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Sofisticação de problemas
Está bem mais próxima a realidade de se discutir, no Brasil, os métodos de proteção do controle

, Sofisticação de problemas, Capital AbertoNão há mais dúvida hoje de que o Brasil, acompanhando a internacionalização da concorrência nos mercados de capitais, caminha não só para a sofisticação de suas regras, mas também de suas operações, estratégias e, como conseqüência, de seus problemas jurídicos. Exemplo claro desse desenvolvimento pode ser encontrado na segmentação do mercado de capitais brasileiro conforme os níveis de governança corporativa, lastreada em uma regulamentação não-obrigatória e dependente do consentimento das empresas, seus controladores e administradores. Trata-se não mais só da auto-regulação, mas da regra dispositiva e aceita (soft law), também encontrada nos mercados europeus em iniciativas que disciplinam as estratégias de tomada de controle das empresas abertas, tal como o Código de Aquisição de Controle alemão (Übernahmekodex), ou que implementam boas práticas de governança corporativa dentro do contexto da ampla informação, ou seja, da regra “cumprir ou explicar” (comply or explain).

Essas ocorrências encontram-se inseridas, porém, no contexto da convergência de sistemas jurídicos como resultado da necessidade de uma equalização cada vez maior das regras de proteção dos investidores do mercado de capitais para a manutenção dos parâmetros de concorrência com os mercados internacionais. A profissionalização dos investidores através da indústria de seguros, previdência e fundos em geral permite uma mobilidade cada vez maior do capital e, portanto, uma concorrência praticamente global pelas aplicações dos investidores. Tal convergência é tão profícua e, permita- se dizer, contundente, que, quando os instrumentos de reforma legislativa não são aplicados ou demoram para serem aplicados, como as últimas reformas da Lei das S.As (LSA), de 1976, ou o novo projeto sobre as questões contábeis da LSA bem demonstram, lança-se mão de outros mecanismos de regulamentação, seja por meio da auto-regulamentação ou da criação de regras dispositivas.

É dentro deste contexto de convergência de sistemas que o mercado de capitais brasileiro toma contato neste momento com os primeiros resultados e problemas de uma equalização de regras para os mercados segmentados conforme os níveis de governança, especialmente as regras de liquidez mínima e de emissão exclusiva de ações com direito a voto. Para confrontar a potencial dispersão de capital decorrente, especialmente, das regras de participação dos mercados segmentados, os mecanismos de proteção do controle passaram a estar no centro das preocupações de alguns controladores familiares. Como já noticiado na imprensa, especialmente nas edições anteriores desta revista, o instrumento mais utilizado tem sido, sem dúvida, as poison pills, incluídas nos estatutos das companhias. Elas obrigam os adquirentes de um determinado número de ações que lhe rendam o controle da companhia à colocação de uma oferta pública. Os casos Natura e Grendene bem evidenciam essa preocupação.

Tais ocorrências podem ser, todavia, o prenúncio de uma sofisticação ainda maior do mercado brasileiro, onde estratégias de proteção do controle já existentes em outros mercados poderão ser aplicadas. Embora seja comum associar-se as práticas de defesa às conhecidas poison pills do direito societário americano, estas representam somente um dos vários mecanismos existentes, em grande parte relacionados às legislações estaduais americanas.

Eles podem estar estruturados como dispositivos contratuais, como o vencimento antecipado de contratos quando um determinado acionista ou grupo de acionistas atinge um certo limite de participação, ou dispositivos societários, como a possibilidade de exercício de compra de ações por um determinado preço caso um acionista ou grupo de acionistas alcance uma participação previamente fixada, gerando, assim, uma diluição perversa para o ofertante.

É muito grande a lista de estruturas e estratégias de defesa utilizadas no mercado americano, sempre com nomes exóticos e até mesmo lúdicos. Pode-se mencionar as defensive acquisitions, as white knight (estabelecimento de um bloco de defesa com venda de ações), selling crown jewels (venda de importantes ativos da empresa), tin parachutes (acordo de bônus relevantes para determinados empregados em caso de mudança de controle), pac-man (contra-oferta de tomada de controle).

Muitas destas estratégias estiveram presentes nas décadas de 70 e início de 80 no mercado americano e eram marcadas pelo seu caráter auto-destrutivo. O atual mercado de estratégias de defesa nos EUA, porém, não se utiliza de medidas auto destrutivas e refere-se muito mais a estruturas bastante rígidas de defesa da administração, mas que raramente chegam a se concretizar. Servem, principalmente, para obrigar uma melhor negociação do preço de venda para os acionistas e, não, como normalmente é assumido, para evitar uma transferência de controle pura e simplesmente.

Medidas como essas irão, certamente, aquecer o debate sobre a proteção de minorias ou sobre as regras de governança corporativa. Com a potencial introdução de tais mecanismos na prática brasileira, a reação da administração frente a tentativas de tomada do controle de companhias abertas sem o consentimento direto do controlador passará a ocupar o centro das atenções.

As poison pills do direito societário norte-americano representam apenas um dos vários mecanismos de defesa existentes

Não se poderia deixar de ao menos mencionar aqui, a título de ilustração desse problema, o clamor público que o caso Vodafone/Mannesmann adquiriu, no qual as manobras de defesa da administração da Mannesmann tornaram-se quase que folclóricas, dada a disputa, melhor dizendo, a verdadeira batalha de propaganda e contra-propaganda que ocupou grande espaço na mídia européia em geral e, em especial, nas mídias alemã e inglesa. Todos os gastos milionários da administração da Mannesmann para convencer os seus acionistas de que a alienação de suas ações para a Vodafone era prejudicial à companhia cessaram somente quando a Vodafone ofertou uma indenização milionária para a administração da Mannesmann.

A neutralidade da administração é vista como condição necessária para o desenvolvimento de um mercado de controle sadio e funcional, que, por sua vez, garanta uma gestão engajada no objetivo de lucratividade da companhia. Trata- se de lógica simples. Se houver um mercado de transferência de controle, os administradores serão obrigados a atentar para o desempenho da companhia sob pena da mesma ser adquirida por concorrentes ou outros investidores interessados na margem de lucro propiciada pelo baixo valor de cotação das ações da companhia. O mercado de transferência de controle atua, assim, como um eqüalizador de interesses e obriga a administração a se voltar para as ações da companhia de forma a evitar uma mudança de controle que acarretaria, ao certo, a mudança da administração.

Os críticos americanos, por outro lado, apontam que o mercado de transferência de controle pode, ao mesmo tempo, induzir os administradores a buscarem a maximização de lucros da empresa a curto prazo, em prejuízo de sua rentabilidade longeva. Não logrou sucesso, assim, a reforma alemã para introduzir o princípio da neutralidade que tanto foi exposto no caso da tentativa de aquisição forçada da Mannesmann pela Vodafone, na qual os gastos com propaganda e contra-propaganda foram inimagináveis e, ao final, a aceitação da proposta pela administração da Mannesmann encontra-se sob a investigação por suspeita de enriquecimento ilícito por parte dos administradores que receberam indenizações vultosas.

A reação dos administradores frente às tentativas de tomada de controle de companhias abertas estará no centro das atenções

O mercado de capitais brasileiro já não está mais tão longe de tal problemática. Não há como prever como seu desenvolvimento será, mas é fato que muitas das formas e métodos de proteção do controle encontradas em outros mercados não deixarão de ser pensadas e trabalhadas aqui, como conseqüência direta ou não da própria equalização das regras nacionais com os parâmetros internacionais. Portanto, a sofisticação das regras e estratégias trará, certamente, o aumento da complexidade de nossos problemas jurídicos.


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