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Mais um passo
Com o projeto de Lei 3741 atropelado pela crise política, mercado tenta reação e lança oficialmente entidade que será responsável por elaborar normas contábeis

 

Agora é para valer!”, garantem as entidades que fazem parte do recém-lançado Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC), organização planejada para atuar como o norte-americano Financial Accounting Standards Board (Fasb) no Brasil. Ao contrário da Fundação para Estudo das Normas Contábeis (Fenc) – grupo com a mesma finalidade, criado há dois anos por contabilistas, auditores e representantes do empresariado brasileiro e que não decolou -, o CPC vai sair do papel. O Conselho Federal de Contabilidade (CFC) aprovou a constituição jurídica e operacional do órgão desenhado para ser o único a emitir normas contábeis no Brasil.

O Comitê será integrado por representantes da Abrasca, Apimec, Bovespa, Instituto dos Auditores Independentes do Brasil (Ibracon), Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi) e Comissão de Valores Mobiliários (CVM). É possível que entidades como Susep e Anatel também venham a participar, uma vez que suas determinações afetam diretamente a contabilidade das companhias envolvidas. O convite foi feito logo após o lançamento oficial do órgão, que aconteceu no início de setembro durante o seminário “A Convergência das Normas Contábeis no Brasil e no Mundo”, promovido pela Apimec-SP e pelo Banco Mundial. Sua agenda, por enquanto, não está definida.

Mais do que “preparar a casa” para receber as determinações do Projeto de Lei 3741, que regulamenta os dispositivos contábeis da Lei das S.As e dispõe sobre a criação desta espécie de Fasb brasileiro, o CPC vem atender a uma demanda das companhias. “Agora as normas contábeis são um problema do mercado”, afirma Marcus Severini, membro do conselho de administração da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD). “Empresas querem muito e precisam de regras únicas”, completa.

Após 14 anos de espera por aprovação, o Projeto entraria na agenda parlamentar neste segundo semestre, mas foi atropelado pela crise política e não tem previsão de ser votado. O relatório que “amarra” os pontos levantados em audiência pública do 3741 já está pronto, mas ainda não foi entregue à Câmara pelo relator, o deputado Armando Monteiro (PTB-PE).

COMPASSO DE ESPERA – Para Kieran McManus, sócio da PricewaterhouseCoopers, espanta o fato de as companhias brasileiras não seguirem as tendências internacionais. Trata-se de adotar regras que não são unânimes, mas têm grande predominância entre os principais agentes da antiga discussão sobre padrões contábeis no mundo inteiro. Cerca de 96 países já aderiram às normas do europeu International Accounting Standards Board (Iasb), os chamados International Financial Reporting Standards (IFRS). Iasb e Fasb ainda esperam, entre 2007 e 2009, unificar suas práticas.

A própria CVRD é um exemplo de companhia que, por seu grau de internacionalização, poderia estar afinada com o IFRS. Presente em 19 países do mundo (incluindo o Brasil), ela divulga seus balanços conforme o padrão brasileiro de contabilidade (BR GAAP) e também o americano (US GAAP), por ter ações negociadas em Nova York. “Não falta vontade de utilizar os padrões europeus, de seguir a convergência de normas”, diz Severini. “Mas, no Brasil, as coisas funcionam de cima para baixo”, afirma.

Cerca de 96 países já aderiram às normas do europeu IASB, os chamados International Financial Reporting Standards (IFRS)

Foi justamente a obrigatoriedade que levou a Companhia Siderúrgica de Tubarão (CST) a aderir ao IFRS. Por ter a européia Arcelor no controle, a CST precisou prestar contas no padrão internacional para a sua matriz. O marco da adoção foi o ano passado, com a publicação de um balanço único, referente a 2003, preparado para atender à legislação européia e à brasileira. A companhia optou pela conciliação das normas internacionais e locais dentro dos limites permitidos pela CVM, e obteve diferenças mínimas entre o relatório harmonizado e o que segue o IFRS, afirma Raquel Pittella, gerente de controladoria interna da CST. “Não aderir ao IFRS é poupar a gestão dos números reais da companhia”, acredita a gerente. Na expectativa de aprovação do 3741, mas com olhos mais atentos ao mercado, Raquel acredita que as corporações estão mudando. “Cada um tem seu contexto estratégico, mas, para o empresário, há interesse no IFRS”, ressalta.

CUSTO-BENEFÍCIO – O “contexto estratégico” da CST incluiu, além da presença de controladores estrangeiros, uma infra-estrutura de ponta para as conversões. A companhia não teve trabalho adicional para implementar o IFRS porque seu sistema de contabilidade já era informatizado com aplicativos capazes de classificar as informações em todos os GAAPs. Não dispor deste tipo de tecnologia pode significar um pesadelo para as empresas que resolverem adotar os padrões europeus. Mas, na opinião de Edison Arisa Pereira, presidente do Ibracon, os benefícios são maiores que todo o custo operacional de implantação de sistemas de contabilidade.

