Cobiçadas
Em ascensão no Brasil e no mundo, startups de tecnologia financeira atraem bilhões em investimentos
Ilustração: Marco Mancini / Grau 180

Ilustração: Marco Mancini / Grau 180

Há dois anos, o Uber começou a incomodar os taxistas ao lançar uma modalidade de transporte particular com tarifa mais baixa e serviço diferenciado, com direito a gentilezas como água e balas para os passageiros. Hoje são os bancos que veem seu espaço ameaçado por empresas que, à semelhança do Uber, querem mudar o status quo. Essas novatas foram batizadas fintechs, termo em inglês usado para as startups que adotam soluções tecnológicas para oferta de serviços financeiros mais baratos, personalizados e com menos burocracia. De acordo com pesquisa global da consultoria Accenture, no primeiro trimestre de 2016 as fintechs receberam US$ 5,3 bilhões em investimentos, um crescimento de 67% sobre igual período de 2015. Em todo o ano passado, esse valor chegou a US$ 22,3 bilhões, ante US$ 9,6 bilhões registrados em 2014.

No Brasil, as fintechs ganham cada vez mais apelo entre os investidores. Em 2015, elas receberam cerca de R$ 200 milhões em aportes, e a expectativa é de que esse montante alcance R$ 450 milhões neste ano, segundo estatísticas do Fintechlab, portal que reúne informações sobre startups de tecnologia financeira. Atualmente, segundo o site, o País tem cerca de 200 fintechs, com atuação em setores diversos — como pagamentos, gerenciamento financeiro, empréstimos e negociação de dívidas, investimentos, funding, seguros, bitcoins e blockchain. No ano passado, de cada dez fintechs monitoradas pelo portal, três faturaram mais que R$ 1 milhão. Além disso, uma em cada cinco já tinha pelo menos 20 funcionários contratados (veja infográfico).

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O grande trunfo das fintechs é a estratégia de atacar os bancos exatamente nos pontos em que eles têm maior atrito com os clientes. Alvos constantes de reclamação são as elevadas taxas de juros cobradas nos empréstimos — problema que a fintech Geru tenta solucionar por meio de sua plataforma, criada em 2013 com a proposta de ser um marketplace de crédito. “É certo que a Selic é muito alta, mas não justifica uma taxa de juros de 1.000% ao ano no crédito pessoal”, avalia Sandro Reiss, fundador da Geru.

Por questões regulatórias, no Brasil, as plataformas de empréstimos são obrigadas a fazer parceria com uma instituição financeira para funcionarem. Esses bancos geralmente captam recursos de investidores em uma ponta e aplicam o dinheiro em títulos de renda fixa como certificados de depósito bancários (CDBs) ou recibos de depósito bancário (RDBs). Na outra ponta, os tomadores contratam os recursos com o banco emitindo cédulas de crédito bancário (CCBs) — instrumentos que conferem a promessa de pagamento à instituição. Cabe à plataforma fazer a ponte entre as partes e realizar a análise de crédito dos tomadores. A Geru, por exemplo, possui um rating próprio, que separa os clientes em 35 faixas de risco, com o objetivo de diferenciar os bons dos maus pagadores. No nível menos arriscado, os juros dos empréstimos variam entre 2% e 5% ao ano e, na ponta oposta, entre 25% e 80% anuais. Cabe ressaltar que a Geru não pede garantia como contrapartida do crédito liberado. “Nos níveis mais arriscados, o custo para o cliente não é baixo, mas ainda é muito menor que o oferecido no mercado”, ressalta Reiss.

Operar com taxa de juros menor também é a missão da BankFácil, que, diferentemente da Geru, exige garantia para a concessão de crédito. Com uma média mensal de acessos à plataforma de cerca de um milhão de pessoas, a BankFácil já emprestou aproximadamente R$ 100 milhões provenientes de bancos, segundo as contas de Felipe Zulino, sócio e fundador da fintech. Para financiamentos que têm imóvel como garantia, a política da empresa é limitar o montante concedido a 60% do valor da propriedade, respeitado o teto de R$ 2 milhões. Nessa modalidade, afirma, os juros variam de 1,15% a 2,99% ao mês, dependendo do risco de crédito do cliente. Se a garantia for um automóvel, o limite para empréstimo é 90% do valor do bem, e as taxas mensais vão de 2,20% a 4%. Os prazos de pagamento, por sua vez, podem chegar a 20 anos.

Na área de investimentos, as fintechs também instigam uma revolução. Por aqui, Magnetis e Vérios se destacam por oferecer o serviço de robo-advisor. Bastante populares nos Estados Unidos, os conselheiros-robôs analisam por meio de algoritmos diversas opções de investimentos e sugerem aquelas que melhor se adaptam aos objetivos e ao perfil do cliente. A tendência, segundo Paschoal Pipolo Baptista, sócio da Deloitte, é de quando desembarcarem em massa no Brasil os robôs derrubarem os elevados custos de gestão de patrimônio, tornando as atuais “butiques” de investimentos mais parecidas com lojas de conveniência.

