Muito além do financeiro
Mudanças de rotina após abertura de capital atingem os mais variados departamentos das companhias, melhoram a comunicação interna e criam uma nova cultura

 

O ano termina com um saldo de oito novas companhias em bolsa de valores — considerando-se o lançamento de ações do UOL, previsto para dezembro. Com as outras sete de 2004, chega-se a 16 estréias em dois anos. Uma agitação completamente atípica, se comparada com o marasmo da última década, e suficiente para mudar completamente o ânimo do mercado de capitais.

Mas não foi apenas o mercado que mudou — e melhorou — com a chegada das novas companhias. Elas também passaram por transformações ao colocar a bolsa de valores na sua rota de crescimento. Na prática, começaram uma vida diferente como companhias abertas, que revolucionou não somente a rotina das suas áreas financeiras, mas se espalhou por departamentos como marketing, vendas, RH e jurídico.

“Foi necessário criar um nível de comportamento ético entre os funcionários que impermeabilizasse a empresa como um todo”, conta Fabiano Monteiro, vice-presidente da Diagnósticos da América (Dasa), que abriu o capital em novembro do ano passado. Isso significa um maior controle com relação àquilo que os empregados falam ou deixam de falar sobre a atividade da rede de diagnósticos. “Antes da abertura de capital não existia o mesmo interesse por informações sobre a empresa. Agora, isso mudou, e todo cuidado é pouco”, diz o vice-presidente.

Para se adaptar à essa realidade, a área de recursos humanos passou a ser mais ativa na comunicação interna. “O RH começou a divulgar qualquer evento da empresa em tempo real para evitar que surgissem mal-entendidos e, conseqüentemente, que as informações vazassem para o mercado de forma deturpada”, conta Monteiro. Paralelamente, a companhia criou o informativo “Saúde Dasa”, com o objetivo de anunciar mudanças importantes nos negócios do grupo ou na estrutura administrativa. O jornal circula mensalmente nas 180 unidades da companhia espalhadas por cinco capitais do País.

A preocupação com a transparência das informações faz com que a Dasa compartilhe com os seus empregados também as razões das mudanças ocorridas nas dependências da corporação. Foi assim quando Caio Auriemo deixou de ser o presidente-executivo para se tornar presidente do conselho de administração, promovendo Marcelo Marques para a vaga de CEO. Nesta ocasião, os dois gravaram um vídeo, que foi exibido para todos os funcionários, explicando os motivos da mudança e como ela influenciaria a rotina da companhia. “Procuramos fazer com que os funcionários estejam em sintonia com o que a empresa representa e quer comunicar ao mercado”, revela Monteiro.

Na Natura, os cuidados com a forma como a empresa se comunica e é apresentada ao público externo também passaram a ser uma preocupação após a abertura de capital, em maio de 2004. “Todas as áreas tiveram que se adaptar para não repassar informações erradas, por menores que sejam, ao mercado”, diz Helmut Bossert, gerente de Relações com Investidores da empresa de cosméticos. Para aperfeiçoar as mensagens transmitidas pelos empregados ao público externo, a Natura criou, com a ajuda do departamento de comunicação, uma cartilha com números de referência sobre o seu negócio. Entre eles, quantidade de funcionários, faturamento e lucro. “Com isso, evitamos a criatividade dos colaboradores ao repassarem informações da companhia, mesmo que seja para o vizinho”, diz Bossert.

De acordo com o executivo, as áreas de contabilidade e jurídica também sofreram transformações após a listagem das ações na Bovespa. A primeira, pela rapidez e agilidade que teve de adquirir para divulgar as informações necessárias na produção dos relatórios trimestrais e anuais. Para evitar a sobrecarga do departamento, a Natura contratou quatro novos funcionários do ramo. Já na área jurídica, o trabalho ficou mais intenso, uma vez que este departamento participou ativamente do processo de abertura de capital, elaborando toda a documentação necessária. Hoje, o departamento jurídico participa ativamente da preparação de estatutos e regimentos que norteiam o mercado quanto aos critérios de governança corporativa adotados pela empresa. Para Bossert, todas as mudanças ocorridas com a abertura de capital constituíram um processo de aprendizado e contribuíram para aprimorar as atividades de cada departamento da organização.

