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À caça de aliados
Ativistas buscam apoio dos gestores de fundos de ações tradicionais nas brigas contra acionistas controladores

ed14_p042-045_pag_3_img_001A discussão sobre governança corporativa, que ganhou força no Brasil e no mundo no início desta década, está chegando aos fundos de investimento. As práticas dos gestores de fundos em prol da defesa dos seus cotistas e, também, a atuação desses gestores para melhorar os patamares de governança das empresas em que investem, agora estão debaixo dos holofotes graças à Associação Nacional de Bancos de Investimento (Anbid) e a mudanças na legislação, como o lançamento da Instrução 409 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

Dentre os planos do novo presidente da associação, Alfredo Setúbal, está a defesa dos investidores de fundos de ações. “Ao longo dos próximos anos, deveremos estruturar melhor a defesa desses cotistas”, afirmou Setúbal. O objetivo é facilitar a união dos gestores de recursos para que eles ganhem força na hora de negociar com controladores de companhias que fazem ofertas de compra de ações consideradas lesivas aos minoritários, entre outras atitudes que possam ferir os interesses dos investidores.

Neste contexto, Setúbal diz que a Anbid pretende promover uma aproximação com a Associação Nacional dos Investidores do Mercado de Capitais (Animec), organização já estruturada para a defesa dos minoritários. Se as duas associações chegarem a um acordo – o que implicaria a adequação de alguns aspectos de governança na Animec, segundo Setúbal – poderão atuar conjuntamente. Caso contrário, a Anbid tem a possibilidade de criar uma associação à parte (que ele jocosamente apelida de “Anbidmec”) e tentar atrair seus atuais associados.

Não ligados a conglomerados financeiros, os gestores independentes vêm crescendo em número e patrimônio ao longo dos anos. A princípio, alguns tinham a idéia de formar uma associação em separado, mas acabaram aderindo à Anbid. Há, contudo, quem ainda veja a escolha com ceticismo. A dúvida é como a associação vai conseguir contornar e aglutinar os interesses dos independentes, dos grandes gestores e também dos bancos que atuam na coordenação das emissões de títulos.

APATIA NOS FUNDOS DE AÇÕES – A atuação dos gestores em prol da melhoria da governança corporativa pode acontecer de duas formas: uma é o trabalho de médio e longo prazo que alguns gestores de fundos desenvolvem junto a empresas em que investem, a fim de convencê-las dos benefícios de adotar as boas práticas de governança corporativa e usufruir a valorização das ações que virá a reboque desta mudança de conduta. Nesse grupo, encaixam- se gestores responsáveis por fundos usualmente fechados, concebidos com o claro propósito de investir em companhias com potencial de aprimorar de maneira relevante sua governança.

A outra seria a forma de atuação de grande parte dos demais gestores, inclusive aqueles que cuidam de fundos de ações convencionais, abertos à captação pública e disponíveis nas agências dos principais bancos de varejo para consumo de investidores afeitos a uma pitada mais generosa de risco. Nestes casos, é mais comum a postura reativa em determinadas situações, especialmente aquelas que impliquem prejuízos para os minoritários (os cotistas, portanto) como as ofertas públicas de compra de ações. Quando analisadas estas duas situações, estaria a atuação dos gestores ocorrendo de forma satisfatória?

Começando pelo ponto menos polêmico, o desempenho dos gestores que procuram fomentar a governança das empresas investidas, muitos consideram que sim. Eles ainda são poucos, mas atuam de forma decisiva junto às companhias e defendem os seus cotistas. No que diz respeito à defesa dos cotistas pelos gestores dos fundos convencionais, muitos acreditam que o caminho a percorrer ainda é longo.

Um gestor que trabalha com fundos de governança corporativa cita o exemplo de uma medida que poderia ter sido evitada se, na época, os gestores de fundos de ações tivessem se posicionado contra a sua implementação. Trata-se da cobrança de uma taxa de administração pelos acionistas controladores da Telemar, que foi efetivada após aprovação em assembléia mesmo à revelia de alguns minoritários. A taxa passou a ser cobrada sob a justificativa de que os controladores agregavam expertise ao negócio da Telemar e deveriam receber por isso, premissa contestada por acionistas que estavam de fora do bloco de controle. Os fundos de pensão Sistel e Previ, que têm participação na Telemar, reforçaram a posição dos controladores votando a favor da taxa. E o restante dos minoritários, que praticamente não puderam contar com o voto dos gestores dos inúmeros fundos de ações que aplicam nos papéis da companhia, tiveram de engolir a taxa.

