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Estágio para a bolsa de valores
Em instrução que cria níveis de companhia aberta, CVM propõe debate sobre a concessão de incentivos ao desenvolvimento de mercados de ações regionais

Da forma como as normas da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) estão redigidas hoje, ser uma companhia aberta significa uma coisa só: atender aos quesitos de divulgação de informações previstos na Instrução 202, regulamento que prevê obrigações para as empresas que pretendam estar registradas na autarquia. Em breve, contudo, espera-se que ter o capital aberto signifique algumas possibilidades, dependendo do segmento em que cada companhia estará inserida.

A criação dos níveis de companhia aberta é a grande atração da nova Instrução 202, cuja minuta promete ser submetida a audiência pública ainda em novembro. A mudança no normativo começou a ser estudada há cerca de dois anos, depois das modificações introduzidas na legislação das sociedades anônimas em 2001 (Lei 10.303) que permitiram criar categorias para as companhias.

Na minuta a ser levada a audiência pública, a CVM combina a autonomia que lhe foi conferida pela Lei 10.303 com as possibilidades previstas na Lei 6.385/76 e cria uma série de níveis para as companhias abertas, estabelecidos conforme o valor mobiliário emitido, o mercado de negociação e o tipo de investidor a que se destinam os títulos. A idéia é permitir a dispensa de obrigações em determinados casos – incentivando a abertura de capital de novas empresas – e reforçar as exigências para companhias emissoras de ações listadas em bolsa de valores.

Com o intuito de estimular o interesse das empresas em serem abertas, a CVM pretende discutir na audiência pública uma idéia testada algumas vezes no passado, mas nunca bem sucedida. Tratase do estímulo à formação de mercados regionais de ações, nos quais empresas de médio porte reconhecidas em suas cidades ou estados captem recursos com a população local e, como numa espécie de programa de estágio, se preparem para alçar vôos maiores no futuro, acessando recursos no mercado nacional ou até no exterior.

Segundo Marcelo Trindade, presidente da CVM, a diferença desta vez seria permitir que as companhias interessadas em lançar títulos regionalmente fiquem liberadas de atender a algumas obrigações de divulgação de informações, o que pode diminuir os custos e ampliar os atrativos para serem abertas. A proposta é que as ofertas regionais tenham limites para o montante da emissão e para o valor das subscrições. “Aceitamos o risco de liberar a companhia de determinadas obrigações para incentivá-las a abrir o capital desde que as perdas máximas, se ocorrerem, sejam pequenas”, afirma.

A regionalização das emissões é uma das idéias que a CVM pretende lançar para desenvolvimento de mercados de acesso à bolsa de valores. Outra proposta é a restrição das emissões a públicos qualificados – numa espécie de investimento private equity – também como uma forma de estágio em mercado de capitais para empresas que ambicionem captações públicas mais abrangentes no futuro e pretendam utilizar a bolsa como uma alternativa atraente de liquidez para seus investidores.

LABORATÓRIO EM JOINVILLE – Fomentar experiências regionais para que estas sejam uma via de acesso a captações mais expressivas em mercado de capitais é uma proposta que surgiu no Brasil há algumas décadas. Mais precisamente em 1978, na cidade catarinense de Joinville, escolhida pelo potencial empreendedor de seus jovens empresários e pelo destacado nível das universidades locais. Osvaldo Antunes Maciel, fundador da Fininvest e presidente da instituição à época, sonhava com as oportunidades de negócios que poderiam ser exploradas com a poupança disponível fora dos grandes centros, onde pessoas físicas se interessariam por investimentos de longo prazo que, ao mesmo, financiassem companhias prestigiadas localmente e carentes de recursos para o seu desenvolvimento.

Convicto da viabilidade de sua idéia, Maciel chamou o executivo Rubens Portugal para colocar em prática o que passaria a se chamar Projeto de Mercado Comunitário de Ações de Joinville e que consumiria generosas doses de tempo e recursos da Fininvest até 1984, quando foi abortado. Para prospectar as companhias com potencial de abrir o capital e convencê-las desta empreitada, Portugal montou um time de nove estagiários escolhidos a dedo a partir de mais de 400 candidatos provenientes das faculdades locais. Em paralelo, contou com o apoio de mais de 80 estudantes voluntários que formaram um mini-centro de pesquisas dedicado a prover estatísticas da economia local a serem utilizadas no convencimento das companhias e na análise das oportunidades de negócio. Em 1981, a Fininvest já contava com um escritório em Joinville, equipado para atender às necessidades do projeto.

