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Desacordo de acionistas
Nippon e Ternium persistem em violar compromisso selado para controle da Usiminas
Ilustração: Marco Mancini / Grau 180

Ilustração: Marco Mancini / Grau 180

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Desde setembro de 2014, Nippon e Ternium, principais acionistas da Usiminas, brigam por poder na siderúrgica. A peleja tornou-se pública depois que três diretores indicados pelo grupo argentino — entre eles o presidente à época, Julián Eguren — foram exonerados por receber remuneração irregular. A denúncia rendeu a demissão dos executivos durante reunião do board realizada em 25 de setembro e presidida por Paulo Penido, alçado ao posto de chairman pelos japoneses. O episódio marcou o início do duelo entre os controladores e também de um perigoso histórico de decisões tomadas à margem do acordo de acionistas. O compromisso exige que as matérias submetidas ao crivo do conselho de administração sejam previamente conciliadas entre os dois grupos. Na prática, entretanto, o acordo vem sendo persistentemente desobedecido.

O poder de comando na Usiminas é resultado do acordo de acionistas firmado em 2012. O termo vincula Nippon (dona de 27,75% das ordinárias), Ternium (com 27,66% de ONs subordinadas ao pacto) e Caixa dos Empregados da Usiminas – CEU (com 6,75%). Nippon e Ternium têm direito a indicar três conselheiros de administração cada uma, enquanto a CEU fica com um assento. A divisão deveria garantir coesão ao grupo: uma deliberação só segue adiante na Usiminas com a concordância dos dois principais sócios. A intenção foi reforçada, ainda, por um acordo de cavalheiros. Apesar de esse acerto não estar registrado formalmente, japoneses e argentinos combinaram que alternariam poderes. Se um lado comandasse o board, o outro ficaria à frente da diretoria executiva, e vice-versa.

No começo, o pacto foi seguido à risca. A despeito das diferenças culturais dos dois grupos, a Nippon comandava o conselho de administração e a Ternium ficava com a diretoria executiva. A primeira ruptura ocorreu em 2014, quando executivos indicados pelos argentinos foram exonerados por exigência dos japoneses. Uma investigação interna, conduzida por Penido, verificou que Eguren e dois vice-presidentes, Paolo Bassetti e Marcelo Chara, haviam recebido benefícios que seus pacotes de remuneração, previamente aprovados pelo conselho, não lhes concediam. Diante da descoberta, a Nippon reivindicou a destituição dos executivos. Os conselheiros apontados pela Ternium foram contra — não negaram a irregularidade, mas argumentaram que o problema estava resolvido. Os repasses, de quase R$ 1 milhão, afirmaram os representantes dos argentinos, haviam sido feitos por engano pelo departamento de recursos humanos e já estavam de volta ao caixa da Usiminas. Eles alegaram também que a demissão seria apenas uma jogada da Nippon para tomar o comando da gestão.

Apesar da divergência entre os conselheiros indicados pelos controladores, a votação sobre a demissão seguiu adiante. Como chairman, Penido abriu votação livre — quando o voto de cada conselheiro é computado individualmente, sem que o vínculo previsto no acordo de acionistas seja levado em conta. O executivo se amparou no artigo 118 da Lei das S.As. O dispositivo prevê que sejam desconsiderados os votos contrários ao pacto (e, em caso de abstenção, outorga o poder de deliberação à parte prejudicada), mas com uma ressalva: o compromisso assumido pelos controladores não pode ser invocado “para eximir o acionista de responsabilidade no exercício do direito de voto ou do poder de controle”. Foi com base na exceção que Penido e a Nippon entenderam que poderiam votar em desacordo com os sócios argentinos e levar a cabo a punição. Seria uma forma de cumprir com os próprios deveres fiduciários.

O placar foi apertado. A favor da demissão votaram os três conselheiros indicados pela Nippon e os dois representantes dos minoritários. Do outro lado ficaram os três conduzidos pelos argentinos, além dos dois eleitos pelo fundo de previdência dos funcionários da companhia. Como o desempate é atribuição do presidente do conselho, Penido fez prevalecer a vontade dos japoneses.