A posição que os fundos de ações detêm atualmente nas empresas brasileiras pode ser vista a partir de um levantamento feito com base em dados da amostra de empresas que fazem parte dos sistemas da Economática e da Fortuna. O patrimônio dos fundos de ações equivalia, no fim de 2003, a cerca de 6% do valor de mercado das companhias brasileiras, considerando-se aí somente a parcela do capital que está em circulação, ou seja, o free float.

A participação mais ativa dos gestores fica especialmente importante quando se trata de ações. No caso de títulos privados de renda fixa como as debêntures, existe a figura do agente fiduciário, que é legalmente encarregado de defender os debenturistas. Nem assim, contudo, a existência do agente deveria excluir totalmente a participação dos gestores, diz Mauricio Ribeiro, da Pentágono DTVM: “Os gestores podem e devem ser atuantes”. Ou seja, o agente fiduciário precisa saber da posição dos gestores e atuar em conjunto para defender os interesses dos debenturistas. Ribeiro afirma que a participação dos gestores em assembléias de debenturistas varia de acordo com o tema a ser tratado. Quando o assunto em pauta é algum evento de “default” ou não-pagamento da debênture, eles comparecem em peso. Em outras situações, mesmo com assuntos relevantes na pauta, a participação costuma ser menos expressiva.

BALUARTES DO ATIVISMO – Há quem defenda que, dentre os gestores de fundos de ações convencionais, os independentes têm se destacado na tarefa de lutar pelos direitos de seus cotistas. A respeito deste ponto, Luiz Stuhlberger, sócio da Hedging Griffo e recém-incorporado aos quadros da Anbid, provocou celeuma durante almoço promovido pelo Instituto Brasileiro de Governanca Corporativa (IBGC) em São Paulo, no mês passado. Sob os olhares incrédulos de cabeças de áreas de gestão de grandes bancos de varejo que sentavam ao seu lado, ele foi contundente ao afirmar que os gestores independentes são os baluartes da luta pela defesa dos cotistas. “As assets de grandes bancos não têm tradição de reclamar contra abusos dos controladores. Os motivos para isso são a pequena esperança de ter o assunto resolvido satisfatoriamente, a falta de costume e a falta de incentivo econômico”, disse.

Por falta de incentivo econômico, entenda-se o potencial conflito de interesses entre a área voltada para o atendimento de empresas (“corporate”) e aquela que cuida da gestão de recursos de terceiros. Enquanto esta última vive da taxa de administração cobrada dos cotistas dos fundos, as áreas “corporate” contabilizam as rentáveis comissões pagas pelas empresas. Pode-se imaginar que defender os interesses dos cotistas e, ao mesmo, bater de frente com os interesses de um grande cliente seja uma hipótese de conflito inerente, ainda que as áreas de gestão de recursos de terceiros sejam protegidas por padrões de conduta e de separação de atividades que o mercado convencionou chamar de “chinese wall”.

Em defesa das gestoras de recursos pertencentes aos grandes bancos, os demais presentes à mesa reforçaram a existência da segregação entre as áreas de gestão e o restante do banco. Robert van Dijk, presidente da Bradesco Asset Management, afirmou que a instituição atua em prol da melhoria da governança corporativa das empresas por meio da Bradesco Templeton e que as “assets” dos grandes bancos em geral deverão paulatinamente ampliar o exercício do seu dever fiduciário.

Isabela Saboya, sócia da administradora de recursos independente Investidor Profissional (IP), conta que já aconteceu de pedir apoio a gestores de bancos de varejo para a defesa dos interesses de acionistas minoritários e obter uma resposta afirmativa – casos em que a segregação das áreas de gestão e prestação de serviços a empresas existia de fato.

CARONA FÁCIL – “Entendam a minha frase como um desabafo”, disse Stuhlberger no almoço do IBGC. Ele afirmou estar cansado de lutar sozinho por uma causa que deveria ser de todos. O que acontece muitas vezes, disse, é uma única instituição partir para a briga e todas as outras pegarem carona em um eventual sucesso. No entanto, caso a instituição perca a causa, só ela e seus cotistas arcam com o ônus. Entrar de peito aberto na Justiça contra determinada empresa custa caro e quem paga a conta em caso de uma derrota é o cotista do fundo. Este, além de se deparar com a perda decorrente de uma operação que lesou seus interesses como minoritário, terá que colocar a mão no bolso para bancar a festa do escritório de advocacia vencedor da causa.

