Depois da seca
Ações da Sabesp sobem com volta das chuvas e perspectiva de bônus menores ao consumidor

Alta&Baixa - normal
As imagens da terra árida e rachada nas represas do sistema Cantareira se tornaram símbolos da crise hídrica que assolou o Estado de São Paulo em 2014 e 2015. No mercado financeiro, a falta de chuvas na região produziu outro retrato: o de uma Sabesp combalida, com os resultados financeiros ameaçados. Em 30 de janeiro de 2015, no auge da estiagem, os papéis da empresa de saneamento valiam R$ 13,30 no pregão da BM&FBovespa, preço 58,6% inferior ao registrado em 28 de março de 2013, antes da seca, de R$ 32,13. O recuo é mais do que compreensível. Para a Sabesp, ter menos água para tratar e distribuir é sinônimo de receita e ganhos de escala menores e, consequentemente, lucro reduzido. A boa notícia para os acionistas é que esse cenário tem grandes chances de se reverter com a volta das chuvas. “O mercado precifica tudo muito rápido. Quando percebeu que os reservatórios começaram a retornar ao patamar anterior à crise, a ação reagiu”, observa Henrique Kleine, analista chefe da corretora Magliano. No dia 29 de março, o papel da Sabesp na bolsa valia R$ 27,96.

Boa parte dessa recuperação aconteceu desde a virada do ano, com a elevação dos níveis dos principais reservatórios operados pela companhia. Em meados de novembro de 2015, a empresa estimava que, no Cantareira, deixaria de bombear água do volume morto (usado desde o fim de maio de 2014) apenas em abril de 2016. Porém, com as chuvas mais intensas, o prazo foi antecipado para dezembro. No início de março, segundo a Sabesp, os reservatórios de todos os sistemas já trabalhavam com 39,95% de água. O número refere-se ao volume útil (aquele que pode ser captado por gravidade, sem a necessidade de bombeamento). Para se ter uma ideia, em igual mês de 2015, eles tinham 6,23% de água — considerando duas cotas de volume morto (ou seja, estavam bem abaixo de zero).

O fato de as fontes de captação voltarem a encher é primordial para se espantar o fantasma do racionamento. Só quando o risco de falta de água desvanecer e a população voltar a consumir sem receio a Sabesp poderá acabar com o sistema de bonificação, em vigor há pouco mais de dois anos. De acordo com a empresa, mesmo com as chuvas recentes, o percentual de consumidores que economizam água se manteve estável em 77% nos meses de dezembro, janeiro e fevereiro.

O efeito adverso dos descontos já apareceu nos números da companhia. Entre julho e setembro de 2015, a Sabesp reportou prejuízo de R$ 580 milhões — o primeiro resultado negativo em um trimestre desde o início da crise hídrica, que começou em 2014. Desse total, R$ 249 milhões foram atribuídos aos bônus. No ano passado inteiro, apesar de a empresa ter obtido lucro (R$ 536,3 milhões), o programa de incentivo à redução no consumo gerou uma queda de 6,2% na receita operacional em relação a 2014, o equivalente a R$ 926,1 milhões.

A expectativa, contudo, é de que com a mudança nos valores de referência para a concessão dos descontos a última linha do balanço seja menos prejudicada. Até dezembro de 2015, ganhavam abatimento na conta os clientes que economizassem água em relação à média do consumo de fevereiro de 2013 a janeiro de 2014. A partir deste ano, a média é multiplicada pelo fator redutor 0,78. Com isso, ficará mais difícil para o consumidor obter a bonificação. Segundo a Sabesp, o percentual de clientes contemplados com o desconto máximo (de 30%) já diminuiu: foram 36% em fevereiro, ante 56% em janeiro. “Com a recuperação dos reservatórios, há espaço para a retirada do bônus. E isso será positivo para a geração de caixa e para os investimentos intensivos que a Sabesp precisa fazer”, avalia Maria Carolina Carneiro, analista do Santander.

