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Mais produto, menos propaganda
Analistas contam o que esperam encontrar nos relatórios anuais e por que, às vezes, sequer os tiram da embalagem

 

ed28_p034-034_pag_3_img_001De que adianta empenhar-se tanto na elaboração de um relatório anual, se há o risco de ele ficar esquecido na última prateleira da estante do analista? Pior ainda se acontecer de ninguém ter o trabalho de tirá-lo da embalagem. Preocupações como estas atormentam algumas empresas que buscam maneiras de tornar atraente uma publicação recheada de dados financeiros, já divulgados há semanas ou até meses antes de o livro sair da gráfica. Ora, se os resultados contábeis não são a novidade do documento, não seria o caso de o relatório dar menos espaço à seção financeira? Será que o mercado realmente faz uso dele, ou o relatório é visto apenas como uma peça de marketing institucional?

A Capital Aberto fez essas perguntas a dez analistas sell side e buy side, de bancos e corretoras do Rio e de São Paulo, com o intuito de descobrir a sua avaliação sobre essas publicações. Procuramos saber com que freqüência recorrem ao relatório, quais são seus pontos positivos e negativos, o que acham do aspecto visual e como deveriam ser os capítulos dedicados à responsabilidade social e à sustentabilidade do negócio. Obviamente, com dez entrevistas, não houve a intenção de se obter um resultado científico. Mas os comentários que surgiram nessa enquete são, no mínimo, curiosos para as empresas que começam a elaborar o conteúdo dessa publicação neste final de ano.

Dos profissionais consultados, a maioria admite que, pelo menos alguma vez, já arquivou o relatório sem ter sequer passado os olhos sobre suas páginas. Os que abrem o livro preferem ir direto às informações financeiras como forma de relembrar o desempenho contábil da empresa no ano anterior. Já os trechos voltados aos assuntos de responsabilidade social ou ambiental raramente são lidos na íntegra. Quanto à apresentação gráfica, dizem que não têm do que reclamar. Mas confessam que a estética está longe de convencê-los a prestar mais atenção ao conteúdo.

André Querne, gestor de renda variável e analista da Máxima Asset Management, é um clássico representante do grupo que não dá a mínima para a publicação. “Não há novidades”, diz. “Tudo aquilo já saiu no balanço publicado antes nos jornais e, mesmo quando quero checar um detalhe, recorro à página da empresa na internet.” De fato, os dados de vendas, faturamento e Ebitda ali descritos são meros repetecos do balanço que já foi divulgado pela empresa à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) ou dos press releases distribuídos ao mercado. E nem poderia ser diferente. Embora o relatório anual não seja avaliado pela autarquia, as companhias estão impedidas de divulgar ali informações relevantes que não tenham sido comunicadas ao mercado pelas vias oficiais ou que sejam conflitantes com informações oficiais já divulgadas.

OS BASTIDORES DOS NÚMEROS – Mas o que, então, deveria ser feito para o analista dedicar mais tempo aos relatórios? Segundo os profissionais ouvidos pela reportagem, os textos seriam mais atrativos se trouxessem informações adicionais sobre o processo de produção da companhia — particularidades que não costumam aparecer nos releases distribuídos no decorrer do ano. “Poderiam detalhar mais o custo de fabricação, a quantidade e qualidade da matéria-prima, se há facilidade ou dificuldade no relacionamento com os fornecedores ou por que alteraram o preço em determinado período”, afirma Renato Onishe, analista da corretora Fator, que acompanha o mercado de siderurgia.

Tatiana Pereira, analista da Coinvalores, reclama que muitos relatórios sequer trazem a demonstração do fluxo de caixa. “Além disso, algumas notas explicativas pecam por serem pouco didáticas.” Marcello Milman, analista do setor de consumo da BES Securities, a corretora do Banco Espírito Santo, vê os balanços sociais e ambientais como mera propaganda da empresa. “Não trazem os resultados concretos daquelas ações”, enfatiza. Até o aspecto visual não foi poupado. “Deveriam colocar menos fotos e mais gráficos”, sugere Renato Onishe, da Fator.

Em resumo, as cobranças dos entrevistados focaram a necessidade de novos subsídios para desvendar o que está por trás dos números. Essas informações, segundo eles, são valiosas para ajudá-los a prever quais são as chances de os erros ou acertos ocorridos no ano anterior se repetirem no futuro.

E os especialistas neste tema, o que acham dessas críticas? Antonio Sérgio de Almeida, vice-presidente do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças de São Paulo (Ibef) e integrante da comissão julgadora do prêmio Melhor Relatório Anual da Abrasca, considera algumas delas bastante pertinentes. “A maior qualidade de um relatório é a franqueza”, diz. Segundo ele, a empresa precisa ter a coragem de contar os fatos bons e ruins daquele ano e como agiu diante deles. “No capítulo sobre responsabilidade social, não basta apenas colocar uma lista de ações de caridade. É preciso mensurar os efeitos para não virar publicidade.”