Por isso, a união dos gestores sob as asas da Anbid pode facilitar a vida dos independentes. Em primeiro lugar, vai aumentar o poder de barganha na hora de tentar negociar com os controladores. Em segundo, pode ser criada uma forma de baratear os custos com advogados nessas disputas por meio de um “pool” de gestores.

Quanto mais a participação dos fundos for ativa_ em termos de governança, menos surpresas ao longo do caminho surgirão, diz Isabela. Ou seja, a ação preventiva não elimina a possibilidade de decepção com determinada companhia, mas ajuda a reduzir a probabilidade de ter de se partir para uma querela. O número de fundos que têm filosofia de médio e longo prazos vem crescendo, mas essa expansão é lenta. Está ligada ao apetite dos investidores – o que, por sua vez, depende de informação e do desempenho da economia como um todo. Os fundos “ativistas” nasceram sob ceticismo e chegaram a ser rotulados como “micos”. Mas, ao longo do tempo, se firmaram e foram reconhecidos por estarem seriamente empenhados em alinhar interesses de minoritários e controladores.

O IP Participações foi um dos pioneiros no que se pode chamar de ativismo dos gestores de recursos. Lançado em 1993, o fundo tem por política participar das assembléias que tratam de assuntos relevantes e indicar membros – independentes ou da própria IP – para os conselhos das empresas em que investe. O ideal, diz Isabela, é colocar as fichas em companhias dispostas ao diálogo, o que ajuda a descartar possíveis “barcas furadas”. No trabalho dos gestores da IP, não há uma crença de que as companhias devem permanecer com o capital aberto, explica. O importante é que ela se torne mais transparente e, caso decida fechar o capital, proponha uma oferta justa aos minoritários.

Para outra pioneira nesse segmento, a Dynamo Administração de Recursos, a governança também é um elemento analisado no processo de escolha das ações que farão parte da carteira de seus fundos. “A governança é importante, mas o principal é o potencial do negócio em que estamos investindo”, diz Pedro Damasceno, sócio da empresa. O processo de análise das empresas inclui conversas com o maior número possível de pessoas, entre fornecedores, clientes, consultores e outros participantes do mercado.

Todos os fundos geridos pela Dynamo têm essa filosofia: o Dynamo Cougar, aberto em 1993, os outros fundos exclusivos com o mesmo perfil, e o Dynamo Puma. Este último foi criado em 1998, mesma época em que surgiram o Fator Sinergia e o Bradesco Templeton Valor e Liquidez. Lançados sob incentivo do BNDES, os três seguem o modelo de fundos fechados e voltados a desenvolver a governança das companhias investidas. Se a postura ativista desses fundos ainda fizer escola entre os demais gestores, os movimentos pró-minoritários terão ganhado aliados de peso para reforçar a gritaria dos próximos anos. E os acionistas controladores precisarão pensar duas vezes caso queiram se precaver de dormir com um barulho desses.

Norma recém-lançada pela CVM exige transparência sobre votação em assembléias

A Instrução 409 da CVM, publicada em agosto, deve melhorar um outro aspecto da governança em fundos de investimento: a prestação de informações dos próprios fundos para os seus cotistas. Dentre as novidades trazidas, está a necessidade de o regulamento dos fundos dizer explicitamente qual será a sua política de votação em assembléias de empresas. A instrução não obriga os gestores a votar, mas diz que eles devem informar os cotistas sobre sua forma de atuar.

Essa necessidade já existia, informa Maria Cecília Rossi, da consultoria Interlink, mas só para os fundos sob alçada da CVM. Agora, vale para todos os que puderem ter ações em suas carteiras. Além disso, sempre que os gestores participarem de assembléias, terão de informar a seus cotistas qual foi o voto e justificá-lo. Se o gestor não comparecer a uma assembléia em que seria tratado algo que constava da política de participação do fundo, ele deverá justificar o não comparecimento.

“O grau de participação dos gestores irá refletir a política de investimento do fundo”, diz a consultora. Em fundos que têm como referencia índices do tipo Ibovespa ou IBX – sejam eles ativos ou passivos -, é inviável e prejudicial aos próprios cotistas que os gestores participem de todas as assembléias. Não só por conta do aspecto prático – isso implica em custos que serão arcados pelo próprio fundo – mas também porque as carteiras desses fundos são alteradas com freqüência. Já se o fundo investir em poucas ações, a participação em grande parte das assembléias faz todo o sentido.


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