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A governança da empresa em crise

A apresentação de um pedido de recuperação, o deferimento do seu processamento e a aprovação do plano implicam modificações profundas na malha organizacional da companhia — no exercício do seu controle, nos mecanismos de formação da vontade social, no modo como é exercida a administração e no seu regime informacional.

A recuperação redefine os órgãos de formação (deliberativos) e a externalização da vontade social (administração). O direito da empresa em crise atribui a terceiros poderes de deliberação sobre a atividade empresarial e o patrimônio da companhia. A recuperação ofusca o poder do acionista controlador e, talvez não seja exagero dizer, institui uma espécie de controle compartilhado entre devedor e credores. O controlador não deixa de portar essa qualidade e a sociedade ainda ostenta personalidade jurídica e órgãos próprios, mas há um enfraquecimento desse controle, que passa a se sujeitar a restrições legais e à fiscalização do juiz, dos credores e do administrador judicial.

Uma mostra disso é a faculdade que os credores têm para deliberar a quebra do devedor (LRF, art. 73, I). Outro exemplo diz respeito ao poder de disposição sobre bens da companhia, que também se sujeita à vontade dos credores. O controlador continua a ter poder de dominação sobre os bens do ente coletivo, mas o art. 66 da LRF determina que depois da distribuição do pedido de recuperação o devedor só poderá alienar bens se autorizado pelo juiz, depois de ouvidos os credores (exceto se a venda tiver sido prevista no plano). A opinião dos credores não é vinculante, mas é um importante elemento na formação da convicção do magistrado.

A recuperação também limita o exercício de direitos políticos pelos sócios da devedora, como o impedimento de voto do sócio credor da sociedade (LRF, art. 43). O devedor remanesce com o poder de eleger a maioria dos administradores e de orientá-los, mas esse poder é relativizado pela circunstância de que eles podem ser destituídos a pedido dos credores e de ofício pelo juiz.

O processo de recuperação, em suma, acarreta hipertrofia de poderes de terceiros e redução de poderes dos acionistas. E é com esse espírito que a doutrina americana emprega a expressão creditor control.

É grande a assimetria de informações entre devedor e credores, especialmente nas companhias fechadas. Essa disparidade dificulta aos credores a tomada de uma decisão eficiente a respeito do plano de recuperação. Por isso a lei impõe à companhia um regime informacional próprio, composto de regras que tutelam o direito à informação dos credores e terceiros que contratam com a companhia. Alguns exemplos dessas regras são imposição de um conteúdo mínimo de informações que a petição inicial deve ter (LRF, art. 51); atribuição ao juiz e ao administrador judicial de acesso aos livros do devedor (art. 7o, art. 51, §§ 1o e 3o e art. 12); atribuição ao administrador judicial do poder de exigir do devedor ou de seus administradores, sob pena de destituição e afastamento (art. 22, I “d” c/c 64, V); publicação de editais (art. 7o, § 2o, art. 36, art. 52, § 1o, art. 53, parágrafo único); e acréscimo da locução “em recuperação judicial” ao nome empresarial (art. 69).

Esses são alguns exemplos de como a recuperação judicial impacta a governança das empresas em crise. Não há dúvida de que, enquanto mecanismos de freios e contrapesos que são, as regras de governança devem permanecer em vigor durante o processo. Mas também não deve haver dúvida de que ele importa em um profundo e amplo redesenho dessas regras. E num cenário como o vivenciamos, no qual aumenta o número de recuperações judiciais — inclusive de companhias abertas —, é fundamental tomarmos consciência desse fenômeno.


Por Walfrido Jorge Warde Júnior ([email protected]) e Guilherme Setoguti ([email protected]), sócios de Lehmann, Warde & Monteiro de Castro Advogados


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