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Proteção excessiva?
Mercado questiona barreiras impostas pela CVM em instrução que regulamenta os CRIs vendidos a varejo

ed18_p008-011_pag_3_img_001A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) arregaçou as mangas e, em tempo recorde de 15 dias, baixou a nova instrução normativa, de nº 414, que revoga a Instrução 284 e regulamenta a oferta pública de distribuição de Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs) para os investidores menos endinheirados. Desde o terceiro dia de janeiro, as companhias securitizadoras podem emitir CRIs com valor nominal inferior a R$ 300 mil. Até a aprovação da nova instrução, publicada no Diário Oficial da União em 31 de dezembro de 2004, os certificados eram cotados sempre acima deste patamar, o que os restringia ao universo de investidores institucionais ou a alguns poucos individuais mais abastados, definidos pela CVM como “qualificados”.

A autarquia priorizou a adaptação dos CRIs por força de incentivos tributários concedidos pelo governo federal no fim de 2004. O objetivo era ter o normativo pronto quando começasse a valer a Medida Provisória (MP) 206, convertida na Lei 11.033/2004. Entre outras novidades, a legislação isenta de Imposto de Renda (IR) os rendimentos de aplicação em CRIs feita por investidores pessoa física. Até então, apenas os juros das Letras Hipotecárias (LH) e os rendimentos das cadernetas de poupança eram isentos de IR.

Por ter sido aprovada a toque de caixa, a instrução terá uma minuta mantida em audiência pública até o dia 28 de fevereiro. Neste prazo, agentes do setor vão expor suas sugestões para o aperfeiçoamento das regras. Apesar de a idéia de liberar os CRIs para o varejo ter sido bem recebida pelo mercado, o normativo foi bombardeado nos pontos mais polêmicos, acendendo a discussão sobre até que ponto a CVM deve instituir regras restritivas em favor da proteção do investidor pessoa física.

Há oito anos, incorporadores, construtores e companhias securitizadoras pleiteiam a redução da aplicação mínima nos CRIs para que pequenos e médios investidores tivessem acesso a esta alternativa de investimento. Eles apostam na pulverização dos papéis como uma estratégia eficiente para a rápida expansão do mercado. Os CRIs são títulos de renda fixa lastreados em fluxos de recebíveis de financiamentos imobiliários ou aluguéis comerciais. A remuneração dos certificados espelha os índices de reajuste fixados nos contratos de financiamentos. Seu papel é alavancar recursos para a construção dos empreendimentos e o financiamento dos mutuários.

HABITE-SE – Um dos itens mais polêmicos da Instrução 414 diz respeito à exigência de habite-se para os imóveis que servirão de lastro à emissão dos CRIs de varejo. O habite-se é o documento concedido pelo Poder Municipal que autoriza a ocupação e o uso do edifício recém-concluído. Prédios prontos constituem o que o mercado costuma chamar de recebíveis performados, e um fluxo mais previsível de pagamentos. Para os investidores institucionais, continua admitida a emissão de títulos lastreados em fluxos de recebíveis de aluguéis ou do compromisso de venda de imóveis a performar – ou seja, ainda na planta ou em fase de construção.

O superintendente de registros da CVM, Carlos Alberto Rebello Sobrinho, explica que as restrições foram criadas porque o investidor de varejo desconhece – ou conhece muito pouco – os riscos embutidos nos CRIs. Daí a decisão de submeter as emissões de varejo a operações mais conservadoras. “Sem o habite-se, o investidor corre dois tipos de riscos: o da obra não ser concluída e o de inadimplência no pagamento dos recebíveis. A CVM tomou a medida por precaução, porque as pessoas podem ficar fascinadas com a isenção do IR e não atentar para o tipo de operação”, explica Rebello.

Fábio Nogueira, diretor da Brazilian Securities, entende a preocupação da CVM, mas a considera exagerada. Em sua opinião, a instrução já dispõe de outros instrumentos para reduzir o risco das operações. “O normativo institui o patrimônio de afetação e o regime fiduciário nas operações de CRIs, que segregam os créditos imobiliários do patrimônio da incorporadora e da companhia de securitização. Em caso de falência de uma das empresas, por exemplo, na fase de construção ou na etapa de securitização, o fluxo de recebíveis não entra na massa falida e não compromete a remuneração dos papéis”, avalia o executivo. O regime fiduciário e o patrimônio de afetação não são obrigatórios nas emissões de CRIs de valor igual ou superior a R$ 300 mil, mas o mercado os utiliza como instrumentos de garantia das operações.