Em março deste ano, o acordo de acionistas foi novamente desprezado. A Usiminas foi lucrativa por mais de uma década, mas desde 2012 opera no vermelho. No encerramento de 2015, o prejuízo foi de R$ 3,7 bilhões, o maior de sua história. Sem caixa para honrar dívidas prestes a vencer, a siderúrgica caminhava para um pedido de recuperação judicial. A saída foi negociar com credores e firmar um acordo de suspensão temporária dos vencimentos (conhecido como standstill) condicionado à aprovação de um aumento de capital. Os conselheiros da Nippon propuseram a emissão do equivalente a R$ 1 bilhão em novas ações ordinárias, ao preço unitário de R$ 5. A Ternium defendeu aporte menor, conjugado à liberação de pelo menos R$ 600 milhões do caixa da Mineração Usiminas (Musa) — subsidiária controlada pela Usiminas em parceria com a Sumitomo. A minoritária japonesa, no entanto, só aceitou liberar o dinheiro se a capitalização de R$ 1 bilhão fosse aprovada.

Investidores pedem desvinculação do voto de conselheiros no Novo Mercado

Toda vez que um dos integrantes do bloco de controle da Usiminas adota o voto livre, a tática é reivindicar o artigo 118 da Lei das S.As, que regula o funcionamento dos acordos de acionistas. Desde 2001, quando a legislação societária passou por sua última reforma profunda, o dispositivo prevê expressamente a vinculação dos votos a acordos de acionistas — os pactos podem amarrar os votos dos controladores, em assembleia, mas também dos conselheiros por eles indicados, nas reuniões da administração. Na época, entendia-se que os compradores das companhias recém-privatizadas precisavam de garantias de que exerceriam o poder de controle de fato.

O vínculo do voto dos conselheiros, no entanto, sempre foi controverso. Ele coloca em xeque conceitos sagrados da boa governança: a independência e a atuação em prol da companhia. Tanto que a primeira carta diretriz editada pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), publicada em 2008, teve o artigo 118 como tema. Agora, o assunto pode voltar à tona. Em julho do ano passado, a Associação dos Investidores do Mercado de Capitais (Amec) listou dez temas urgentes na revisão das regras do Novo Mercado. Um deles é a “vedação de acordos de acionistas que vinculem votos de membros do conselho de administração”. Agora, com o regulamento dos segmentos especiais de listagem da BM&FBovespa sob revisão, a Usiminas pode acabar como principal exemplo do debate. Graças a ela, o dispositivo que nasceu para dar segurança jurídica aos sócios mostrou sua face frágil: companhias com controle estabelecido por acordo podem ficar à deriva quando o compromisso for descumprido. (Y.Y.)

A discordância levou a uma nova dispensa do acordo de acionistas, com o acréscimo de uma particularidade. Dessa vez, a decisão de adotar o voto livre ficou a cargo de Marcelo Gasparino, indicado ao cargo de conselheiro pelo investidor minoritário Lirio Parisotto e depois empossado chairman, em 2015, na esteira da discordância entre os controladores sobre um nome para presidir o órgão. A proposta vencedora foi a dos japoneses, que ganhou apoio dos conselheiros dos minoritários. Os argentinos, apesar de contrários ao formato do aporte, subscreveram as ações necessárias para manter sua participação no capital e ainda se ofereceram para subscrever as sobras.

Revanche

Também neste ano, japoneses e argentinos concordaram em um ponto: escolheram Elias de Matos Brito, indicado pela Ternium, para a função de chairman — nos bastidores, corre a tese de que os japoneses cederam o cargo aos argentinos na esperança de fazer valer o acordo de cavalheiros e ocupar a diretoria executiva da Usiminas. O que parecia ser um sinal de entendimento entre os principais acionistas da siderúrgica, no entanto, transformou-se no prelúdio de mais um embate. No dia 25 de maio, o renovado conselho de administração da Usiminas reuniu-se para eleger o futuro presidente da companhia. Japoneses e argentinos não chegaram a uma indicação comum e, mais uma vez, recorreram ao voto livre. A Ternium, que até então argumentava que o voto livre feria o acordo, apresentou o nome de Sergio Leite de Andrade, diretor comercial da Usiminas. Seus três conselheiros apoiaram o candidato e foram acompanhados por um dos conselheiros apontados pelos minoritários e pelo indicado dos funcionários. Os representantes da Nippon votaram contra a eleição, alegando que o pleito, conduzido na forma de voto livre, feria o acordo de acionistas. (Os dois conselheiros indicados pela minoritária CSN, que estrearam no posto após a AGO de abril, se abstiveram.)

