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Pelo caminho mais fácil
Na última hora, companhias optam pela simplificação e adaptam o conselho fiscal para atender às exigências da Sarbanes-Oxley

ed21_p024-027_pag_1_img_001Na prática, a teoria é outra. Às vésperas do fim do prazo para as primeiras adequações à lei Sarbanes-Oxley, a escolha entre o comitê de auditoria e o conselho fiscal “turbinado” como órgão fiscalizador da gestão das empresas tomou rumos inesperados. Visto com restrições como substituto do comitê, o conselho fiscal surge, na reta final, como uma opção facilitada para empresas que pareciam caminhar em direção ao formato americano. Companhias que mudaram de idéia na hora “H” apontam motivos de ordem prática para a decisão e até admitem migrar no futuro para o modelo de comitê de auditoria.

O prazo para a escolha entre os dois formatos se aproxima: até 30 de junho todas as empresas com ações listadas nas bolsas americanas devem arquivar junto à Securities and Exchange Commission (SEC) o chamado formulário 20-F, com detalhes sobre a estrutura do órgão que será implementado até o fim de julho. Na maioria dos casos, a adaptação envolve alterações no estatuto social, que precisam ser aprovadas em assembléia geral.

A discussão sobre o formato de fiscalização mais adequado para as empresas, levando em consideração as boas práticas de governança corporativa, existe há dois anos, desde que a SEC liberou as empresas brasileiras emissoras de American Depositary Receipts (ADRs) da obrigação de adotar o comitê de auditoria previsto na SOX. Permitiu que suas atividades fossem assumidas pelo conselho fiscal, que consta da legislação societária no Brasil. No último ano, seminários e grupos de trabalho formados dentro das empresas sugeriam que o comitê de auditoria seria adotado pela ampla maioria das cerca de 40 companhias com ADRs, por ter um caráter mais independente e ser reconhecido pelos investidores internacionais.

Com a pressão do tempo e a preocupação com outras obrigações mais burocráticas impostas pela SOX, a discussão teórica deu lugar a uma decisão pragmática. Na maioria das companhias, a adoção do comitê de auditoria nos moldes americanos implica alterações no conselho de administração, ou seja, uma mudança na estrutura de poder. Isso porque o comitê, de acordo com as regras americanas, deve fazer parte do conselho de administração e ser composto por pelo menos três membros, todos independentes – não só da gestão e da auditoria externa como também dos controladores. Já o conselho fiscal, composto majoritariamente por membros indicados pelos controladores e com a participação de minoritários, precisa ser independente apenas da administração e da auditoria externa.

“O acionista majoritário ficaria constrangido de não ter representante no comitê de auditoria”, diz Luiz Fernando Rolla, superintendente de relações com investidores da Cemig, justificando a opção da empresa pelo conselho fiscal. Na Cemig, o governo mineiro indica oito dos 14 assentos do conselho de administração, e apenas um dos membros restantes poderia atender aos critérios de independência exigidos pelo comitê de auditoria, segundo Rolla. Como o conselho fiscal na companhia já era bastante atuante, os debates internos sobre o comitê acabaram tendendo à simplificação. “Agora estamos correndo para fazer as adaptações necessárias”, conta o superintendente.

Nem todas as empresas admitem que os critérios mais rígidos de independência do comitê pesaram na opção pelo conselho fiscal. Algumas evocam a tradição de seus conselhos, em funcionamento há anos, e a preocupação em evitar uma estrutura de fiscalização dobrada – já que o conselho fiscal pode ser instalado a qualquer momento, a pedido de um acionista minoritário. Nas sociedades de economia mista, onde é obrigatório e não facultativo, o conselho fiscal de fato costuma ter uma tradição de atuação, embora sua imagem esteja atrelada a funções burocráticas. Há ainda quem considere o conselho fiscal um órgão mais adaptado ao modelo de governança corporativa brasileiro, pois prevê a presença de minoritários – um tipo de fiscalização importante nos mercados em que há concentração do capital. O Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) recomenda a adoção das duas estruturas, com funções complementares.

