores têm incentivos de sobra para despender o tempo e a energia necessários à realização da oferta. Cumpre notar que poucos são os projetos na esfera corporativa que consomem tanto tempo e energia da administração da companhia como o penoso processo de preparação de uma oferta pública.

O mesmo não ocorre nas ofertas secundárias, em que os acionistas vendedores ficam com a totalidade do produto da venda das suas ações, e a companhia emissora não recebe um só centavo dos recursos captados. Desse modo, pode-se alegar que os administradores da companhia têm poucos incentivos para se comprometer com a preparação e a realização da oferta, como de fato têm, uma vez que a companhia não possui um interesse econômico direto em seu resultado.

A situação pode se agravar ainda mais nas ofertas secundárias realizadas por acionistas não-controladores, as chamadas ofertas não-patrocinadas. Aqui, além de não beneficiar a companhia e seus controladores diretamente, a operação pode prejudicar seus planos de curto e médio prazo, caso estes também estejam contemplando realizar uma oferta concorrente. Ou, pior ainda, pode atrapalhar um eventual plano dos controladores de realizar um fechamento de capital da emissora. Em resumo, a falta de apoio da companhia e de seus administradores viraria um verdadeiro estorvo para a realização da oferta.

Com o objetivo de viabilizar a realização de ofertas não-patrocinadas, ao tratar dos lançamentos secundários, a Instrução CVM n° 400 estabelece, em seu artigo 47, o dever de cooperação da emissora, obrigando-a a fornecer ao ofertante as informações e documentos necessários à elaboração do prospecto. De fato, sem o apoio e envolvimento direto da companhia e seus administradores na preparação do prospecto, nenhum acionista minoritário estaria apto a realizar uma oferta pública secundária. Isso porque somente a própria emissora e seus administradores detêm o conhecimento dos fatos e eventos, referentes às suas operações, atividades, riscos e condição financeira, necessários para a elaboração de um prospecto que preencha os requisitos mínimos exigidos pela regulamentação.

Na prática, contudo, as disposições do artigo 47 têm sido insuficientes para assegurar aos acionistas minoritários o direito de realizar uma oferta não-patrocinada. Isso porque não há nenhuma disposição na regulamentação que obrigue expressamente a companhia emissora a responsabilizar- se perante a CVM, os coordenadores, os ofertantes e o público investidor pela veracidade e exatidão das informações e documentos fornecidos para elaboração do prospecto. Com isso, as companhias emissoras podem, de forma legítima, eximir-se de fornecer ao ofertante e, principalmente, ao coordenador líder, as garantias mínimas necessárias para que estes realizem uma oferta não-patrocinada.


DEVER DE DILIGÊNCIA — De acordo com a regulamentação atual, apenas o coordenador líder e o acionista ofertante responsabilizam- se pelas informações contidas no prospecto e divulgadas ao público durante uma oferta secundária. Essa constatação pode parecer um tanto trivial, uma vez que somente o coordenador líder e o acionista ofertante extraem proveito econômico da operação. Contudo, os seus efeitos vão muito além disso.

A Instrução CVM 400 estabelece que o coordenador líder e o acionista ofertante têm apenas o dever de agir com elevados padrões de diligência e cautela para assegurar que as informações divulgadas ao público investi dor são corretas e completas. Caso consigam provar que agiram com diligência e cautela na averiguação das informações fornecidas pela emissora, tanto o coordenador líder como o ofertante estarão livres de responsabilidade perante o público investidor. E de outra forma não poderia ser, uma vez que somente a própria emissora pode assegurar com total certeza que as informações a seu respeito no prospecto estão corretas e completas e, portanto, responsabilizar-se por essas informações.

O fato de o coordenador líder e o ofertante serem os únicos responsáveis pelas informações contidas no prospecto em uma oferta secundária, e de ambos terem apenas o dever de diligência na averiguação das mesmas, pode levar a situações um tanto esdrúxulas. Por exemplo, caso o investidor venha a sofrer danos em decorrência da divulgação de informações incorretas no prospecto e, ao acionar judicialmente o acionista ofertante e o coordenador líder, constate que ambos agiram com diligência e cautela na apuração de tais informações, não terá outra opção senão arcar sozinho com seu prejuízo. Embora não pareça ser este o resultado almejado pelo regulador, ele é inevitavelmente atingido com a conjugação dos artigos 47 e 56 da Instrução CVM 400.

Vale notar que não há, em ofertas secundárias, relação jurídica direta entre a emissora e o investidor. Portanto, não se pode dizer que a emissora foi a causadora imediata do dano aos investidores, embora tenha sido ela, por vias indiretas, quem deu causa ao dano. Como o nosso sistema legal contempla apenas a indenização por dano direto, dificilmente o investidor conseguiria promover ação de reparação contra a emissora.

FALTA UM RESPONSÁVEL — O cerne do problema parece estar na conceituação do termo prospecto, constante do artigo 38 da instrução e que permeia toda a regulamentação, segundo a qual o prospecto é um documento elaborado pelo ofertante em conjunto com o coordenador líder. Mais correto seria conceituar o prospecto como sendo o documento elaborado pela companhia emissora, com a colaboração do ofertante e do coordenador líder.

O investidor que se sentir prejudicado por erros no prospecto, e não constatar falta de diligência dos responsáveis, terá de arcar sozinho com o prejuízo

De fato, exceto pelas informações sobre a oferta, que constituem uma ínfima parte do prospecto, todas as demais dizem respeito exclusivamente à emissora, suas atividades, operações e condição financeira. Portanto, em todos os tipos de oferta — incluindo as secundárias —, a emissora deveria ser responsável pela elaboração de tais partes do prospecto e por garantir que elas estejam corretas e completas. É assim, aliás, que ocorre nos mercados mais desenvolvidos, como o norte-americano, onde o prospecto é considerado um documento da companhia emissora e por ela elaborado, mesmo em se tratando de ofertas secundárias.

É desejável que a regulamentação do mercado de capitais forneça os instrumentos e mecanismos necessários para assegurar aos sócios estratégicos o direito de realizarem ofertas não-patrocinadas, sem, contudo, deixar de proteger os interesses do público investidor.

Um passo importante neste sentido seria dado caso a CVM passasse a exigir da companhia emissora a declaração de responsabilidade pelas informações contidas no prospecto também em ofertas secundárias. Outra providência positiva seria alterar o artigo 38 da Instrução CVM 400 para aprimorar o conceito do termo prospecto, atribuindo a sua elaboração à emissora em todos os tipos de oferta, incluindo as secundárias. Este passaria a ser considerado então um documento da companhia emissora, e não mais do ofertante. Alternativamente, a CVM poderia aprimorar a redação do artigo 47 da instrução, atribuindo à emissora a obrigação de fornecer todas as informações relevantes ao ofertante e responsabilizando-a expressamente por essas informações.

Com os seguidos recordes de valorização verificados na Bovespa, cada vez mais investidores estratégicos passaram a enxergar a bolsa como uma lucrativa estratégia de saída para seus investimentos. As ofertas secundárias não patrocinadas de ações da AES Tietê e da Iochpe- Maxion são dois exemplos recentes deste fenômeno, que tende a se repetir com maior freqüência no futuro. Ofertas secundárias contribuem para a pulverização das ações, aumentando a sua liquidez e, portanto, beneficiando todos os acionistas. Nada mais natural, portanto, que a companhia emissora e seus administradores sejam chamados a dar a sua margem de contribuição.


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