Nem tanto ao mar, nem tanto à terra
Conselheiro deve registrar protesto e não votar se receber orientação contrária aos interesses da companhia

 

Decorridos quase quatro anos do advento da Lei 10.303/01, que substituiu a Lei 6.404 (Lei das S.As), vez ou outra nos deparamos com a controversa questão que coloca, de um lado, a atuação do membro do conselho de administração na condução das suas atribuições e responsabilidades perante a companhia e, de outro, a obrigação do conselheiro eleito por força de acordo de acionistas de manifestar voto consoante a prévia orientação do acionista ou do grupo que o elegeu.

Na realidade, a discussão surgiu muito antes da reforma da lei em 2001. Diante da necessidade cada vez mais freqüente de se compartilhar o controle nas companhias, os acordos de acionistas passaram a instituir as denominadas “reuniões prévias”, um foro de acionistas que tem por finalidade decidir previamente as matérias a serem deliberadas em assembléia geral ou no âmbito do conselho de administração e, por conseguinte, orientar o voto dos seus representantes nestes órgãos.

Evidente que muito rapidamente surgiram inúmeras disputas relacionadas ao tema e, certamente, muitas delas ainda estão pendentes de solução em nossos tribunais.

No entanto, a Lei 10.303/01 introduziu no art. 118 da Lei nº 6.404/76 os parágrafos 8º e 9º, nos quais ficou estipulado que (i) o presidente da assembléia ou do órgão colegiado da companhia não computará o voto proferido em infração ao acordo de acionistas, desde que devidamente arquivado e (ii) no caso de não comparecimento à assembléia ou ao órgão colegiado, ou na hipótese de abstenção de voto do acionista integrante do acordo ou de conselheiro eleito nos termos de um acordo de acionistas, é assegurado à parte prejudicada o direito de votar com as ações de propriedade do acionista ausente ou omisso ou, no outro caso, que o conselheiro eleito pela parte prejudicada vote no lugar do conselheiro ausente ou omisso. As novas disposições legais causaram vigoroso embate por parte de respeitáveis doutrinadores e estudiosos do Direito.

Uma corrente integrada pelos advogados Paulo F.C. Salles de Toledo, João Laudo de Camargo e Maria Isabel do Prado Bocater defendeu que os novos parágrafos desfiguravam por completo o modelo societário há décadas consolidado em nosso Direito e que suas regras seriam incompatíveis com o nosso ordenamento jurídico, uma vez que o contrato (acordo) firmado entre os acionistas da companhia não tem o condão de obrigar o conselheiro a votar conforme a orientação do acionista que o elegeu. O mesmo grupo considerou ainda que: (i) de acordo com o artigo 154 da Lei das S.As, os membros do conselho de administração têm deveres e obrigações para com todos os acionistas da companhia e, portanto, não podem ser tolhidos no seu direito de, de forma independente e de acordo com suas convicções, votar nas matérias submetidas à sua apreciação (ii) não pode o conselheiro de administração, em nome de um acordo de acionistas, votar contra os interesses da companhia, e (iii) que a introdução dos referidos dispositivos feriu todos os esforços até então realizados na busca das melhores práticas de governança corporativa.

De outro turno, outros tantos estudiosos da matéria – dentre os quais destacamos o advogado Paulo Cezar Aragão, em artigo publicado em 2001 no jornal O Estado de S. Paulo – sustentaram, de forma, por assim dizer, mais pragmática, que (i) no Brasil, ao contrário do que sucede em outros países, na maioria dos casos os conselheiros têm efetiva vinculação com os acionistas que os elegeram, quando não efetiva subordinação, haja vista que, ou são os próprios acionistas, ou então seus diretores, gerentes ou empregados (ii) que este fato leva à constatação de que, efetivamente, o membro do conselho de administração não tem a propagada independência para representar o interesse de todos os acionistas (iii) que o conselheiro, ciente da existência do acordo de acionistas celebrado por aquele que o indicou e da estipulação prevista na lei societária, ao aceitar o mandato, não pode se escusar de cumprir a orientação dada pelo referido acionista e (iv) de qualquer sorte, não poderá o conselheiro – e notadamente o acionista – votar contra o interesse da companhia ou de forma que caracterize abuso de poder de controle.