Um ano depois, foi aberto o capital da primeira e única empresa que a Fininvest conseguiria levar a mercado: a Indústria Schneider, fabricante de bombas hidráulicas que foi devidamente registrada na CVM para fazer a oferta e arrematar os mais de 1.000 investidores pessoas físicas que se tornariam seus acionistas. Convidados a participar da emissão, os fundos de pensão preferiram ficar de fora. Do seu escritório local, e sem levar os títulos para negociação em bolsa, a Fininvest atuava como uma espécie de market maker, fornecendo cotações de compra e venda para os papéis e intermediando as operações.

Depois da Schneider, nos planos de Portugal viriam a Akros, a Wetzel e a Michigan. Mas as coisas não saíram bem como planejado. Primeiro porque a experiência com a Schneider não foi das mais elogiáveis. Quando realizada a oferta, a companhia passava por uma grave crise financeira e acreditava ter encontrado na poupança dos moradores locais o remédio de alívio imediato para seus problemas. Resolvidas as questões emergenciais, segundo Portugal, novos erros de gestão voltaram a depreciar o valor da companhia.

Outro empecilho ao mercado regional planejado pela Fininvest, na visão de Portugal, foram as diferenças entre a percepção dos moradores locais sobre as companhias e as análises técnicas das equipes que procuravam as melhores candidatas a serem abertas. Ali, segundo ele, a imagem que os investidores tinham das empresas freqüentemente não batia com as projeções de lucros que saíam da contabilidade dos analistas. Por último, foi difícil convencer os empresários locais das vantagens de se registrarem na CVM – e assumir todas as obrigações que seriam cabíveis – com a finalidade de captar recursos na própria comunidade. Portugal se lembra do caso de um deles que, após ouvir todos os seus conselhos, optou por fazer um simples aumento de capital e obter recursos com os conhecidos mais próximos.

O sonho de Joinville terminou com a morte de Dieter Schmidt, controlador da Fundição Tupy e principal aliado da Fininvest no projeto. Desde um ano antes, a idéia original já havia se transformado, por recomendação de executivos do Banco Mundial interessados na experiência catarinense, no conceito de um fundo de participações voltado a captar recursos da comunidade e investir em empresas locais com elevado potencial de crescimento. Mas os planos logo caíram por terra com a morte de Schmidt e a frustração da Fininvest.

Outra experiência brasileira de ofertas de ações regionais aconteceu em Toledo, no Paraná, a partir do ano seguinte, 1985. Sob o comando do prefeito Albino Corazza, a cidade teve aprovada uma lei municipal que concedia isenções fiscais para quem adquirisse ações de empresas com sede no local. Sem passar pela CVM, empresas eram habilitadas pela prefeitura a receber investimentos dos moradores de Toledo.

O TIRO QUE SAIU PELA CULATRA – “A regionalização é uma idéia boa, mas que nunca saiu como se esperava”, observa Carlos Alberto Junqueira, advogado que atuou como gerente de registros da CVM no passado recente. Ele lembra que uma experiência de mercado regional bem sucedida ocorreu por acidente, no início dos anos 70, quando o Ministério da Fazenda incentivava companhias a se tornarem abertas com vantagens tributárias. Para usufruir o benefício, as empresas tinham que seguir a Resolução 106 do Conselho Monetário Nacional e cumprir uma escala de incremento de sua base acionária. “Os empresários colocavam funcionários para sair de porta em porta, nos bairros próximos, convidando pessoas a se tornarem acionistas da empresa para cumprir as metas fixadas pela resolução”, conta Junqueira. Aos convidados por conveniência, também se aplicavam benefícios fiscais que motivavam as compras de ações.

No final dos anos 70, a Fininvest viu em Joinville a oportunidade de trazer a poupança disponível fora dos grandes centros para o mercado de ações
Mudanças na nova instrução levam a Bovespa a pensar em seu mercado de acesso como balcão organizado – não mais como bolsa

INTERESSES EM JOGO – A Instrução 202 da CVM vem a mercado num momento em que vários interesses estão em jogo. Se aprovada alguma forma de incentivo às emissões em mercados regionais na nova Instrução 202, as bolsas terão que definir as praças em que esses títulos serão negociados – assunto que poderá constar das negociações para renovação do protocolo de unificação assinado em 2000.

Pelo protocolo, todas as transações de ações com companhias de capital aberto ficam centralizadas na Bovespa. Segundo Sergio Cerqueira, gerente de projetos e assessoria econômica da Bolsa, mais de 90% dos negócios já se concentravam em São Paulo quando a unificação foi assinada, o que favorece as possibilidades de a unificação prosseguir.

Mas agora, com as novas regras para registro de companhia aberta, há quem esteja de olho na oportunidade de reativar a bolsa local. É o caso de Raimundo Padilha, presidente da Bolsa de Valores Regional, atuante na região que vai do estado do Rio Grande do Norte ao Amazonas. Para Padilha, as novas espécies de registro a serem lançadas pela CVM seriam uma chance de transformar em companhia aberta ao menos um naco das cerca de 1.000 empresas incentivadas que hoje estão listadas na Bolsa Regional.