LIMITE DE CRÉDITO – Outra restrição que desagradou companhias securitizadoras e incorporadoras é o limite de dívida que cada mutuário deve representar no volume total de recebíveis transformados em CRIs, quando os certificados forem vendidos ao varejo. A nova instrução cravou em 0,5% o percentual máximo por devedor. Isto quer dizer que para cada R$ 1 mil de recebíveis que servem de lastro para os CRIs, cada mutuário não pode dever mais que R$ 5. “Limitar o crédito por devedor significa pulverizar e reduzir os riscos decorrentes de inadimplência”, explica o advogado especializado em mercado de capitais do escritório Zaclis e Luchesi, Daniel Kalansky.

Categórico, o executivo Glauber Santos, da Rio Bravo Investimentos, avalia que a regra inviabiliza as operações de baixo valor e a colocação para os investidores de varejo. “Nenhuma das emissões feitas pela Rio Bravo até hoje atenderia a este requisito da CVM”, diz Santos, que, como outros agentes, entendem que o limite poderia ser, por exemplo, de 2%. Há quem acredite que este item da nova instrução é o principal entrave para a estruturação de emissões de CRIs para o investidor de varejo ainda no primeiro semestre de 2005. A CVM concorda que é preciso ter volume para viabilizar uma operação de securitização de CRIs. Porém, diz Rebello, o objetivo é justamente motivar os incorporadores e construtores a juntar recebíveis de empreendimentos de diversas regiões para pulverizar o risco de inadimplência da carteira.

O sócio de mercado de capitais do escritório Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr. e Quiroga, José Eduardo Queiroz, apóia as restrições. Ele argumenta que os investimentos de maior risco ainda são pouco utilizados no Brasil, o que exige tempo para aprendizado do investidor que se inicia no ramo. “É preciso entender as aplicações e conhecer os seus riscos. O problema é que o brasileiro ainda recorre ao Código de Defesa do Consumidor para se defender quando tem perdas, sob a alegação de que não tinha pleno juízo do serviço ou produto contratado”, compara Queiroz.

Para o especialista, outro fator positivo previsto na nova instrução é a exigência de um relatório de classificação, por parte de uma agência de rating, quanto ao risco atribuído aos CRIs de varejo. Pela norma, a classificação deve ser atualizada trimestralmente, para proteger os investidores pessoa física ao longo do tempo da aplicação – equivalente ao prazo de financiamento aos mutuários, de dez anos em média. O mercado avalia, contudo, que precisa haver uma regulamentação das agências por parte da CVM, para que o processo de classificação seja mais transparente e evite casos como o do Banco Santos, que tinha boas notas até o dia da intervenção do Banco Central. A CVM diz que tem acompanhado a movimentação em todo o mundo sobre a regulamentação das atividades de agências de rating enquanto analisa a possibilidade de implementar algo neste sentido no Brasil. Quanto à classificação obrigatória de risco para os CRIs, Rebello defende que o rating oferece um retrato do risco da operação e reúne informações sobre estruturação da emissão e histórico do pagamento da carteira de clientes que os investidores, sozinhos, não teriam condições de avaliar.

 

Um dos itens mais polêmicos da Instrução 414 diz respeito à exigência de habite-se para os imóveis que servirão de lastro aos CRIs de varejo

AUDIÊNCIA PÚBLICA – O mercado espera mudanças nas regras dos CRIs de varejo após recebidos os comentários da audiência pública. A CVM já mostrou alguma flexibilidade ao permitir, por exemplo, que recebíveis de aluguéis de imóveis comerciais (e não somente de financiamentos para compra de imóveis) fossem contemplados na nova instrução. Para os recebíveis de aluguéis, Romeu Pasquantonio, diretor- geral da Bovespa, propõe uma exceção à regra geral que limita a 0,5% o percentual de cada devedor. Ele sugere que edifícios alugados por uma única companhia – desde que seja uma empresa de grande porte – poderiam ter o fluxo de recebíveis securitizados para venda de CRIs ao varejo. Na opinião do diretor, o risco da operação seria diminuído pela garantia de ocupação por uma empresa com baixo risco de inadimplência, sem comprometer a remuneração dos papéis.

Também foi colocada em discussão na audiência pública a possibilidade de exigência de capital mínimo para o funcionamento das companhias securitizadoras. A instrução da CVM não estabelece o piso, mas determina que essas empresas tenham registro de capital aberto e por objeto social, exclusivamente, a aquisição e securitização de créditos imobiliários e a emissão e colocação de CRIs no mercado de capitais. “Espera-se que a CVM crie um piso equivalente ao das companhias hipotecárias, de R$ 3 milhões, para assegurar as operações de securitização”, afirma Nogueira, da Brazilian Securities.

Outra queixa do mercado – esta com poucas chances de ser acatada pela CVM – é quanto ao registro provisório, liberado apenas para os CRIs de valor igual ou superior a R$ 300 mil. Para conferir maior transparência às emissões de CRIs destinados ao varejo, a autarquia condicionou o início da oferta pública à aprovação do prospecto definitivo, que pode levar até três meses.