MAIS PLANEJAMENTO – Roland Brandes, presidente da Renar Maçãs, compartilha da mesma opinião. Segundo ele, a companhia tornou-se mais moderna e reduziu o índice de erros nas tomadas de decisão depois que abriu o capital, há nove meses. Fundada em 1967 pelos irmãos de origem alemã René e Arnold Frey, no município de Fraiburgo, Santa Catarina, a empresa é a primeira do ramo de agro negócios a entrar na bolsa de valores, depois de um longo período de abstinência do setor no mercado de ações. Os desafios, após a estréia no pregão, são muitos, mas as recompensas, de acordo com Brandes, são ainda maiores.

A mudança de maior impacto para a companhia, diz o executivo, foi passar a conviver com um conselho de administração — composto por cinco membros — que agora questiona as estratégias do negócio. “As discussões tornaram-se mais profundas e, conseqüentemente, os riscos envolvidos ficaram menores”, afirma Brandes. Antes de adotar uma estratégia de negócio, a empresa, agora, faz várias projeções, considerando diferentes cenários macroeconômicos. “As decisões deixaram de ser imediatas e instintivas”, comemora.

As áreas operacionais da Renar ainda estão se adaptando à nova cultura. No início, admite o executivo, foi difícil que elas reconhecessem o conselho de administração como órgão de decisão final de suas aspirações. “Mas hoje, isso já está sendo superado”, afirma. Todos os departamentos passaram a ser mais transparentes com relação às suas atividades, produzindo relatórios mais detalhados e explicitando mais claramente o processo de produção, conta o executivo.

Algumas empresas começam a se adaptar às demandas do mercado acionário antes mesmo de abrir capital, para que o impacto não seja tão brusco. É o caso da empresa de cosméticos Pierre Alexander. Embora tenha se programado para lançar ações só no ano que vem, iniciou, há dois anos, um processo de profissionalização da gestão, adotando práticas de governança corporativa, criando um conselho de administração independente e preparando gradativamente os funcionários para a transformação. A empresa também já está promovendo mudanças na área de vendas. O objetivo é aumentar a base de revendedoras, de 60 mil para 100 mil representantes e, assim, poder difundir mais rapidamente sua marca pelo País e se tornar conhecida pelos potenciais investidores.

“Todas as áreas da companhia tiveram que se adaptar para não repassar informações erradas, por menores que sejam, aos investidores”
Algumas empresas começam a atender às demandas do mercado acionário antes mesmo de abrir o capital

TIME COM OLHOS NO MERCADO – Com o objetivo de se aproximar cada vez mais do mercado acionário, a seguradora Porto Seguro, presente na bolsa desde novembro de 2004, vem procurando envolver os principais executivos nas apresentações a investidores. “A intenção é fazer com que eles conheçam a companhia tendo contato com todas as suas áreas estratégicas e não só com o departamento de RI”, explica Urbinati.

Atualmente, participam dos eventos promovidos para o mercado acionário os vice-presidentes Jaime Brasil, Casimiro Blanco Gomez e Marco Antônio Vettori, além do diretor da Portopar, empresa de gestão de recursos do grupo, Aristeu Zanúncio. “Após a abertura de capital, a agenda desses executivos ficou muito mais cheia”, afirma Urbinati. Para o ano que vem, diz ele, a seguradora está preparando outros diretores para ter contato com analistas e investidores, tais como os representantes da área de seguros de automóveis, saúde e vida.

No caso de Zanúncio, diretor da Portopar, as transformações na rotina após a abertura de capital vão além dos encontros com os profissionais do mercado. “Minha tarefa ficou bem mais trabalhosa, uma vez que eu e minha equipe temos que passar para o mercado as informações de investimentos da holding”, conta o executivo. Seu departamento também criou um canal de comunicação com funcionários e corretores que se tornaram investidores da seguradora depois da estréia na bolsa. Duas pessoas foram escaladas para atender exclusivamente aos empregados acionistas por meio de telefone ou e-mail.

No departamento de marketing da Porto Seguro o trabalho também foi redobrado depois do lançamento das ações. Entre as novas atividades, estão a promoção de eventos e produção do material de divulgação para o mercado de capitais; a atualização e monitoramento diário do website; a elaboração do relatório anual e a organização das visitas de analistas e investidores às dependências da companhia. “Nas primeiras vezes que tivemos que organizar um conference call ou uma visita à empresa, deu um friozinho na barriga”, lembra Ismael Caetano, gerente de marketing da Porto Seguro. “Mas, com o tempo, a gente entra no ritmo e, à medida que os analistas e investidores se familiarizam com a companhia, também vamos nos familiarizando com o mercado”, afirma. Sem dúvida, uma via de mão dupla.


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