TROCA DE ÚLTIMA HORA – O movimento mais surpreendente, nesta reta final, foi o de empresas que já haviam constituído seus comitês de auditoria, estimuladas pela onda moralizadora que sucedeu os escândalos contábeis internacionais e resultou na lei Sarbanes-Oxley, e agora estão optando pelo conselho fiscal para efeito de cumprimento da seção 301 da SOX. A AmBev, na assembléia geral ordinária realizada em 12 de abril, decidiu extinguir o comitê de auditoria que havia criado, instalando o conselho fiscal de forma permanente e com novas atribuições, como a de estabelecer um canal de denúncias – uma das adaptações necessárias, assim como a presença de um especialista financeiro e contábil.

A Braskem também faz parte do rol de empresas que, depois de instalar um comitê de auditoria, preferiu o conselho fiscal como solução mais imediata para cumprir a legislação americana. “Nosso comitê não atende 100% das exigências da Sarbanes”, explica Jayme da Fonseca, diretor de controladoria da petroquímica. Os integrantes do comitê não são independentes e não há especialista financeiro e contábil. Para não precisar alterar o conselho de administração, que abriga o comitê de auditoria, a empresa decidiu adaptar o conselho fiscal e ampliar as suas atribuições para atender às exigências da SOX temporariamente, enquanto seu comitê não cumpre as regras impostas pela legislação americana. “A decisão é ter o comitê de auditoria”, diz Jayme Fonseca. “Não queremos conviver com o modelo de conselho fiscal ‘turbinado’ por muito tempo.”

A alternativa de usar o conselho fiscal provisoriamente, até que o comitê de auditoria seja viabilizado, está sendo considerada por algumas empresas, diz Ivan Clark, sócio-diretor da PricewaterhouseCoopers. “Como o prazo para a adequação à seção 404 (da SOX) foi prorrogado, o auditor só vai precisar avaliar a eficácia dessa estrutura daqui a um ano. Então será possível melhorar o modelo implantado agora”, explica Clark. Nas empresas familiares, diz ele, os controladores apontam como principal dificuldade encontrar nomes de confiança, com conhecimento técnico e independência para compor o comitê, e, por tabela, o conselho de administração. “Esperamos que o conselho fiscal seja uma opção provisória. Será difícil quebrar o paradigma do passado do conselho fiscal, de ser um carimbo dos acionistas que não avalia a qualidade das informações.”

A Previ lidera um movimento para tentar quebrar esse paradigma e reforçar o papel do conselho fiscal (ver também o box na próxima página). O fundo de pensão questiona a independência do comitê de auditoria nas empresas brasileiras, já que seus membros são indicados pelos acionistas controladores. A pressão da maior investidora do mercado para que o conselho fiscal seja instalado de forma permanente e atuante esquentou ainda mais a discussão interna nas companhias com ADRs, na reta final para uma tomada de decisão sobre qual estrutura será adaptada para atender às regras da Sarbanes.

Na Companhia Vale do Rio Doce e na Petrobras, o martelo ainda não havia sido batido no final de abril, depois de meses de debates. “A escolha está em fase final de análise e encaminhamento à diretoria executiva e ao conselho de administração para decisão”, diz Alexandre Fernandes, gerente de divulgação ao mercado da Petrobras, que possui comitê de auditoria desde 2002, constituído exclusivamente por membros do conselho de administração. “Apesar disso, seu regimento não contempla todas as exigências da Sarbanes, pois sua constituição inicial não visava este objetivo”, justifica Fernandes.

Na Eletrobrás, funcionários trabalham de forma intensa no cumprimento das regras da legislação americana, incluindo a adaptação da estrutura do conselho fiscal, que já era permanente pelo estatuto social. Oficialmente, a empresa diz que a decisão final não foi tomada e prefere não dar entrevistas sobre o assunto, assim como a Vale do Rio Doce. Em outra companhia de capital misto, um funcionário conta uma história curiosa: um grupo formado para preparar a adaptação do conselho fiscal aos quesitos da SOX decidiu, depois de um ano de estudo, recomendar a formação de um comitê de auditoria. Mas tudo indica que a conclusão do grupo não será considerada pelo acionista controlador, que rejeita a idéia de um órgão totalmente independente.

