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Jogo aberto
Obrigatória nos prospectos e candidata a integrar os relatórios da administração, seção Fatores de Risco extrapola funções legais para se tornar um diferencial de transparência

ed16_p024-027_pag_4_img_001“Estamos em desvantagem em relação a certos competidores”; “É possível que não possamos refinanciar nossa dívida conforme ela for vencendo”; “Mudanças no ambiente regulatório podem prejudicar a nossa empresa”; “Disputas judiciais envolvendo a empresa e seus acionistas, bem como controladores entre si, poderão ter efeitos adversos”; “A existência de elevadas taxas de inadimplência pode nos afetar negativamente”; “Temos um número reduzido de fornecedores”; “Não contratamos seguro para a cobertura de danos ambientais.”

Por mais estranho que pareça, as frases acima foram extraídas de relatórios entregues por companhias abertas brasileiras a seus investidores. Dotadas de uma franqueza pouco usual nas práticas de comunicação corporativa, constam de uma seção intitulada Fatores de Risco, utilizada com freqüência nos Estados Unidos e, desde o início deste ano, incluída obrigatoriamente nos prospectos de empresas que distribuem ações ou outros valores mobiliários no mercado brasileiro. Com tamanho grau de transparência envolvido, pode-se imaginar que os fatores de risco representem um capítulo à parte na maratona de preparativos para uma abertura de capital.

Companhias brasileiras com American Depositary Receipts (ADRs) já estão mais familiarizadas com a tarefa ingrata de expor suas fragilidades. Elas são obrigadas pela Securities and Exchange Commission (SEC) a divulgar esta seção em seu relatório anual, conhecido como formulário 20-F. Para as demais, a exigência se aplica, por enquanto, aos prospectos das ofertas públicas de distribuição de valores mobiliários, por conta da Instrução 400 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

A autarquia, porém, pretende ampliar as exigências de divulgação de informações por parte de todas as companhias com ações negociadas em bolsa de valores. A minuta da nova Instrução 202 prevê relatórios da administração mais analíticos, seguindo o modelo conhecido como Management Discussion and Analysis (MD&A). A discussão sobre a obrigatoriedade deste tipo de informativo acontece num momento em que muitas companhias avançam nas suas práticas internas de gerenciamento e análise de riscos.

E, mais do que isso, começam até a vislumbrar vantagens em manter o mercado informado sobre cada detalhe que possa influenciar negativamente suas ações.

Um primeiro desafio é buscar uma identidade para a seção Fatores de Risco, tanto nos relatórios das empresas como nos prospectos das ofertas públicas de ações. Importada do mercado americano, no Brasil ela naturalmente não tem a mesma razão de ser do modelo original, formatado principalmente para proteger as empresas da “indústria das indenizações” movida por uma enxurrada de processos judiciais abertos por acionistas que se dizem vítimas de fraude ou desinformação. “As ações contenciosas são menos comuns no Brasil”, lembra Gregory Harrington, sócio do escritório Linklaters, especializado em mercado de capitais nos Estados Unidos.

Embora a preocupação com processos seja menor no País, a identificação dos fatores de riscos nos prospectos das emissoras de ações tem sido conduzida pelos advogados envolvidos nas operações. O “check list” é velho conhecido dessas bancas, acostumadas às ações de “due diligence” nas empresas. Pela orientação da CVM, o capítulo deve conter um “breve resumo”, por ordem de relevância, dos principais fatores que de alguma forma possam fundamentar a decisão de potenciais investidores, incluindo os relacionados aos acionistas, ao setor de atuação e ao ambiente macroeconômico.

“No Brasil há claramente um objetivo de educar o mercado e mostrar para o investidor que não existe garantia absoluta de retorno”, observa Marcelo Barbosa, sócio do escritório Vieira, Rezende, Barbosa e Guerreiro Advogados. Para a companhia emissora e as instituições intermediadoras, porém, a função principal tem sido evitar responsabilizações futuras, dizem os advogados. “É como uma apólice de seguros”, diz Harrington, da Linklaters.

O resultado final chega, em alguns casos, a dezenas de páginas – detalhamento elogiado pela maioria dos investidores e analistas, mas que corre o risco de mascarar uma burocratização do processo com a simples repetição de fórmulas já testadas. Ainda assim, há várias companhias que, além de seguir os caminhos trilhados por outras, se preocupam em adicionar algo novo, fazendo com que a qualidade da informação sobre fatores de risco evolua a cada publicação.

Como a regra é considerar todos os precedentes e incorporar os riscos já apontados por outras companhias, os debates acontecem basicamente em relação à inclusão de novos fatores de risco – uma avaliação sempre subjetiva, já que a probabilidade dos eventos não precisa ser mensurada nos relatórios. “Às vezes ocorrem discussões infindáveis entre os advogados da empresa e do banco”, conta Barbosa. Da parte dos funcionários da empresa, a admissão de vulnerabilidades também não costuma ser tranqüila. “Ninguém gosta de divulgar o seu lado fraco”, lembra Harrington.

ALÉM DA LEGISLAÇÃO – Em geral, a discussão jurídica acaba colocando o receio com a repercussão das informações em segundo plano. Advogados e executivos reconhecem que a menção de um risco desconhecido, considerado grave ou de grande impacto nas operações da empresa, pode influenciar negativamente o preço das ações. Mas a experiência das empresas – incluindo aí o resultado da maioria das operações de oferta pública de ações feitas este ano – tem mostrado que “abrir o jogo” vale a pena.