Tampouco passa imune às fintechs o setor de seguros. Para enfrentar a invasão das plataformas on-line, a Caixa Seguros inaugurou uma operação exclusiva para venda de apólices pela internet, chamada Youse, na qual já investiu R$ 500 milhões desde 2014. Inspirado no modelo de cobrança de provedoras de streaming de filmes e música como Netflix e Deezer, o seguro da Youse é cobrado por mês do cliente — uma inovação para o segmento, acostumado a firmar contratos anuais. “Entendemos que a cobrança mensal é mais simples e incentiva relacionamentos mais longos”, diz Eldes Matiuzzo, CEO da Youse.

A seguradora pretende ganhar espaço entre os jovens, que têm menos tempo de experiência ao volante (o que geralmente encarece o preço da cobertura), e proprietários de veículos de valor mais baixo. Esse também é o alvo da ToGarantido, startup que se define como de “impacto social”.
A empresa oferece seguros aos consumidores das classes C e D, na faixa de 30 a 55 anos e renda média mensal entre R$ 1,5 mil e R$ 3 mil — público que, em sua maioria, nunca contratou uma apólice de seguro, observa o CEO da ToGarantido, Felipe Cunha.

Com uma carteira atual de mil clientes — e intenção de dobrar essa base até o fim de 2016 —, Cunha afirma que seu maior desafio hoje está em desenhar produtos inovadores, a exemplo do “peer-to-peer insurance”. A vantagem desse tipo de seguro é não ser individual, mas coletivo. Dessa forma, se ao fim do contrato a sinistralidade do grupo for baixa, todos os integrantes recebem de volta parte do que pagaram pela apólice. “É um modelo novo na área, adotado com muito êxito no exterior, sobretudo nos Estados Unidos, na Inglaterra e Alemanha”, relata Cunha. No Brasil, porém, ele afirma não ter encontrado nenhuma seguradora que encarasse o risco de implementá-lo.

 

 

 

De mãos dadas
Presentes em praticamente todas as áreas ocupadas pelos bancos, as fintechs poderiam ser vistas como inimigas pelas instituições financeiras. No Brasil, entretanto, acontece o contrário. “Os bancos por aqui surfam na onda das fintechs, seja comprando essas empresas, seja testando as tecnologias e incorporando suas funções”, observa Baptista, da Deloitte. Em março, por exemplo, o Santander concluiu a aquisição da startup ContaSuper, que oferece conta digital com direito a transferências, DOCs, TEDs, saques nacionais e internacionais e compras on-line ou em lojas físicas por meio de cartão. O banco e a startup já eram sócios desde janeiro de 2015, quando o Santander adquiriu 50% do capital da ContaSuper. Um ano e três meses depois, o banco arrematou a metade restante, entusiasmado com o rápido crescimento da operação. Em pouco mais de um ano, o número de contas abertas pela startup subiu de 203 mil para 360 mil, um aumento de 77%.

O Bradesco, por sua vez, opta pelo caminho de apoiar o desenvolvimento das fintechs. “Essas empresas só são consideradas ameaças se você as encarar como concorrentes”, afirma Marcelo Frontini, diretor de Inovação do grupo e coordenador do InovaBra, marca lançada pelo banco há quatro anos para reunir as iniciativas de inovação tecnológica apoiadas pela instituição. Segundo Frontini, desde a primeira seleção em 2014, o programa InovaBra Startups já recebeu cerca de mil inscrições, das quais 21 foram aprovadas — oito na primeira edição e 13 na segunda.

Entre as startups selecionadas estão empresas como a Quero Quitar!, que oferece aos clientes um canal para negociação de dívidas; a Bit.one, plataforma de envio de remessas que usa a tecnologia blockchain; e a Percycle, solução que monitora o cliente em diferentes canais digitais para ofertar experiências personalizadas. “Escolhemos empresas já constituídas e damos a elas a oportunidade de desenvolver uma solução escalável para a base de clientes do Bradesco”, explica Frontini. De acordo com o executivo, o terceiro edital do InovaBra para o período 2016/2017 já está no ar e o objetivo é selecionar outras dez empresas.

Com estratégia idêntica, mas seguindo um caminho diferente, o Itaú inaugurou em 2015 o Cubo Coworking, um centro de empreendedorismo tecnológico. A iniciativa, que tem a Redpoint eventures como parceira, promove conexões para fazer deslanchar negócios de startups digitais. Segundo o Itaú, o Cubo abriga atualmente 58 startups, que já geraram cerca de 650 postos de trabalho. Juntas, essas fintechs receberam, entre 2015 e 2016, em torno de R$ 42 milhões em investimentos.