Mas nem só de reclamações se fez a repercussão da nova instrução no mercado. Alguns itens foram aprovados e até comemorados. É o caso do desdobramento de CRIs lançados inicialmente para investidores qualificados. Decorridos 18 meses da data de encerramento da distribuição, a securitizadora pode propor o desdobramento dos títulos com valores de varejo, desde que atenda alguns requisitos. Um dos mais importantes é a apresentação ao investidor pessoa física de um histórico da inadimplência e do comportamento do investimento. Os papéis também deverão contar com um regime fiduciário e ser originados de recebíveis de imóveis prontos e com habite-se, além de ter a atualização trimestral dos classificadores de risco. A pulverização dos papéis terá de ser condicionada à aprovação de maioria simples dos titulares de CRIs em circulação, reunidos em assembléia.

Investimento dos bancos em habitação pode inibir venda de CRIs ao varejo

Grandes instituições financeiras apontam um entrave que pode desincentivar a oferta de CRIs como alternativa de investimento para o pequeno e médio investidor. Trata-se do artigo 15 da Resolução 3.177 do Conselho Monetário Nacional (CMN), de 08 de março de 2004, que impõe uma espécie de penalidade aos bancos que não investirem pelo menos 65% dos depósitos em caderneta de poupança no setor de habitação.

Segundo o superintendente de crédito imobiliário do Itaú, Luiz Antonio Rodrigues, a medida faz com que os bancos que operam com caderneta de poupança tendam a “encarteirar” os CRIs ao invés de oferecê-los aos clientes como opção de investimento. “Os bancos compram os CRIs porque os papéis os ajudam a cumprir a exigibilidade mínima para financiamentos a construtores e mutuários”, diz Rodrigues. “Não fosse a penalidade aplicada pelo Banco Central (BC), o mercado ficaria mais livre para oferecer os CRIs de varejo aos clientes”, completa.

Pela resolução, os bancos que operam com caderneta de poupança são obrigados a direcionar ao menos 65% dos depósitos em poupança para financiamentos de obras de construtoras e aquisição de imóvel pelos candidatos a mutuários. Mas caso não tenham onde alocá-los no momento, podem deixar parte dos recursos no Banco Central. Para desestimular essa prática – e incentivar os bancos a utilizar os 65% dos depósitos em benefício do setor imobiliário -, o CMN diminuiu a remuneração dos recursos que ficam no BC, de TR mais 0,5% ao mês, para 80% da TR, menos do que é devido aos clientes da caderneta de poupança. Na prática, portanto, os bancos não têm mais a opção de ficar com os depósitos da poupança parados no BC, em lugar de aplicá-los no mercado imobiliário.

O tema rende discussões calorosas entre os setores financeiro e imobiliário. Estima-se que mais de R$ 12 bilhões poderiam financiar construtores e mutuários. Mas o setor financeiro diz que a demanda não ultrapassa R$ 7 bilhões no ano. “Hoje, não existe tanto ativo no mercado para ser securitizado e transformado em CRIs. O mercado de certificados imobiliários só tende a crescer se os construtores aumentarem o ritmo dos empreendimentos e a disposição em vender suas carteiras de recebíveis para as securitizadoras”, diz o executivo Anésio Abdalla, presidente da Cibrasec, a primeira e maior securitizadora do Brasil, formada por 36 instituições financeiras.

O executivo do Itaú diz que não há demanda suficiente – nem de construtor nem de mutuário – capaz de absorver os recursos das cadernetas, o que obriga os bancos a se “desdobrarem” para cumprir a exigibilidade. “O Itaú fez R$ 800 milhões de empréstimos para incorporadores e mutuários em 2004, mas teve de comprar mais de R$ 60 milhões de CRIs em dezembro do ano passado para cumprir o percentual exigido pela CMN”, calcula Rodrigues.

Celso Petrucci, diretor-executivo do Secovi, entidade que reúne empresas do ramo imobiliário de São Paulo, vem negociando regras mais flexíveis com as instituições financeiras para aumentar o volume de empréstimos para o mercado imobiliário. Em geral, diz ele, os bancos financiam no máximo 60% do valor dos imóveis para os candidatos a mutuários. A idéia é aumentar o percentual para 80%. Também há sugestões para elevar para 20 anos o prazo médio de financiamento, que hoje fica entre 10 e 15 anos. Os bancos pedem que o comprometimento da dívida imobiliária não ultrapasse 20% da renda do mutuário. O Secovi acredita que é possível aumentar o percentual para 25%.

No fim de janeiro, uma nova resolução do CMN, de nº 3.259, flexibilizou algumas regras para a destinação de recursos para o setor de habitação, como a que incentiva a redução de juros para os empréstimos para aquisições de imóveis de menor valor. Neste pacote, o CMN elevou de 1 para 1,2 o peso que os CRIs recebem no cálculo das aplicações obrigatórias no mercado imobiliário – mais um motivo para os bancos operarem com os certificados.


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