“Se fosse só para cumprir a legislação, o Itaú ficaria nas recomendações do nosso escritório de advocacia nos Estados Unidos”, diz Geraldo Soares, superintendente de Relações com Investidores (RI) do banco, com ações listadas na Bolsa de Nova York. “Nós vamos além, porque acreditamos que é uma oportunidade de aumentar a transparência e obter um maior lucro por ação.” Entre as iniciativas do Itaú está a apresentação, no Brasil, da “análise gerencial da operação”, nos moldes do MD&A, como planeja exigir a CVM para todas as companhias com ações em bolsa.

O desafio é encontrar uma identidade para a seção Fatores de Risco. Importada dos EUA, ela não tem no Brasil a mesma razão de ser

A divulgação de análises e informações adicionais sobre riscos pressupõe um monitoramento interno mais sofisticado, que interesse aos analistas e investidores. No Itaú, 250 “oficiais de compliance”, espalhados por toda a organização, são responsáveis pelo mapeamento sistemático de todos os riscos operacionais e estratégicos (relativos a imagem e reputação) que vão municiar as análises estatísticas. A Braskem, que tem ADRs e fez uma emissão de ações este ano, também promete oferecer uma análise de riscos diferenciada para o mercado em 2005.

“Até agora estávamos atendendo apenas aos aspectos legais”, reconhece Sérgio Brinckmann, diretor de riscos da Braskem. Em compensação, a companhia petroquímica está testando internamente uma metodologia inédita no Brasil de monitoramento de riscos (denominada “cash flow at risk”), voltada para fatores de maior impacto nos resultados e sobre os quais não tem controle, como o preço do petróleo e do dólar. A empresa tem uma dívida significativa na moeda americana e a nafta é sua principal matéria- prima. Com a ajuda da consultoria McKinsey e de sistemas que fazem milhares de simulações, será possível oferecer projeções confiáveis para os investidores, acredita Brinckmann. “Antes de investir nessa metodologia, consultamos os analistas, para saber o que agregaria valor para a empresa”, conta o diretor.

Quando questionados sobre a validade das iniciativas, os analistas festejam as novas práticas de “disclosure”. E até querem mais. Para Marcelo Mesquita, estrategista-chefe do banco suíço UBS no Brasil, quanto mais detalhes sobre os riscos das companhias, melhor. Ele conta que, embora seu trabalho consista em levantar esses fatores de risco, já foi positivamente surpreendido pela iniciativa de uma empresa expor algo que desconhecia na seção que se tornou obrigatória com as emissões. “Será ótimo se esse processo for contínuo e estendido a todas as companhias, desde que elas não se limitem aos riscos óbvios, macroeconômicos, colocados burocraticamente pelos advogados”, ressalta.

OBRIGAÇÃO OU DIFERENCIAL? – A presidente-executiva do Instituto Brasileiro de Relações com Investidores (IBRI), Dóris Wilhelm, aponta justamente o perigo da rotina burocrática para defender sua posição contra os planos da CVM de passar a exigir informações sobre fatores de risco. “É mais saudável estimular a auto-regulação e eliminar a figura de um xerife baixando instruções”, sustenta. Ela lembra que os prêmios para relatórios anuais, por exemplo, só são concedidos àqueles que incluem a gestão de riscos. “Como é um diferencial, essa divulgação vai fluir naturalmente.”

Como gerente de RI da Grendene, fabricante de calçados que abriu o seu capital este ano, Dóris acredita que as informações do prospecto na época da emissão são suficientes para embasar as primeiras análises do mercado, que passam a ser sustentadas por um histórico da companhia em suas divulgações periódicas. A executiva conta que a experiência de demonstrar todos os riscos assusta qualquer empresa no início, mas o processo é facilitado pela orientação dos advogados. No caso da Grendene, a lista passou pelo crivo de quatro escritórios de advocacia. “Ficou claro que a companhia estava sendo preservada e que faz parte das regras o prospecto ser um pouco exagerado.”

Assim como em outras emissões recentes, na operação da Grendene havia uma preocupação especial em informar os investidores não institucionais, aos quais foi destinada uma parcela de 20% da emissão. Marcelo Mesquista, do UBS, concorda que as pessoas físicas são as maiores beneficiadas pela divulgação dos fatores de risco, por não terem acesso a relatórios de bancos. “São os incautos que precisam de mais informações para tomar uma decisão de investimento”, lembra ele.

Os investidores individuais, entretanto, que mostraram grande interesse pelas ofertas, parecem não ter se assustado diante da extensa lista de riscos exposta por estreantes como Grendene e Natura. Os prospectos também foram elogiados por analistas, justamente por apontarem peculiaridades dos negócios, como a importância da taxa de câmbio para a fabricante de calçados (25% da produção é exportada) ou o impacto de mudanças trabalhistas na relação da indústria de cosméticos com suas consultoras de vendas. David Uba, vice-presidente de finanças e informação da Natura, conta que o processo de identificação dos riscos aconteceu sem traumas internamente, porque a companhia já tinha uma equipe própria de análises. “Agora estamos organizando melhor e ampliando essa área”, comenta.

Mesmo quando a admissão de riscos tem um impacto negativo no preço das ações, a experiência mostra que, no longo prazo, o saldo da transparência é positivo, diz Geraldo Soares, do Itaú. “Quando houve a onda da internet grátis, divulgamos que não íamos entrar porque não conhecíamos esse mercado e mostramos os riscos embutidos nessa estratégia. Nossa ação caiu muito”, conta o superintendente. Quando o tempo mostrou que não haveria os danos de imagem nem o risco tecnológico de ficar para trás previstos inicialmente pelos analistas, o valor foi recuperado. “Nem adianta tentar esconder qualquer risco, porque o mercado descobre”, ensina o executivo.


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