Destino incerto
Companhia férrea sofre na bolsa diante de dúvidas sobre sua capacidade financeira

Alta&Baixa

A fusão entre a Rumo, empresa de logística do grupo Cosan, e a América Latina Logística (ALL) gestou a maior operadora de ferrovias do País. O negócio, contudo, ainda não entrou nos eixos — pelo menos não o suficiente para gerar ganhos para os investidores da nova empresa. De 1o de abril de 2015, data em que as ações de Rumo ALL passaram a ser negociadas no pregão, até 23 de junho, a queda era de 71,42%. A desvalorização é fruto, principalmente, de dúvidas sobre a capacidade financeira da companhia.

No fim de 2015, a dívida da Rumo ALL alcançava R$ 8,6 bilhões, o equivalente a quatro anos de geração de caixa (medida pelo Ebitda, lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização), patamar considerado arriscado. Para piorar a situação, a necessidade de investimento da operadora de trens é gigantesca. A companhia herdou dos antigos controladores da ALL — Riccardo e Julia Arduini, Wilson de Lara, BNDESPar e fundos de pensão —12 mil quilômetros de malha ferroviária em condições precárias, cuja recuperação exigirá aporte de R$ 8 bilhões. A Rumo planeja desembolsar esse montante em etapas até 2020.

Diante da necessidade de capital para levar adiante seu pesado plano de investimento, a empresa foi atrás dos bancos no ano passado. Porém, o aprofundamento da crise econômica, a alta dos juros e o aperto no crédito jogaram um balde de água fria nas suas ambições: as instituições financeiras não liberaram um tostão. Também não havia condições para obtenção de recursos no mercado de capitais, uma vez que os investidores estavam avessos até mesmo a emissões de empresas financeiramente saudáveis.

A situação esmoreceu os investidores, que precisaram esperar até o fim do primeiro trimestre deste ano por um alento. Em março, a companhia anunciou ter conseguido renegociar com Bradesco, Santander, Itaú e HSBC cerca de R$ 3 bilhões, estendendo o prazo das dívidas mais curtas, com vencimento até 2018. Isso foi possível com a troca da dívida por debêntures com prazo de sete anos. Outra boa notícia veio de um acerto com o BNDES. A instituição se comprometeu a liberar R$ 2,5 bilhões em financiamento direto e em repasses à Rumo. Cabe ressaltar que o BNDESPar, braço de participações do banco de fomento, é um dos principais acionistas da operadora de trens — integra o bloco de controle junto com Cosan, Gávea e Texas Pacific Group (TPG). Juntos, eles detêm 40,9% de participação.

Com a casa mais arrumada, a Rumo pôde, finalmente, recorrer ao mercado de capitais. Conseguiu a proeza de captar, em abril, R$ 2,6 bilhões com uma oferta primária de ações. A operação utilizou a Instrução 476 da CVM, que prevê a venda de papéis com esforços restritos. Foi a maior captação de recursos do mercado de capitais brasileiro em um ano, embora as ações da empresa tenham sido vendidas a R$ 2,50, valor 7,4% abaixo dos R$ 2,70 do fechamento de 7 de abril, quando o preço da operação foi fixado.

“Voltou a confiança na companhia. O mercado nunca teve dúvida sobre a nossa capacidade operacional, mas sim financeira. Fizemos um dos maiores aumentos de capital dos últimos anos”, comemora Julio Fontana, presidente da Rumo ALL. “Essa operação era complicada porque dependia de um tripé: capitalização, ajuste do perfil da dívida e contrato com o BNDES”, afirma.

Recuperação

Desde a capitalização, os papéis da Rumo já subiram cerca de 50%. Parte dessa alta pode ser atribuída também à melhora na última linha do balanço. Apesar de a companhia continuar no vermelho, o prejuízo no primeiro trimestre deste ano foi quase 20% inferior à perda combinada (pró-forma) de Rumo e ALL em igual período de 2015, decorrente de aumento de despesas financeiras e de custos operacionais.