Na avaliação do presidente da Associação Nacional dos Executivos de Finanças (Anefac), José Ronoel Piccin, os relatórios seriam mais atraentes se as empresas substituíssem a retórica institucional por comentários que realmente sinalizam algo para o mercado. “Escrever que a companhia busca a melhoria contínua dos processos é um jargão que não quer dizer nada.” Ele nota que alguns balanços cometem erros crassos, como, por exemplo, comparar o desempenho financeiro do ano com períodos anteriores sem fazer a devida correção monetária dos valores. “Parece mentira, mas isso ocorre com freqüência”, diz.

Outro que concorda com as observações feitas pelos analistas na enquete é Vitor Patoh, sócio-diretor da Yemmi, empresa de design que há cinco anos edita relatórios anuais. “Os gráficos têm importância fundamental para esse público.” Ou seja, quanto mais simples forem os recursos visuais, maior facilidade de entendê-los. Patoh lembra que, certa vez, recusou a sugestão de um cliente que queria todos os gráficos no formato de uma tampinha de refrigerante. “Tudo bem que precisamos respeitar a identidade da empresa, mas nenhum recurso visual deve concorrer com a informação”, ensina. Portanto, esqueçam fontes exóticas, cores berrantes e demais soluções sofisticadas. O leitor pode até achar que a empresa quer distraí-lo para não notar problemas nos números.

Os analistas consultados também deram suas sugestões para melhorar esse tipo de publicação. Entre os pedidos, querem que o relatório tenha uma análise setorial econômica contextualizando a situação da empresa naquele ano, com uma projeção de desempenho futuro. Gostariam que a companhia gravasse uma edição suplementar em CD-Rom, o que facilitaria o arquivamento dos dados no computador. Alguns torcem para que as informações financeiras venham dispostas em planilhas de Excel para que eles mesmos possam organizá-las à sua maneira.


PÚBLICOS DIVERSOS – Aos que estão impressionados com a avalanche de comentários, um lembrete: relatório anual não é feito só para analista. Logo, vale ponderar as críticas desse pessoal e colocá-las num contexto maior, em que todos os interesses sejam contemplados. Piccin, da Anefac, enfatiza que informações desprezadas pela corretora, por conta da falta de tempo no dia-a-dia de seu trabalho, podem ser imprescindíveis ao investidor individual. “A pessoa física gosta de ver fotos bonitas e de ler a mensagem do presidente”, afirma.

O economista da corretora Souza Barros, Clodoir Gabriel Vieira, conta que costuma distribuir alguns relatórios a clientes como forma de melhor descrever o perfil da empresa em que se estuda investir. “É claro que sempre dou uma olhada, principalmente se há alguma novidade no balanço social e ambiental”, diz. “Mas a fonte de informação do nosso dia-a-dia é a CVM ou o site da companhia.” A analista do Unibanco Tânia Sztamfater também é partidária dessa opinião. “É um dos mais importantes cartões de visita de uma companhia”, defende ela. “Não vou dizer que leio todos, mas recorro a eles para checar o tamanho da planta de uma empresa, por exemplo.” Carlos Martins, analista da Modal Asset Management, completa: “A leitura dos relatórios é fundamental quando iniciamos a cobertura de uma nova empresa.”

No intervalo entre fazer uma peça de marketing para o investidor pessoa física ou optar por um documento mais conveniente ao analista, existe um assunto que faz a diferença: a sustentabilidade. “Relatório anual não é lugar para ficar contando só as histórias bonitas da empresa. Ali precisa constar como a companhia vem se preparando para administrar riscos, quais são seus desafios e qual a estratégia do negócio”, sentencia Lélio Lauretti, que há três décadas estuda o tema e é coordenador da comissão julgadora do prêmio Abrasca de Relatório Anual. Hoje trabalhando como consultor, Lélio puxa a orelha dos analistas que deixam de ler a publicação só porque os dados contábeis já são conhecidos. “Conhecer a estratégia da empresa é o primeiro passo para entender aqueles resultados.”

É fato que o relatório anual não é a única forma de uma companhia se comunicar com o mercado. De acordo com um levantamento publicado em agosto de 2004 pelo National Investor Relations Institute (Niri), órgão que reúne profissionais de Relações com Investidores nos Estados Unidos, o relatório anual aparece como quinta opção entre os canais mais eficientes para chamar a atenção dos analistas sell side. Perde para o contato individual, as conferências da empresa, a consulta ao website e a indicação por um outro profissional. Porém, quando o assunto é o investidor individual, o Niri mostra que o “annual report” sobe para o segundo lugar entre as estratégias de comunicação da companhia, ficando atrás apenas da internet.

Por aí se conclui que o relatório anual sintetiza o desafio de agradar públicos diversos, por meio de uma só peça. E que esta peça precisa trazer informações suficientes para atender aos interesses dos profissionais que acompanham a companhia no dia-a-dia e daqueles que nada conhecem sobre ela, mas podem encontrar ali justamente o estímulo para se aproximar. Entre o relatório que não sairá da embalagem e aquele que ficará com o encardido dos dedos de seus usuários reside o princípio de que informação lida é aquela que interessa ao seu consumidor. Encarar a publicação como um produto de informação e não como propaganda pode ser o primeiro passo.


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