Em anos recentes, tem se propagado a ideia de que teriam melhores práticas de governança corporativa as companhias com capital pulverizado — i.e., as companhias nas quais inexiste um acionista ou um grupo de acionistas titular de direitos de sócios que lhe assegurem, de maneira permanente, a preponderância nas deliberações e o poder para eleger a maioria dos administradores.
Subjacente à noção de pulverização do capital como sinônimo de boa governança encontra-se o argumento de que só faz sentido econômico para um sujeito ou um grupo aportar recursos suficientes para controlar uma companhia se ele puder extrair benefícios que compensem o incremento dos custos da não diversificação do investimento e do cumprimento dos deveres que lhe são impostos.
Logo, dizem os defensores dessa visão, se as práticas de governança forem adequadas para se coibir a extração de benefícios privados à custa da companhia, o controlador teria contundentes incentivos para abrir mão do controle, pulverizando o capital da companhia para diversificar seu portfólio e reduzir sua exposição ao risco, sem temer o surgimento de um novo acionista relevante capaz de retirar valor da companhia e dos demais sócios.
A repetição desse dogma acaba por criar um mito perverso e injusto, que transforma o acionista controlador em vilão e negligencia evidências empíricas de que, se não houver um bom sistema de governança, também os administradores podem extrair significativos benefícios privados da companhia e dos acionistas; evidências, aliás, sobre as quais existe farta literatura nos Estados Unidos.
Na verdade, é preciso lembrar, como sustenta Oliver Williamson, vencedor do prêmio Nobel, em seu livro The Mechanisms of Governance, que a governança corporativa é ampla e compreende toda a matriz institucional para que se tomem decisões eficientes no âmbito das organizações societárias. Por conseguinte, uma boa governança equivale a um conjunto de regras e práticas que permite, em certo contexto, a tomada das melhores decisões incorrendo-se nos menores custos possíveis.
Assim, haverá boa governança se, dentro da estrutura decisória da companhia, existirem mecanismos que resultem em ganhos na tomada de decisão que superem eventuais custos de conflitos de agência (i.e., com conflitos de interesses entre minoritários e controladores, acionistas e administradores e a companhia e demais stakeholders).
Com efeito, a existência do acionista controlador poderá ser tecnicamente eficiente se os mecanismos organizacionais adotados pela companhia reduzirem a capacidade de extração de benefícios a aspectos não financeiros — como, por exemplo, o status social atribuído ao “dono” de uma companhia —, ou, se isso não for possível, limitarem as vantagens econômicas a patamares iguais ou inferiores ao custo para monitoramento dos administradores em um ambiente de dispersão acionária.
Em suma, a existência ou não de acionista controlador não é medida da qualidade das práticas de governança corporativa da companhia. As melhores práticas são aquelas que, adequadas à estrutura de capital (quer concentrada ou dispersa), à atividade, à cultura e ao ambiente institucional de certa companhia, maximizem os ganhos e reduzam os custos do processo decisório.
*Flavio Meyer ([email protected]), Ricardo Freoa ([email protected]), Pedro Tucci ([email protected]) e Rafael Zancheta ([email protected]) são advogados de Stocche Forbes Advogados
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