A receita líquida, por sua vez, subiu 22% na mesma base de comparação, dando esperança aos analistas de que a empresa poderá voltar a ter lucro a partir de 2018. Para dar maior previsibilidade ao faturamento, a Rumo tem estendido o prazo dos contratos — de um para três anos — de importantes clientes, como Cargill e Bunge. Já a geração de caixa, medida pelo Ebitda, subiu 43%, para R$ 445 milhões. Em 2020, a operadora de trens espera contabilizar perto do dobro do Ebtida deste ano, estimado entre R$ 2,3 bilhões e R$ 2,5 bilhões.

Além da melhora no balanço, iniciativas tomadas pela nova administração agradam o mercado. A Rumo vem trabalhando para recuperar a malha ferroviária, viabilizar investimentos em locomotivas e vagões e reduzir o número de acidentes. No primeiro trimestre de 2015, foram registrados 112 acidentes, contra 74 de janeiro a março deste ano.

Outra meta da companhia é elevar sua participação de mercado no transporte de grãos, oferecendo um serviço mais ágil. Para isso, a Rumo pretende aumentar a velocidade dos trens, reduzir os tempos de manobra, carregamento e descarregamento nos terminais e ampliar sua atuação em outros segmentos, como os de transporte de fertilizantes e de combustíveis. Este último é um dos mercados que permite maior ganho de eficiência, uma vez que os trens levam diesel e gasolina do porto para o Centro-Oeste e voltam carregados com etanol e biodiesel. Boas perspectivas também se abrem com a inauguração de uma planta da fabricante de celulose Fibria em Três Lagoas (MS), que deve entrar em operação até o fim de 2017 — a malha ferroviária da Rumo pode escoar a produção.

Depois desse primeiro ciclo de investimento, que deve ser concluído entre 2019 e 2020, a Rumo quer elevar em 50% o número de vagões dos trens. Hoje, as composições têm no máximo 80 vagões. Porém, com a melhora nas vias e a ampliação das áreas de manobra, será possível aumentar esse número para até 120 sem elevar o custo operacional, exceto pelo crescimento do consumo de combustível. “Isso significará um salto enorme na nossa produtividade”, afirma Fontana.

Para Renato Mimica, analista do BTG Pactual, a meta de crescimento da Rumo até 2020 é muito ambiciosa. Ela dependerá não só do sucesso das medidas tomadas pelos gestores para melhorar a capacidade operacional e reforçar o balanço da empresa, mas também da renovação das concessões, observa o analista. Com exceção da malha norte, cujo contrato vai até 2079 por envolver a construção da ferrovia, as demais vencem em 2026 (malha oeste), 2027 (malha sul) e 2029 (malha paulista). Como a Rumo planeja investir uma fortuna até 2020 nessas linhas férreas, é importante garantir que continuará explorando as concessões no
longo prazo.

Especialista em infraestrutura da consultoria Inter.B, Claudio Frischtak diz acreditar que o governo Michel Temer terá interesse em renovar as concessões ferroviárias o mais rápido possível para destravar os investimentos no setor. A renovação da malha paulista, considerada a mais importante por chegar até o Porto de Santos, pode até ser anunciada ainda este ano, na opinião de Fernando Abdalla, analista do J.P.Morgan. “Com a companhia já endereçou suas necessidades de caixa, esperamos que o interesse do investidor se concentre agora na negociação da extensão de prazo das concessões e na execução das melhorias operacionais implementadas pelos gestores”, afirma Abdalla. Os investidores, sem dúvida, vão acompanhar o desenrolar desses assuntos de perto. Afinal, precisam estar atentos ao mínimo sinal de que o trem possa descarrilar.


A escolha da companhia para esta seção é feita a partir de um levantamento da Economatica com a oscilação e o volume negociado mensalmente por ações que possuem giro mínimo de R$ 1 milhão por dia. A partir daí, é escolhida uma ação que se destaca pela variação positiva ou negativa nos últimos doze meses.


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