No fim de março, a empresa entrou com pedido na Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo (Arsesp) para encerrar o programa de concessão de bônus, que duraria até o fim do ano, já em maio. Até o fechamento desta edição, a solicitação não havia sido analisada. A dúvida é se, com o término dos descontos, o consumo de água per capita voltará ao nível verificado antes da estiagem. O consumo de energia, por exemplo, nunca retornou ao patamar pré-crise, observa Alexandre Montes, analista de empresas de serviços públicos da Lopes Filho & Associados.

Mais preparada

Num ambiente de crise econômica, a Sabesp tem a vantagem de oferecer serviços com demanda firme: distribuição de água tratada e coleta e tratamento de esgoto. Essa característica torna o papel da companhia uma opção atrativa para quem quer investir no mercado acionário correndo menos riscos. A empresa também tem a seu favor a regulação do setor, que a protege de eventuais perdas inflacionárias. No balanço de 2015, a Sabesp registrou aumento de R$ 41,4 milhões na receita bruta em comparação com igual período do ano anterior, mesmo com queda de 6,8% no volume de água e esgoto faturados. O resultado é atribuído, em grande parte, a reajustes tarifários de 6,5% (a partir de dezembro de 2014) e de 15,2%, a partir de junho do ano passado.

Ainda que muitos cientistas alertem para o aumento na frequência dos eventos climáticos extremos, a repetição do cenário de seca dos últimos dois anos é vista pelos analistas da empresa como improvável. Mas, caso isso aconteça, argumentam, a Sabesp está bem mais preparada para lidar com o problema — em função das obras emergenciais realizadas durante a crise hídrica, da experiência adquirida no manejo da rede e da intensificação do combate a perdas de água.

Uma das principais obras realizadas em 2015 foi a ligação do Sistema Produtor Rio Grande, que atende as cidades de Diadema, Santo André e São Bernardo do Campo, com a estação de tratamento de água de Taiçupeba, em Suzano. Entregue em setembro, ela permite a retirada de 4 mil litros de água por segundo da Represa Billings e de um braço do Rio Grande, o equivalente a um terço do volume captado no sistema Alto Tietê atualmente. Outra obra importante iniciada foi a construção de um sistema fornecedor de água, o de São Lourenço, em Ibiúna, com capacidade para atender 1,5 milhão de pessoas. A previsão é de que o São Lourenço entre em operação no fim de 2017. São medidas que, na avaliação de analistas do mercado financeiro, dão flexibilidade e segurança ao sistema de abastecimento de água da Sabesp.

O mercado também aprova o novo comando da companhia. No auge da crise hídrica, no início de 2015, a então presidente Dilma Pena deixou o cargo. A saída da executiva ocorreu pouco depois do vazamento de áudios nos quais ela dizia ter recebido “orientação superior” para não alertar a população sobre a necessidade de economia de água e sobre o risco de racionamento durante o período eleitoral de 2014 — informações que o governo do Estado de São Paulo, controlador da companhia, fez questão de desmentir. No lugar de Dilma, entrou Jerson Kelman, Ph.D. em hidrologia e recursos hídricos pela Colorado State University e ex-presidente da Agência Nacional de Águas (ANA). “Ele é uma autoridade no setor”, elogia Maria Carolina, do Santander.

Diante das notícias positivas, um pingo de preocupação vem da alta do dólar, que elevou a dívida da Sabesp em cerca de R$ 2 bilhões do segundo para o quarto trimestre de 2015. O passivo total saiu de R$ 11,1 bilhões, ao fim de junho (quando o dólar rondava R$ 3), para R$ 13,1 bilhões no término de dezembro, período em que a moeda americana já encostava em R$ 4. Entretanto, como o dólar voltou a cair e a maior parte da dívida vence a partir de 2020, a questão parece administrável. “As novidades têm sido tão boas para a Sabesp que, mesmo com a difícil situação econômica do País, a empresa voltou ao radar de investidores estrangeiros”, diz Maria Carolina. Nada como a bênção de São Pedro para desanuviar o horizonte.


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