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Fragilidades à mostra
Quebra do Banco Santos suscita discussão sobre a proteção dos cotistas de fundos e a atuação do fiscalizador

 

Com a decretação da intervenção extrajudicial no Banco Santos, em novembro de 2004, o Sistema Financeiro Nacional voltou a ser rondado pelo fantasma da corrida bancária e, em especial, por crescentes e inusitados saques nos fundos de investimento. Voltou à tona a discussão da situação dos cotistas no regime especial de intervenção e liquidação extrajudicial, assunto que até então era considerado superado, já que a natureza jurídica dos fundos e a ausência de personalidade jurídica própria restringiam o tema ao círculo acadêmico. Não somente os prejuízos impostos aos cotistas, como também a insegurança gerada nos poupadores com uma quebra destas proporções, impõe uma revisão do assunto. É necessário ainda, na mesma toada, lançar novas luzes sobre a fiscalização destes fundos.

Primeiro, é inequívoco que o patrimônio da instituição administradora não se confunde com o patrimônio do fundo e que este é autônomo em relação àquele, como lembra Fernando Schwarz Gaggini em sua interessante monografia “Fundos de Investimento no Direito Brasileiro”. Tal patrimônio não poderá ser pretendido na satisfação de qualquer credor, e é evidente que, em decorrência de sua natureza jurídica semicondominial, a fórmula fiduciária impede o fundo de ser titular de obrigações, exceto aquelas originárias com seus cotistas. Diversas outras teorias identificam os aspectos do titular do domínio ou mesmo sobre a comunidade dos bens, mas é geralmente aceito que, em não sendo bem pertencente à massa liquidanda, na hipótese da decretação do regime especial, meramente substitui-se o administrador; o fundo e os cotistas passam a continuar atividades em outra instituição financeira.

Episódio mostrou que a estrutura jurídica de um fundo não isola a entidade de decisões equivocadas ou fraudulentas que causem prejuízos aos cotistas

No entanto, o que se descobriu com o advento da intervenção no Banco Santos é que a natureza jurídica do fundo pode dar proteção e segregação patrimonial, mas não pode isolar a entidade de decisões equivocadas ou fraudulentas que causam prejuízos aos poupadores. Explica-se: o problema dos fundos no Banco Santos não é a comunhão de recursos financeiros de que fala a Instrução CVM no 302/99, mas a qualidade dos ativos que compõem esta comunhão. Mesmo que a noção de chinese wall tenha sido proclamada em verso e prosa como meio único de confiabilidade do sistema, com segregação nítida entre os recursos dos investidores e os ativos da instituição administradora, muitas vezes ocupando espaços físicos distintos (como no caso do Banco Santos, na Rua Hungria em São Paulo) o que se descobre é que, na composição dos ativos financeiros, há “muita coisa podre no Reino da Dinamarca”. As Cédulas de Crédito Bancário (CCB) e Cédulas de Produtor Rural (CPR) emitidas por empresas montadas exclusivamente para este fim (ou devedores em operações triangulares envolvendo o Banco) e adquiridas por estes mesmos fundos, o desenquadramento no carregamento de títulos do Banco, além dos limites legais máximos exigidos, enfim, uma série longa de graves irregularidades (para se dizer o mínimo) que colocam em xeque a própria estrutura da indústria dos fundos no Brasil.

Por não estarem sujeitos à proteção do seguro de crédito bancário, estabelecido pela Circular no 2.786/97, o FGC – Fundo Garantidor de Créditos não está autorizado a pagar os atuais R$ 20 mil quando um fundo é liquidado. Isso é acertado, já que se um banco é liquidado, o próprio fundo em si não é parte do problema da instituição em crise. Mas o que pode ocorrer se o fundo em si não tiver bons ativos? No caso, deve ser providenciada a convocação de assembléias gerais de cotistas para deliberar quanto à eventual liquidação do fundo, bem como quanto às demais possibilidades descritas no artigo 16, da Instrução CVM nº 409. Mesmo que possa existir consenso quanto à questão da responsabilidade civil dos administradores, há muito o que avançar. Se o fundo é uma entidade distinta e juridicamente apartada, a instituição administradora não responde pelos prejuízos sofridos, ressalvados, é claro, atos ilícitos. No entanto, o próprio administrador causador do problema estará, a esta altura, falido. Melhor não seria se houvesse limites mínimos de capitalização para os fundos, como há na Itália, por força do Decreto Legislativo no 415/96 ?

Ainda que o chinese wall tenha sido proclamado em verso e prosa, o que se descobriu foi que havia “muita coisa podre no Reino da Dinamarca”
É lamentável que a indústria de fundos passe por problemas de depuração. A transparência é um dos mais importantes desafios a serem conquistados

Um segundo comentário importante é quanto às provisões feitas por força do Regime Especial. Por serem compostos de ativos de emissão ou co-obrigação do banco intervindo ou liquidado, de emissão de companhias ligadas e títulos de liquidez restrita, alguns fundos de investimento sofreram uma provisão de 100% (cem por cento) do valor do patrimônio liquido. Embora extremamente conservadora, a medida se justifica uma vez que os fundos permanecem fechados para resgate. A CVM faz uma observação prudente: “ressalta-se que as provisões efetuadas nos fundos administrados no Banco Santos S/A poderão ser revertidas, ao menos parcialmente, na medida em que os ativos cujo valor atual é incerto (e aos quais, por isso, não foi atribuído valor), possam vir a recuperar seu valor no futuro. A recuperação do valor dos ativos provisionados dependerá de sua possibilidade de venda em mercado ou de serem honrados no vencimento.” É preciso, contudo, um mecanismo como o Comitê de Cotistas que possa acompanhar a reversão destas provisões com transparência e celeridade.

Uma outra crítica que se faz é quanto à fiscalização errática sobre os fundos. Não se pode admitir que um fundo adquira Cédulas ou outros títulos de crédito (CCB, CPR, etc) emitidas por clientes do Banco – que, numa situação de liquidação, sempre poderão pleitear compensações recíprocas. Mais é indicado obrigar os fundos a adquirirem sempre títulos e valores mobiliários registrados e aprovados pelos órgãos competentes e, preferencialmente, onde há mercado organizado. E o desenquadramento de um fundo é assunto sério que deveria ter incentivos e punições muito mais rigorosas do que as existentes. A transparência na indústria de fundos é um dos mais importantes desafios ainda a ser conquistados. É lamentável que uma indústria que cresça tanto e que tanto tem a crescer passe por problemas de depuração: os cotistas prejudicados, muitas vezes, pobres investidores de boa fé, sofrerão outra vez amargos prejuízos. Mas que, no futuro, o sistema possa ser aprimorado e affairs como o do Banco Santos não voltem a rondar e assustar o mercado brasileiro.


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