Vitrine de brasileiros
Brazil Day 2005 mostra que o investidor estrangeiro está pouco preocupado com a crise política, e quer saber: "quando o País será investment grade?"

 

A data era 14 de novembro, a cidade era Nova York e o dia, do Brasil. Com um café da manhã servido a cerca de duas centenas de convidados, começava a terceira edição do Brazil Day, evento organizado por instituições como Abrasca, Ibri, Apimec e Bovespa, com o objetivo de apresentar aos estrangeiros as oportunidades de investimento em ações no País.

As companhias estavam lá. Eram 28, no total. Mas e os estrangeiros? Onde estavam eles? Quem chegou cedo ao evento provavelmente se lembra da frustração de ter encontrado muito mais rostos conhecidos do eixo Rio-São Paulo do que gringos ansiosos por comprar ações de empresas brasileiras. Mas o clima de desânimo não tardou muito para passar.

Os aguardados estrangeiros foram surgindo ao longo do dia e, nos últimos painéis, já esquentavam as discussões com algumas boas perguntas e outras nem tanto — como a de um analista que, sem disfarçar seu ralo conhecimento sobre o País, afirmou que os brasileiros não deixavam seus recursos nos bancos por falta de confiança nessas instituições!

O desânimo também não resistiu aos números divulgados nas primeiras palestras. Principalmente para os que ainda tinham fresco na memória o contexto do último Brazil Day, em 2003 — ano em que o crescimento do PIB nacional ficou em meros 0,5%. Sem esconder sua satisfação, o ministro Luiz Fernando Furlan anunciou o saldo de R$ 36,3 bilhões na balança comercial, 29,5% superior ao do ano passado, inaugurando uma série de indicadores dignos de melhorar o humor de qualquer participante daquela manhã de segunda-feira.

As ofertas públicas iniciais de ações (IPOs), que sequer apareciam no vocabulário do evento de 2003, foram protagonistas de boa parte da apresentação do superintendente da Bovespa, Gilberto Mifano. Ele mencionou com orgulho a nona colocação da bolsa brasileira entre as que mais captaram recursos no ranking da Federação Mundial das Bolsas. Foram US$ 3,8 bilhões em 2004, e mais US$ 9,2 bilhões este ano, até novembro. A menção à participação dos investidores internacionais nessas ofertas de ações — que ficou, na média, em 62%, mas chegou a 87% no caso da Localiza e a 75% no do Submarino — caiu bem para a ocasião.

Conforme as apresentações evoluíam, os números comprovavam que o evento de 2003 realmente não tinha motivos para deixar saudades. Os dados mais recentes, de outubro de 2005, revelam que a capitalização de mercado das 382 companhias listadas na Bovespa chegou a US$ 450 bilhões — 92,3% superior à de dois anos atrás. Melhor ainda se considerado que 45% desse total refere-se a companhias dos níveis diferenciados de governança. O volume diário de negócios na Bovespa também evoluiu de um Brazil Day para outro: passou de US$ 272 milhões, em 2003, para US$ 855 milhões neste ano.

Quando os estrangeiros finalmente apareceram no evento — para alegria dos seus coordenadores —, eles já traziam boa parte dessa evolução em mente. E mostravam-se confiantes na estabilidade econômica, a despeito dos rumores de queda do ministro Antonio Palocci e da taxa de juros que, hoje em 18,5%, ainda é a mais elevada do mundo e pior que os 16,5% praticados no final de 2003. Sem contar a astronômica dívida líquida do setor público, equivalente a 51% do PIB.


“JÁ FOI PIOR” – Contudo, a política fiscal defendida pelo ministro em corda bamba foi suficiente para o otimismo virar a tônica. “A economia já esteve muito pior. Não vemos grandes problemas pela frente, com ou sem o ministro”, cravou o vice-presidente de varejo para a América Latina da Merrill Lynch, Robert Ford, que mediou o painel de apresentação da Companhia Brasileira de Alimentos (CBD). Denis Parisien, chefe de pesquisa para as Américas do Standard Bank, foi ainda mais enfático. “Há dois anos perguntávamos quando o Brasil iria quebrar. Hoje a pergunta é quando o Brasil será investment grade.”

Os IPOs, que sequer apareciam no vocabulário do evento de 2003, foram protagonistas de boa parte da apresentação da Bovespa

A evolução das práticas de transparência e governança corporativa também estava na ponta da língua. “Tem havido uma tremenda mudança na governança das companhias, na qualidade dos lucros (mais lucros operacionais) e no controle de custos. As empresas brasileiras estão conseguindo finalmente mostrar as suas vantagens”, comentou Parisien, do Standard Bank, logo após assistir ao painel de siderurgia.

Quem preferiu a ponderação também não escondeu o viés otimista. “Vimos muito trabalho das empresas no sentido de melhorar sua transparência. Ainda não é o que precisa ser, mas elas estão na direção certa”, disse Daniel Kastholm, da Fitch Ratings, coordenador de um time de 25 analistas voltados à América Latina. Presente também no evento em 2003, Kastholm ficou muito mais animado com o que viu desta vez. “No último Brazil Day, quando falávamos de captações de longo prazo, nos referíamos a apenas 18 meses. Hoje temos companhias lançando bônus perpétuos, bônus de 30 ou 40 anos, com taxas relativamente baixas”, afirmou.