“Com o IFRS, as empresas brasileiras terão acesso a 25 países da Europa e seus 450 milhões de consumidores, redução do custo de capital e melhor percepção de risco pelos investidores”, ressaltou Arisa, no seminário que lançou o CPC. Sobre as vantagens das regras européias, no mesmo evento, Maria Helena Santana, superintendente executiva de relações com empresas da Bovespa, lembrou que 60% a 70% dos investimentos em mercado de capitais no Brasil são de estrangeiros, percentual que conta com grande participação européia.

Severini, da CVRD, destaca que a adoção de critérios de contabilidade distintos custa caro e dá muito trabalho a cada edição de balanço. O custo alto também é percebido no Brasil pela Bayer, subsidiária da homônima alemã. Marta Alencar, gerente geral de contabilidade, conta que a companhia vem utilizando o IFRS e o BR GAAP e que a publicação de dois balanços diferentes demanda gastos da ordem de US$ 200 mil. “A adoção de padrões únicos baseada na convergência internacional, como prevê o Projeto de Lei 3741, diminuiria despesas. Eliminaria também o ‘retrabalho’ e a necessidade da publicação de mais de um balanço, além de dar maior transparência e comparabilidade às empresas”, acredita Marta.

A contadora ressalta, porém, um ponto controverso na adoção do IFRS. A contabilidade das taxas de depreciação e dos ativos imobilizados deve ser feita com cuidado no processo de harmonização das normas. Gastos de implantação, por exemplo, que nos balanços brasileiros são contabilizados como ativos diferidos, são despesas em IFRS – uma polêmica para o Comitê Consultivo da CVM e agora para o CPC, como explica o ex-presidente do Ibracon, Guy Almeida Andrade. Cautela também é recomendada por McManus, da Price. “Convergência demanda alto nível de treinamento. São 2,5 mil páginas de normas, um volume muito grande de texto”, afirma, não tão otimista em relação à rápida adoção das regras européias pelas empresas brasileiras. “A adesão será lenta e gradual”, opina o consultor.


PASSO-A-PASSO – Quem deve logo se deparar com a convergência contábil é a Petrobras. Presente em 14 países e com títulos de dívida negociados no mercado europeu, terá de apresentar demonstrações em IFRS a partir de 2007. É outro passo rumo à internacionalização dos negócios da companhia, que atualmente implementa a Lei Sarbanes-Oxley, conta o gerente executivo de contabilidade, Marcos Menezes. A Petrobras já adota algumas de suas normas e vem divulgando a Demonstração do Fluxo de Caixa e a Demonstração por Segmento de Negócios e Geográfica, apesar de ambas não serem obrigatórias no Brasil.

Tão logo seja votado o 3741, sociedades anônimas de capital fechado e companhias limitadas também terão de publicar seus balanços sob o contexto das normas internacionais. Resta saber quais delas serão obrigadas a isso. Guy Almeida Andrade, ex-presidente do Ibracon, tem seu ponto de vista a respeito. “A definição de empresas que serão obrigadas a publicar balanços deve se basear nos ativos totais das companhias, no número de funcionários e no faturamento”, enfatiza. Pela proposta inicial do projeto de lei, seriam obrigadas a divulgar balanço todas as companhias, abertas ou fechadas, com ativos totais mínimos de R$ 120 milhões ou R$150 milhões de receita bruta anual. Os valores foram dobrados pelo ex-deputado Emerson Kapaz (PPS-SP), em projeto substitutivo, e provavelmente serão modificados pelo relator.

A contabilidade das taxas de depreciação e dos ativos imobilizados ainda é um ponto controverso na adoção do IFRS

EXEMPLO MEXICANO – Durante o evento promovido pela Apimec-SP e o Banco Mundial, foram discutidos não só o papel da entidade lançada, como também alguns dispositivos do Projeto de Lei 3741 e o cenário internacional de harmonização dos padrões de contabilidade.“A nova organização deve ter a ajuda dos agentes de mercado, senão ficará restrita em si mesma”, afirmou Arisa, da atual Gestão do Ibracon, sobre o CPC.

Da experiência estrangeira, fica a mensagem de que é, sim, possível implementar o IFRS no Brasil, a exemplo do México, que tinha uma emissão bastante desordenada de normas contábeis e hoje adota, aos poucos, os padrões europeus. O Consejo Mexicano para la Investigación y Desarrolo de Normas e Informaciones Financieras (CINIF) funcionou como o Fasb mexicano, assim como deverá proceder o CPC no Brasil.

David Potter, principal responsável pela implantação do IFRS no grupo British American Tobacco (BAT), não desconsidera a complexidade das mudanças, que devem, segundo ele, ser encaradas como uma verdadeira maratona. Para Henri Fortin, especialista em gerenciamento financeiro do Banco Mundial, mesmo complexa, a convergência das normas é necessária. Afinal, trata-se de fortalecer o mercado de capitais brasileiro e de reduzir, com mais transparência, o risco do País.

Diante de tanta ênfase, no Brasil, um novo passo importante está para ser dado. Amaro Gomez, chefe do Departamento de Normas do Sistema Financeiro Nacional do Banco Central (BC), divulgou para o público do seminário que o BC pretende elaborar seus demonstrativos usando as regras do IASB a partir de 31 de dezembro. É o mercado se modernizando por conta própria enquanto a contabilidade continua fora das prioridades do Congresso.


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