A Ternium venceu essa batalha. Não apenas por ter a maioria dos votos, mas porque Brito, chairman conduzido ao posto pelos argentinos, invocou a exceção prevista no artigo 118 da Lei das S.As. — ironicamente, o mesmo dispositivo em que os japoneses se apoiaram para destituir os diretores indicados pela Ternium em 2014. Em sua manifestação de voto, ele apontou duas razões para os conselheiros deixarem o acordo de lado em benefício do cumprimento de seu dever de diligência. Em primeiro lugar, o presidente Rômel de Souza precisava ser substituído, por conduzir mal os negócios — “A gestão da companhia não conseguiu impedir a rápida deterioração de seu caixa, tendo os resultados sido inferiores aos de seus concorrentes”. Além disso, a interinidade prolongada de Souza no cargo (desde 2014) seria “intolerável”. “É dever deste conselho agir de forma diligente de maneira a pôr fim a esta situação, evitando, inclusive, uma eventual responsabilidade pessoal por parte dos conselheiros, por inação”, argumentou.

Provisórios ou não, diretores estatutários carregam a mesma responsabilidade. A diferença é que os primeiros não têm mandato pré-definido, como determina a Lei das S.As. No caso da Usiminas, isso significa que o presidente interino poderia permanecer no posto por mais tempo do que o estipulado no estatuto social (dois anos), mas também deixar o cargo a qualquer momento — incerteza que não é bem vista por stakeholders, especialmente quando a diretoria renegocia dívidas com bancos credores, como é o caso da Usiminas.

Penido e os demais conselheiros indicados pela Nippon, que até então haviam conduzido ou apoiado as situações de voto livre, classificaram a eleição do novo presidente como “ilegal”. Eles alegaram que, a despeito da divisão informalmente firmada, o acordo de acionistas prevê regras para a eleição do presidente da Usiminas: o CEO deve ser escolhido de “forma consensual” entre Nippon e Ternium, que têm o direito de indicar, cada uma, um diretor adicional. Em manifestação de voto de 18 páginas, os três justificaram a diferença do pleito recente em relação aos episódios do passado. Eles afirmaram que, em 2014, o conselho deliberou o “afastamento de diretores que comprovadamente haviam cometido atos ilícitos e prejudiciais à companhia”, enquanto, neste ano, a não indicação de uma nova diretoria por falta de consenso entre o grupo de controle não acarretaria “ilegalidade ou irregularidade, uma vez que a própria Lei das S.As. prevê mecanismo legal para sustentar tal hipótese”.

Apimenta a disputa a única manifestação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) sobre o caso. Em 2014, a Ternium, inconformada com a adoção do voto livre, consultou o regulador sobre a vinculação dos conselheiros ao acordo. A resposta da área técnica só chegou em março deste ano. O que inicialmente seria um veredito favorável aos japoneses e negativo para os argentinos acabou por respaldar todas as situações em que os controladores resolveram jogar o acordo de acionistas da Usiminas para escanteio. Segundo trechos do ofício assinado pela Superintendência de Relações com Empresas (SEP) e reproduzidos em manifestações de voto, “não há vinculação absoluta do conselheiro ao pacto firmado pelos acionistas que o elegeram”. Além disso, a CVM diz que o parágrafo oitavo do artigo 118 da Lei das S.As. (que trata do vínculo) não se aplica “nos casos em que o presidente do conselho de administração entenda, de maneira fundamentada, que a orientação da reunião prévia de acionistas pode vir a resultar em violação aos seus próprios deveres fiduciários”.

Terceiro elemento

Enquanto Ternium e Nippon brigam, a CSN coloca mais lenha na fogueira. A empresa comandada por Benjamin Steinbruch garante que o embate entre os controladores seria apenas um jogo de cena para destruir o valor da Usiminas a ponto de permitir o esfacelamento do acordo de acionistas, válido até 2031. Enquanto discutem em público sobre a legalidade do voto livre, por baixo dos panos os controladores estariam unidos na tarefa de dar fim à sociedade para assumir, separadamente, os ativos que integram a Usiminas. Os japoneses, por exemplo, teriam interesse na planta da Ipatinga, enquanto os argentinos estariam de olho na Cosipa.