Mas nem só de elogios eram feitas as opiniões dos investidores presentes ao evento. Daniel Altman, diretor sênior do Bear Stearns e um dos mais badalados analistas de siderurgia e mineração, fez ressalvas à política de divulgação de informações das companhias. Ele chamou atenção para as possíveis falhas à comunicação equânime (fair disclosure) das companhias brasileiras. “Algumas vezes os ativos brasileiros reagem mais cedo às notícias e ficamos com um certo receio de que a informação esteja chegando primeiro por lá”, comentou. “Gostaria de ter certeza de que o disclosure é amplo e compreensível a todos, de forma justa.”

PLATÉIA QUALIFICADA – Além de otimista, o público parecia melhor preparado nesta última edição do evento. Na maioria dos painéis, o nível das perguntas refletia o bom conhecimento da platéia sobre detalhes da nossa economia, principalmente sobre a infra-estrutura e as políticas públicas. No painel de energia, por exemplo, foi perguntado que impacto traria às contas dos palestrantes o programa “Luz para Todos”, que prevê a disponibilidade de energia elétrica para todos os municípios até 2007. A Sabesp também teve de responder quais eram as chances de se repetir o racionamento de água em São Paulo ou dos níveis dos reservatórios voltarem a baixar.

“As dúvidas dos investidores mostram que eles não só conhecem bem o perfil de algumas empresas, como sabem o exato contexto em que estão inseridas”, definiu Marcos Leite Ferreira, gerente de Relações com Investidores (RI) da CSN. O painel de siderurgia foi um dos mais concorridos, com um público de cerca de 90 pessoas que, sem piscar, lançavam mão dos seus blocos de anotações cada vez que o assunto sobre o aumento do preço do aço previsto para 2006 voltava ao debate.

Para Fernando Raul Mieli, diretor de RI da Petroquímica União, que participou também do Brazil Day anterior, o diferencial desta edição estava no novo modelo proposto pelos organizadores. Desta vez, para alívio dos mais antenados, as companhias não precisaram se apresentar à platéia. Fizeram apenas uma breve introdução, para depois responderem às perguntas formuladas pelo mediador e pelo público. A exceção foram as companhias recém-chegadas à bolsa, que começaram com as tradicionais apresentações para depois passar às perguntas.

Partindo da hipótese de que muitos desconheceriam as companhias ali presentes, Helmut Bossert, gerente de RI da Natura, trouxe slides com fotos da planta da fábrica e enfatizou a grande preocupação da companhia com a sustentabilidade ecológica. “Fiz questão de mostrar a empresa como um todo para que ninguém a confundisse com uma fabricante qualquer de cosméticos.”

Mas quem roubou a cena naquele painel foi o presidente da Localiza, Salim Mattar. Com uma empolgação de fazer inveja a qualquer político em fase de campanha, recuperou a atenção daqueles que, sentados há quase duas horas para acompanhar as apresentações, rabiscavam desenhos abstratos em seus bloquinhos e lutavam contra o peso das pálpebras. A eloqüência com que falou sobre o mercado de aluguel de carros no Brasil pegou de surpresa os investidores que, ao final, ovacionaram Mattar. “Fiz isso para instigar a platéia”, disse. E conseguiu.


DESAGRADOS – Apesar das boas histórias, o Brazil Day 2005 também vai levar a marca da insatisfação de alguns participantes. A baixa presença de investi- dores locais na primeira parte do evento, o atraso no início das apresentações, o longo tempo dedicado às palestras de abertura e a concentração de muitas empresas dividindo um mesmo painel foram algumas das observações feitas pelos executivos ouvidos pela reportagem. “Poderiam ter dividido o evento em dois dias”, sugeriu Bossert, da Natura. O Brazil Day reuniu 307 pessoas, sendo 187 estrangeiros – contra 140 da edição anterior, segundo a organização.

Analista vê falhas no fair disclosure das brasileiras: “Algumas vezes temos receio de que a informação esteja chegando primeiro por lá”

Unânimes, as companhias também questionaram a ausência de uma estrutura que permitisse os encontros individuais com o investidor (reuniões one-on-one) após o término dos painéis. “Muitas perguntas deixam de ser feitas porque os analistas não gostam de se expor”, disse Sergio Pedreiro, diretor financeiro da ALL. Outra recomendação vai no sentido de os palestrantes serem mais obedientes ao tempo estipulado para suas exposições. “Acho que fui o único a falar os quinze minutos combinados em todo o evento”, brincou José Antonio Felippo, diretor financeiro da CPFL.

O presidente da Abrasca, Alfried Plöger, promete que vai puxar orelhas de quem abusar do tempo nas próximas edições. E explicou que a presença de cinco empresas dividindo um mesmo painel — o das novas empresas listadas — ocorreu porque não havia outra solução. “Todas as companhias que contatamos aceitaram o convite”, diz. “Não podia escolher algumas e barrar outras”. Sobre a ausência das reuniões one-on-one, Plöger afirmou que, no hotel onde foi realizado o evento, não havia estrutura adequada para os encontros individuais.

Porém, as 18 empresas que voaram de Nova York para Madri no dia seguinte puderam tirar esse atraso no Latibex, o encontro das companhias latino-americanas realizado pela bolsa de valores espanhola entre os dias 16 e 18 de novembro. Para deleite dos participantes, aquele formato, sim, permitiu reuniões individuais. E atraiu, inclusive, participantes de outros países do continente, como Alemanha e Holanda.

“A Espanha está virando a porta de entrada do Brasil na Europa”, avalia o consultor Valter Faria, CEO da CorpGroup Comunicação Corporativa. Presente nos dois eventos, ele testemunhou também em Madri os comentários de que o Brasil estaria bem posicionado entre os emergentes. Prova de que tanto o Brazil Day quanto o Latibex são uma boa vitrine, em hora certa, para aproximar as companhias brasileiras do investidor internacional.


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