A meu ver, as duas correntes de pensamento acima mencionadas têm mérito, mas também são passíveis de alguma crítica – se assim me permitem os ilustres advogados citados.

Comungo da tese defendida pelos primeiros no que diz respeito ao fato de que a introdução dos parágrafos 8º e 9º no artigo 118 da lei societária veio na contramão da tendência mais atual do nosso mercado de valores mobiliários. Não há dúvida, a meu juízo, que a evolução do nosso modelo societário aponta no sentido de termos um conselho de administração cada vez mais profissional e independente.

Experiências recentes corroboram esta evolução e apresentam companhias abertas cujo conselho é inteiramente formado por pessoas selecionadas no mercado, com larga experiência e reputação no nosso mercado de capitais. De um lado é uma exigência do próprio mercado, visando à consolidação das melhores práticas de governança corporativa. De outro, uma necessidade da própria companhia e de seus acionistas controladores, na busca dos recursos necessários ao financiamento dos negócios sociais.

Talvez por isso mesmo fosse dispensável a introdução dos dois parágrafos, uma vez que os dispositivos legais então existentes – tanto no plano material como processual – já previam remédios para solucionar as hipóteses de inadimplemento das obrigações contratadas nos acordos de acionistas.

Contudo, definitivamente não posso concordar com a tese de que o conselheiro de administração é, de forma generalizada, independente e, em especial, que ao manifestar voto consoante a prévia orientação do acionista que o elegeu, por força de acordo de votos, estará necessariamente votando contra os interesses da companhia.

Neste ponto concordo inteiramente com a opinião de Paulo Aragão. Em primeiro lugar porque, independentemente do dispositivo legal em exame, o conselheiro sempre estará – seja ele indicado pelo acionista controlador ou pelo minoritário – defendendo o interesse daquele que o nomeou. A palavra é esta – nomeação – isto é, outorga de mandato. Portanto, quando a eleição do conselheiro é feita à luz de um acordo de acionistas, e tendo em vista as disposições legais aplicáveis, este conselheiro não pode descumprir a orientação de voto que lhe é dada, uma vez que, ao aceitar o encargo, terá – ainda que de forma tácita – aderido àquele contrato celebrado pelos sócios da companhia. Aquele que não se dispõe a observar a regra legal – seja ela boa ou não – ao ser convidado por acionista subscritor de acordo de acionistas para integrar determinado conselho, deverá declinar.

No entanto, isto não significa dizer que o conselheiro poderá, sob qualquer pretexto, afastar-se de suas obrigações perante a companhia e todo o universo de seus acionistas. Evidentemente que não é isto que aqui se propõe. Em nenhuma hipótese poderá o conselheiro deixar de cumprir com suas atribuições legais ou estatutárias em relação à companhia, consoante previsto no artigo 154 e demais dispositivos contidos na lei societária. E a observância destes preceitos é aplicável a todos os membros do conselho de administração. Como menciona o ditado, “nem tanto ao mar, nem tanto à terra” – ou seja, da mesma forma que o conselheiro indicado pelo acionista minoritário não deve ser levado à condição de “guardião” da governança corporativa, aquele nomeado pelo controlador não tem o direito de descumprir suas obrigações para com a companhia em nome do ajustado no acordo de acionistas.

A respeito, penso que, na hipótese em que o conselheiro, a seu juízo, entenda que a orientação de voto é contrária aos interesses da companhia – em qualquer das hipóteses assim consideradas pela legislação e normas regulamentares – deverá manifestar-se, por escrito, contrariamente a esta orientação, independentemente das conseqüências advindas da aplicação do contido no parágrafo 8º do Art. 118 da Lei das S.As.

Agindo assim, estará o conselheiro protegido, uma vez que a observância da lei societária – e também das disposições contidas na Lei nº 6.385/76 – legitimará o descumprimento do mandato que lhe foi outorgado pelo acionista.


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