PREVISÃO DIFÍCIL – Com tantas mudanças de última hora, fica difícil prever como ficará o placar da disputa “comitê de auditoria versus conselho fiscal”. Em março, a PricewaterhouseCoopers realizou uma pesquisa, respondida por dois terços das empresas brasileiras registradas na SEC, na qual 60% afirmavam que pretendiam optar pelo comitê de auditoria e 40%, pelo conselho fiscal. O sócio Clark ressalta que, se forem excluídos os bancos, obrigados por resolução do Conselho Monetário Nacional (CMN) a constituir os comitês, a conclusão é de que as empresas estão divididas sobre o assunto.

Para Pedro Melo, sócio da KPMG, a maioria das companhias está claramente optando pelo comitê de auditoria, recomendado pela consultoria como melhor alternativa. “Nossa preocupação nessa discussão sobre a adaptação do conselho fiscal é que os pilares do comitê de auditoria sejam resguardados”, diz Melo. “Acreditamos que os ganhos de visibilidade de governança corporativa e a melhora na fiscalização compensam os gastos que se possa ter com a sua constituição ou com uma estrutura dobrada.”

A ameaça de que o conselho fiscal seja visto com desconfiança pelos investidores estrangeiros existe, especialmente nas empresas cujas ações têm maior liquidez na bolsa americana. Entretanto, como as companhias são obrigadas a divulgar quaisquer diferenças relevantes entre as práticas de governança corporativa que adotam e as regras de listagem da NYSE – mesmo que sejam permitidas e decorrentes do sistema legal brasileiro, o investidor terá todas as informações necessárias para fazer a sua avaliação.

“É difícil prever o efeito dessa decisão na precificação dos papéis”, diz Taiki Hirashima, sócio da consultoria Hirashima & Associados. Ele acredita que empresas com muita liquidez nas bolsas estrangeiras tendem a reduzir as incertezas dos investidores e optar pelo comitê de auditoria. Mesmo assim, o consultor prevê que a maioria das companhias brasileiras vai caminhar no sentido de adaptar seus conselhos fiscais. “É mais cômodo”, resume. “As regras de independência do comitê são bastante restritivas. Há dificuldades de encontrar profissionais de mercado que queiram assumir essa responsabilidade e de convencer os controladores a incluir esses membros no conselho de administração. As empresas brasileiras ainda não estão nessa fase de profissionalização.”

Até 30 de junho, a disputa entre o comitê de auditoria e o conselho fiscal “turbinado” promete esquentar ainda mais. Mesmo que tentem fazer dessa discussão um assunto interno, as companhias com ADRs dificilmente conseguirão tirar os holofotes da sua decisão. Afinal, tudo indica que elas, no seu pioneirismo imposto pela SOX, irão sinalizar uma tendência a ser seguida por outras empresas brasileiras em busca de um modelo ideal de fiscalização da gestão e de governança corporativa.

Empresas instalam conselho fiscal permanente

A Previ vem conquistando algumas vitórias em sua campanha pela instalação de um conselho fiscal permanente nas empresas das quais participa. Segundo Renato Chaves, diretor de participações da fundação, Votorantim Celulose e Papel (VCP), Gerdau, Paranapanema, Eluma, Caraíba Metais, Celesc, Alpargatas, Inepar, Ambev, Suzano Papel e Celulose, Sadia, Petroflex e Hopi Hari são alguns exemplos de companhias que aceitaram a proposta da Previ.

De acordo com Chaves, algumas concordaram de imediato com o pedido porque já tinham disposição para ter um conselho fiscal permanente. Outras, não reveladas pelo diretor, se recusaram argumentando que preferem instalar o órgão quando surgir a necessidade. Houve ainda companhias que, segundo Chaves, nem responderam à consulta da fundação. Na avaliação do executivo, a receptividade ao projeto já pode ser considerada positiva pelo número de adesões. Para ele, a instalação do conselho é sinal do entendimento dos controladores em relação à importância da fiscalização pelos acionistas minoritários. (Thais Franco)


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