Habemus Mercado II
O nível de atividade esperado para 2006 nos leva a prever um novo recorde histórico de ofertas públicas de ações

ed31_p038-040_pag_3_img_001Quando, há cerca de um ano, publiquei o primeiro Habemus Mercado, em que analisava o desempenho do mercado de ofertas de ações nos últimos dez anos, parecia que o nível de atividade de 2004 seria difícil de ser ultrapassado. Tenho a satisfação de observar que 2005 apresentou um expressivo crescimento sobre o ano anterior, apesar de toda a crise política que assolou o Brasil a partir de maio.

Tivemos 22 ofertas de ações registradas na CVM, das quais 11 foram referentes a aberturas de capital (considerando, para fins estatísticos, TAM, Lojas Renner e Cyrela como tal). O volume superou R$ 14 bilhões, o que representa um acréscimo de 55% sobre o ano de 2004. Esse valor, em reais, significa um recorde histórico.

A maior parte do volume ofertado (69%) foi relativa a vendas de ações existentes (ofertas secundárias), quando acionistas financeiros e controladores usaram o mercado para dar liquidez a suas posições. Os investidores continuaram a aceitar bem as vendas secundárias (não observamos nenhuma evidência de dificuldades em operações deste tipo), mas as empresas que fizeram captações exclusivamente primárias usaram essa característica para se diferenciar no processo de marketing (como no caso da Cosan).

Investidores estrangeiros continuaram a ser responsáveis pela maior parte da demanda nas ofertas — em média, ed31_p038-040_pag_4_img_00175% a 80% dos volumes foram colocados fora do Brasil (basicamente nos EUA e na Europa). Por enquanto, ainda não observamos participação ativa de investidores asiáticos nas nossas ofertas de ações. A alta liquidez internacional e a melhor percepção do risco Brasil contribuíram para um maior fluxo de investimentos estrangeiros no nosso mercado. Os investidores que participaram das ofertas foram eminentemente institucionais, embora investidores de varejo no Brasil tenham tido acesso a todas elas e tenham participado dentro do limite de 10%.

A Bovespa se consolidou como mercado de preferência para listagem das ofertas. Nenhuma das onze aberturas de capital foi listada para negociação em Nova York e nenhuma empresa já aberta, negociada apenas no Brasil, buscou listar suas ações para negociação naquele mercado. As quatro ofertas registradas na SEC foram de empresas já negociadas na New York Stock Exchange. A listagem apenas na Bovespa foi suficiente para viabilizar, com sucesso, ofertas de cerca de US$ 500 milhões. Os esforços das instituições brasileiras (Bovespa, CBLC, CVM, instituições financeiras, etc) no sentido de dar conforto ao investidor estrangeiro para negociar no nosso mercado foram bem sucedidos e têm contribuído para a Bovespa se tornar o principal centro de liquidez de ações de companhias brasileiras.

Os maiores custos associados a uma oferta listada nos EUA e as maiores responsabilidades para a empresa e seus administradores, constantes na lei norte-americana Sarbanes-Oxley, são os principais fatores de desestímulo para realização de ofertas registradas na SEC. Os benefícios desse tipo de oferta — a ampliação do universo de investidores, com alcance ao varejo norte-americano — só se tornam relevantes em ofertas muito grandes.

As aberturas de capital variaram em tamanho. Ficaram entre os US$ 100 milhões da Localiza e os US$ 480 milhões da Energias do Brasil (não consideramos Renar Maçãs relevante para nossas estatísticas). Os percentuais vendidos na abertura situaram-se entre 21% e 100%, concentrando-se entre 25% e 35% do capital total. A única experiência de abertura de capital de uma empresa pequena (a Renar Maçãs), com volume de R$ 16 milhões e valor de mercado de R$ 64 milhões ao preço de abertura, foi mal sucedida e hoje as ações negociam a menos de 50% do preço de emissão. Essa experiência desencorajou outras empresas do mesmo porte a tentarem acessar a bolsa e confirmou que o mercado de private equity continua como melhor opção para empresas que buscam levantar recursos em volume até US$ 50 milhões.