Já o Banco do Brasil anunciou, no início de novembro, a abertura de um laboratório avançado no Vale do Silício, na Califórnia, chamado LABB. Instalado dentro de uma das principais aceleradoras do mundo, a Plug And Play, o laboratório visa descobrir startups que possam oferecer soluções úteis ao banco e acelerá-las. Atualmente, o LABB tem um projeto em fase de incubação, e o plano é contar com mais 16 startups incubadas até o fim de 2017.

A aproximação entre instituições financeiras e fintechs é uma tendência mundial. De acordo com a pesquisa da Accenture, a proporção dos investimentos feitos em fintechs que buscam criar serviços úteis aos bancos totalizou 44% do volume global aplicado no setor em 2015, ante 38% em 2010. Na América do Norte, esse tipo de investimento cresceu ainda mais fortemente nesse período, de uma fatia de 40% para 60%.

Cadê a disrupção?
Se nos EUA e no Brasil o clima é de cooperação, na Europa a situação é bem diferente. A pesquisa da Accenture mostra que o volume de investimentos dedicado a fintechs que prestam serviços para os bancos na região caiu de 38% para 14% do total entre 2010 e 2015, enquanto o montante aportado em empresas disruptivas — aquelas que, de fato, competem com as instituições financeiras — subiu de 62% para 86%.

O banco digital polonês mBank é um bom exemplo de empresa disruptiva. A instituição nasceu no ano 2000, fruto de um investimento do BRE Bank Management, que até então atendia exclusivamente empresas. O avanço da internet e a disseminação do uso de dispositivos móveis entre a população polonesa incentivaram o BRE a lançar o mBank, como forma de ingressar no varejo.

Estruturado com o suporte do BRE e da consultoria Accenture, o mBank desenvolveu uma série de aplicativos para facilitar a vida dos clientes. Um deles é o vídeo banking, um canal de video-conferência próprio e seguro para transações financeiras ou esclarecimento de dúvidas. Outro aplicativo entra na categoria dos chamados negócios contextuais, que oferecem promoções personalizadas. Um exemplo: hoje, se um correntista do mBank utiliza seu cartão para comprar ingressos de cinema, um sistema de geolocalização verifica que ele está na bilheteria e envia uma oferta para a compra de pipoca e refrigerante com desconto. “A promoção é relevante naquele contexto, e ajuda na associação da marca do banco com a de uma empresa que está sempre ao lado do cliente”, observa Guilherme Horn, diretor executivo líder da área de inovação da Accenture.

As soluções caíram no gosto dos clientes, especialmente dos mais jovens. O mBank já é o quarto maior banco polonês em ativos, com uma carteira de cinco milhões de clientes pessoas físicas e um milhão de usuários de mobile banking, espalhados por Polônia, República Tcheca e Eslováquia. Por aqui, os principais bancos digitais são Original, Conta Um e Neon. O diferencial dessas instituições é a possibilidade de o cliente abrir uma conta on-line, seja por site ou aplicativo, sem burocracia. Essa condição tornou-se possível a partir de abril deste ano, quando o Conselho Monetário Nacional (CMN) permitiu a abertura e o fechamento de contas correntes pela internet, dispensando a presença física do cliente na agência.

A medida foi tomada com base na constatação de que a tecnologia já permite aos bancos garantir a autenticidade dos documentos e a existência do cliente por meio de mecanismos como IP, geolocalizadores e biometria, explica Paula Leitão, chefe de subunidade do departamento de Regulação do Sistema Financeiro do Banco Central. De acordo com ela, independentemente de ser digital, o banco deve seguir a Lei 4.595/64, que regulamenta o sistema financeiro brasileiro. Assim como as demais instituições autorizadas a manter depósitos à vista, os bancos digitais são filiados ao Fundo Garantidor de Crédito, que prevê o reparo de até R$ 250 mil em caso de quebra da instituição.

Um dos seus maiores atrativos são as taxas. Como priorizam o atendimento on-line, essas instituições têm custos reduzidos e, por isso, podem oferecer taxas competitivas para manutenção de conta e administração de cartão, por exemplo. Por outro lado, especialistas observam que eles ainda carecem de serviços customizados e inovadores, como os oferecidos pelo polonês mBank.

Professor da Faculdade Fipecafi, o economista Sergio Paixão observa que, embora os bancos digitais nacionais aproveitem a onda das fintechs, eles ainda não promoveram nenhuma grande disrupção. Tanto que estão longe de desencadear a grande mudança que favoreceria a economia brasileira sob todos os aspectos: a redução do spread. “O que vejo é mais do mesmo, travestido de digital”, critica Paixão. A avaliação atesta que a tecnologia é um meio para as fintechs alcançarem seu objetivo. Mas não deve ser o único diferencial.


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