Tais companhias receberam recursos de fundos de incentivo como Finor e Finam e têm um registro especial na CVM que lhes confere status do tipo “semi-abertas”, dado que não estão aptas a fazer chamadas de capital. “Elas têm o ônus mas não o bônus de serem companhias abertas”, diz Padilha. Sua expectativa é que a CVM confira um registro diferenciado para essas empresas, capaz de permitir- lhes usufruir integralmente os benefícios de uma companhia aberta, mantendo a listagem na bolsa local. Pelo acordo com a Bovespa, apenas as companhias abertas plenas deveriam ser negociadas no mercado paulista. “Com o registro novo a ser concedido pela CVM, vamos negociar com a Bovespa para que essas empresas fiquem aqui”, afirma.

INICIATIVAS PARALELAS – Enquanto a CVM procura criar formas de atrair empresas novas para o mercado de capitais, a Bovespa faz o mesmo com o seu mercado de acesso, um segmento diferenciado de listagem planejado para ser lançado no início de 2005. As características de um projeto, contudo, ainda dependem das definições do outro. A idéia da Bovespa é pegar carona na regulamentação da CVM e trazer para o mercado de acesso companhias que possam se beneficiar da dispensa de algumas obrigações. A princípio, enquanto a CVM pensava em promover dispensas de obrigações para as companhias de menor porte na nova Instrução 202, a Bolsa planejou seguir o mesmo critério no seu mercado de acesso. Agora, a Bovespa avalia a possibilidade de inserir o mercado de acesso na categoria balcão organizado, já que todas as emissoras de ações listadas em bolsa estarão sujeitas ao nível máximo de divulgação de informações.

Se serão bem sucedidas ou não, ainda é cedo para cravar uma aposta. Mas o fato é que não faltam iniciativas para estimular o interesse de companhias pelo mercado de ações. E que a retomada das emissões por grandes empresas este ano pode servir de incentivo à entrada de novas. Tudo dependerá, contudo, da sorte ou habilidade em encontrar as empresas certas – tarefa que agora vem sendo desenvolvida por corretoras interessadas em explorar este nicho de mercado para seus serviços de intermediação. “Não há como desenvolver mercados regionais se não tivermos boas empresas, com empresários que entendam a importância dos demais acionistas e mostrem disposição para buscar recursos da forma adequada”, afirma Thomas Tosta de Sá, diretor da Mercatto Gestão de Recursos e ex-presidente da CVM. Um fator positivo, lembra Tosta de Sá, é o crescimento da indústria dos fundos de investimento em participações (private equity) e o interesse que esses investidores podem demonstrar por emissões no âmbito de um mercado de acesso. Boas razões para que as tentativas de desenvolvimento dos mercados regionais sejam mais promissoras desta vez.

Novo regulamento muda exigências para divulgação de informações

A minuta da nova Instrução 202 altera os requisitos para apresentação de informações conforme o valor mobiliário emitido, o mercado de negociação e o tipo de investidor a que se destinam os títulos. O princípio é dispensar informações para os emissores de dívida ou título de participação negociados em balcão organizado ou não organizado e dirigidos a investidores qualificados ou restritos a determinado mercado. Ao mesmo tempo, exigir mais das companhias emissoras de ações negociadas no mercado principal da Bovespa, cujos títulos estejam liberados à aquisição de qualquer investidor, inclusive os de varejo.

Segundo Elizabeth Machado, superintendente de empresas da CVM, a proposta é criar quatro conjuntos de companhias conforme o valor mobiliário – emissoras de títulos de capital (ações, debêntures conversíveis e bônus de subscrição), de dívida (debêntures e notas promissórias), de participação (CRIs e CICs) e não emissoras de títulos. Dentro desses grupos seriam feitas combinações conforme o mercado de negociação e a restrição para circulação entre investidores. O último nível (das companhias não emissoras) seria dividido conforme a existência ou não dos chamados Programas de Distribuição, previstos na Instrução 400 da CVM. Ao todo, a somatória de combinações possíveis atingiria 11 grupos distintos.

Segundo Marcelo Trindade, presidente da autarquia, um dos objetivos é que os investidores reconheçam nesses grupos as diferenças mais relevantes entre os “produtos” oferecidos ao mercado de capitais. Dentre as mudanças que ampliam as exigências previstas hoje, estão a divulgação de balanços trimestrais consolidados (a norma atual requer a consolização apenas nos balanços anuais), do demonstrativo do fluxo de caixa e de relatórios da administração mais analíticos, no modelo conhecido nos Estados Unidos como Management Discussion and Analysis (MD&A). Na outra ponta, o nível mínimo de transparência será o exigido pela Lei das S.A – sem os requisitos de informação estabelecidos por instruções da CVM.


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