A performance das aberturas de capital foi muito positiva. Das 11 operações, nove geraram ganhos para os investidores. Na maioria dos casos, os ganhos superaram, em muito, o índice Bovespa. O Novo Mercado continuou como a opção preferida de nível de governança corporativa para as novas empresas que ingressaram no mercado. A única abertura de capital não listada neste segmento que poderia tê-lo feito (ou seja, que não tinha nenhuma restrição regulatória para ter 100% do capital em ordinárias) foi a UOL, que optou por emitir ações preferenciais no Nível 2 de governança. A julgar pelo sucesso da oferta, os investidores aceitaram bem esse modelo.

A grande novidade de 2005 foi a criação das primeiras corporações brasileiras (empresas com controle pulverizado). Pela primeira vez, o mercado de capitais ofereceu a acionistas controladores, que buscavam vender suas empresas, uma melhor alternativa do que investidores estratégicos. As vantagens incluíram não só melhores condições de preço, como também contratos infinitamente mais simples, sem necessidade de representações e garantias, nem de ajustes de preços ou valores retidos para contingências. Durante a década de 90, investidores estratégicos foram a única alternativa para venda de controle, como observamos em todo nosso processo de privatização e em inúmeros casos de companhias brasileiras vendidas a empresas estrangeiras.

A operação que inaugurou essa tendência foi a abertura de capital da Lojas Renner. Seu acionista controlador, a empresa norte-americana JC Penney, havia adquirido o controle da empresa em 1998, quando buscava uma expansão internacional. Mais recentemente, a corporação americana buscava concentrar seus esforços nos Estados Unidos e já havia vendido suas empresas no México e no Chile. No Brasil, o alto interesse de investidores pelo setor de varejo e a avaliação atraente de outras empresas do setor no mercado levaram a JC Penney a optar pelo mercado para vender a empresa.

Fundamentais para o sucesso da operação foram a existência de uma administração profissional na Lojas Renner, liderada por José Galló, que já estava à frente da empresa desde 1991, bem antes da compra pela JC Penney, e o estabelecimento de um conselho de administração independente.

Uma outra companhia que migrou nesse sentido foi a Submarino. Em sua abertura de capital, os fundos de private equity que controlavam a empresa venderam cerca de 45% do capital total, reduzindo sua participação para abaixo de 50% em vendas posteriores em mercado. Atualmente, cerca de 65% do capital da Submarino está pulverizado.

Tanto em Lojas Renner quanto em Submarino foram introduzidos nos respectivos estatutos sociais das companhias mecanismos que restringem a concentração das ações em um só acionista (em ambos os casos a 20% do capital). Este dispositivo visa obrigar eventuais interessados no controle a realizar oferta para 100% do capital e dar oportunidade a todos os acionistas para vender a totalidade de suas posições. Essa provisão estatutária é mais rigorosa que o estabelecido na lei das sociedades anônimas, que permite a compra de apenas 51% do capital votante no caso de aquisições de controle em mercado. O dispositivo legal poderia deixar os acionistas que investiram em uma empresa de controle pulverizado na situação de minoritários de um controlador indesejado.

Esse movimento deverá ampliar-se com o tempo. Já no início de 2006 vimos a Embraer e a Perdigão migrando para o modelo de corporação.

As expectativas para 2006 são muito positivas. O fluxo de investimento estrangeiro para nosso mercado continua intenso e várias operações estão sendo estruturadas. Muito embora o processo eleitoral possa trazer volatilidade ao mercado no segundo semestre, o nível de atividade esperado para o primeiro nos leva a prever um novo acréscimo em número e volume de ofertas de ações em 2006, estabelecendo assim um novo recorde histórico. O desafio para o mercado será manter o mesmo critério de qualidade nas novas empresas que estão vindo a mercado de forma a continuarmos a ver histórias de abertura de capital de sucesso.


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