Numa das ações que move na Justiça, a CSN descreve o que classifica ser uma “conspiração engenhosa e premeditada”. Segundo a siderúrgica, ao ingressar no controle da Usiminas, em 2012, a Ternium ganhou a chance de comandar a companhia por período vitalício (seus diretores só poderiam ser destituídos com o consenso dos principais acionistas). A Nippon, por sua vez, só teria concedido esse poder à sócia para, em troca, ter a aprovação de contratos que favoreciam empresas a ela ligadas — o grupo é líder mundial em equipamentos e tecnologia voltados à indústria siderúrgica. De acordo com o levantamento levado pela CSN à Justiça, elaborado pela Apsis Consultoria, os contratos celebrados pela Usiminas com empresas vinculadas à Nippon somavam R$ 5,7 bilhões em 2011, antes da chegada dos argentinos. No ano seguinte, o estoque saltou para R$ 13,8 bilhões e, em 2014, ultrapassou a casa de R$ 20 bilhões. Os japoneses contestam os cálculos e afirmam que o valor somado dos contratos, além de ser menor do que o apurado pela CSN, é decrescente ao longo dos anos.

Pelas contas da CSN, apenas os minoritários estariam perdendo. Desde o início de 2014, quando o clima começou a azedar entre os controladores, o valor de mercado da Usiminas desabou mais de 70%, de R$ 13,1 bilhões para R$ 3,5 bilhões (levando-se em conta o fechamento do pregão de 22 de junho). Aí estariam refletidos não apenas os impactos da briga pelo controle e o momento desfavorável do setor (a demanda por produtos siderúrgicos diminui conforme o ritmo de crescimento global cai), mas também a expropriação da empresa. A CSN argumenta que as instalações da Usiminas não refletem os pesados investimentos em maquinário e tecnologia, situação evidenciada pelas constantes reclamações dos funcionários.

A CSN é dona de 17,42% do capital da Usiminas (14,13% das ONs e 20,69% das PNs). A fatia foi adquirida em bolsa de valores, entre 2011 e 2012, no mesmo período em que os grupos Votorantim e Camargo Corrêa venderam suas participações no bloco de controle da Usiminas para a Ternium. A compra no pregão teria sido uma tentativa de Steinbruch de arrematar o controle da Usiminas — plano que, apesar de frustrado, lhe rendeu o posto de maior acionista de fora do bloco de controle e o poder de indicar membros ao conselho de administração da concorrente. Sua presença na Usiminas, entretanto, é controversa. Como ambas atuam no mesmo ramo, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) suspendeu, em 2012, os direitos políticos decorrentes das ações da CSN e, dois anos depois, determinou que a companhia vendesse suas ações — o prazo limite para a alienação não é público, mas fontes do mercado informam que seria de cinco anos.

Neste ano, a CSN aproveitou para voltar ao Cade. A companhia pediu a flexibilização do veredito, sob o argumento de que a Usiminas passa por uma crise agravada pela disputa entre Nippon e Ternium — e foi bem-sucedida: conseguiu dois assentos no conselho de sua concorrente. O Cade deu sinal verde à siderúrgica de Steinbruch sob a exigência de que os novos administradores se comprometam a atuar com independência e a tomar decisões que atendam ao interesse da Usiminas. A prevenção foi considerada insuficiente por muitos. Ternium, Nippon e o fundo minoritário Geração Futuro L. Par, a despeito das intensas discussões travadas há anos, foram ao Judiciário, separadamente, exigir a anulação do pleito que elegeu os executivos apontados pela CSN.

A Usiminas se manifestou à Justiça, enfatizando as possíveis más intenções da concorrente. “A CSN ganha mais tirando a Usiminas do mercado do que valorizando a participação minoritária que nela detém.” E completou: “O real objetivo da CSN (…) não é proteger a Usiminas ou garantir representatividade de minoritários, mas garantir participação dos representantes por ela escolhidos, sondados, indicados e eleitos, que terão, no conselho de administração, acesso às mais confidenciais e estratégicas informações de seu principal concorrente, em primeira mão”. Há muito a falta de confiança entre os sócios deixou de ser uma situação de exceção na Usiminas. Tornou-se a regra.


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