Tenho amigos que já percorreram o caminho de Santiago de Compostela, de quem ouvi relatos sobre os desafios e dificuldades que enfrentaram. Essas descrições me levaram a associar o conteúdo do livro Desenvolvimento do mercado de capitais – temas para reflexão a uma jornada, com a diferença de que este mais se assemelha a uma escalada do monte Everest. A obra consiste em uma coleção de artigos, que vão do estilo acadêmico rigoroso ao texto quase jornalístico, e apresenta uma série de reflexões que se complementam para indicar trilhas para o progresso do mercado de capitais brasileiro. Para onde quer que olhemos, é nítida a frustrante constatação de que o diagnóstico é razoavelmente claro e consensual — mas isso infelizmente não torna mais simples o tratamento.
O livro foi organizado pelo grupo de mercado de capitais do Núcleo Brasil de Estudos Estratégicos (NBEE), que faz parte da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Esse grupo foi constituído no âmbito da reformulação promovida pela Fundação para influenciar as políticas de desenvolvimento do Estado brasileiro. A coletânea aborda temas bastante amplos, como regulação e supervisão do mercado financeiro, governança corporativa, mercado de acesso, renda fixa e fundos de investimento, juros e câmbio. No fim das contas, tudo gravita ao redor de uma questão: como fomentar e canalizar a poupança para a atividade produtiva, para que isso se traduza em maior crescimento econômico e desenvolvimento social. Em um ambiente microeconômico que induz o investimento privado, o financiamento tem um papel multiplicador importante, mas depende de uma série de condições.
Uma vez mais, a sociedade de depara com a inércia e o gigantismo do Estado como obstáculos da magnitude da cordilheira do Himalaia. A ideologia do Estado grande, paternalista e cuidador distorce os ambientes macro e microeconômico, impondo desafios colossais ao desenvolvimento endógeno do mercado de capitais. Crédito direcionado aos “campeões nacionais”, dívida do governo provocando o crowding out da dívida privada, baixa taxa de poupança, desarranjo dos gastos e contas públicas… Os culpados são velhos conhecidos, assim como as soluções. Apenas um punhado de reformas estruturais poderia criar condições sustentáveis para o amadurecimento de um mercado de capitais que já germinou, mas que custa a florescer e a dar frutos mais abundantes. Embora se possa identificar algumas ilhas de desenvolvimento isoladas a partir da evolução regulatória, o ceticismo diante dos desafios que dependem da evolução do Estado acaba prevalecendo.
O momento é muito propício para a sociedade brasileira discutir o modelo predominante de economia de Estado dos últimos anos. Assim como no campo da Justiça temos testemunhado desdobramentos notáveis da Operação Lava Jato, precisamos aproveitar esse momentum de ânsia por mudanças e lutar para eliminar uma série de distorções que condenam nosso desenvolvimento à mediocridade. A obra do NBEE apresenta numerosas sugestões relevantes para o tema do desenvolvimento do mercado de capitais e poderia integrar a agenda econômica de uma nova era. No momento em que espocam rojões e a brisa da esperança nos refresca a alma, devemos nos recordar da sabedoria das palavras de Confúcio: “Uma jornada de 10 mil quilômetros começa com o primeiro passo”.
*Desenvolvimento do mercado de capitais no Brasil – temas para reflexão
Amarílis Prado Sardemberg (org.) e outros
Editora: Sociologia e Política
434 páginas
1a edição, 2016
Peter Jancso é sócio da Jardim Botânico Investimentos e conselheiro independente
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