Pode-se esperar que o papel da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) siga em duas direções: fiscalizar o cumprimento das leis e regulamentos do mercado de capitais e criar políticas que permitam o seu desenvolvimento. Tais premissas constam de sua lei criadora, desde 1976.
Entretanto, interessante observar que a CVM, ao longo de sua existência, foi adquirindo uma imagem de xerife e não de agência reguladora. Enquanto isso, o Banco Central, ainda que tenha realizado algumas centenas de intervenções em instituições financeiras, não carrega a mesma pecha.
Convém refletir sobre essa ênfase na imagem punitiva da CVM. Afinal, as violações à legislação do mercado constituem as exceções, e não a regra. Tudo começou com uma estrondosa punição no chamado “caso Cobrasma”, com uma multa de 30% sobre o valor do underwriting. Depois, por 7 votos contra 1, a penalidade chegou a ser cancelada pelo Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional. Mas a fama de xerife permaneceu.
Em um país onde a dívida pública supera 50% do PIB e, portanto, o Tesouro Nacional acaba por se tornar o grande tomador da poupança pública, nada melhor do que ter outro órgão regulador, dentro do próprio governo, a criar estímulos à obtenção de poupança por meio de valores mobiliários. Convém, portanto, afastar a imagem de xerife repetida com demasiada insistência pela mídia e substituí-la pela figura de uma CVM que, tal qual o Banco Central e sua política monetária, seja vista como formuladora de diretrizes para o mercado de capitais.
Como a CVM não pode transpor os limites macroeconômicos, entre eles o endividamento público, a taxa de juros e a inflação, resta a alternativa de induzir comportamentos favoráveis ao desenvolvimento do mercado. Para colaborar com esse debate listamos algumas sugestões:
• proceder a uma significativa desburocratização de todos os registros sob sua responsabilidade;
• reduzir de forma sensível os valores das taxas e preços cobrados;
• simplificar e baratear as publicações a que as empresas e agentes de mercado estejam sujeitos nos termos da legislação vigente;
• obter do Tesouro Nacional o compromisso de conversão das taxas e preços cobrados em melhorias para a autarquia, como contrapartida pela sua redução;
• criar um conjunto de preceitos de boa governança corporativa para as empresas controladas pelo Estado;
• listar o estoque de ações que o Estado não esteja obrigado a manter e promover sua colocação pulverizada em mercado, aumentando, assim, a liquidez em bolsa;
• capitanear uma campanha publicitária ampla e permanente de divulgação do “produto ação” junto ao público investidor;
• estimular uma crescente “securitização” dos instrumentos jurídicos de forma a aumentar as alternativas de valores mobiliários;
• identificar, com vistas a eliminar ou reduzi-los, os óbices tributários para a aplicação em valores mobiliários;
• criar um programa permanente de esclarecimento sobre o funcionamento do mercado de capitais, especialmente junto aos outros órgãos do governo, Ministério Público, tribunais de contas e tribunais judiciários;
• instituir uma “Comissão Consultiva de Mercado de Capitais” que atue como uma espécie de Copom para a constante discussão, difusão e aplicação de políticas dirigidas;
• reduzir, sintetizar e sistematizar o atual conjunto de instruções de modo a “desregulamentar” o mercado.
Em suma, trata-se de dar efetividade ao papel desenvolvimentista da CVM que, talvez por não dispor do mesmo apelo, consiga menos visibilidade que suas funções punitivas – embora estas últimas, realizadas com reconhecido mérito pela autarquia nos últimos tempos, sejam, sem dúvida alguma, essenciais para a credibilidade e para o fortalecimento do mercado aqui proposto. Ficam algumas idéias para tirar de cena as já desgastadas figuras de xerifes e vilões.
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