Até onde ele pode ir?
Especialistas discutem se a evolução do nível máximo de governança tem limites ou se haverá sempre mais um degrau a subir

, Até onde ele pode ir?, Capital Aberto

Se querem saber como estará o Novo Mercado daqui cinco ou dez anos, é melhor não fazer essa pergunta ao próprio mercado. São várias as previsões sobre o que vai acontecer com o segmento de listagem da Bovespa que atualmente é sinônimo de grau máximo de governança corporativa no Brasil. Há quem diga que tal classificação estaria com os anos contados, pois, se hoje os níveis diferenciados são um marco para a realidade brasileira, um dia ele será dispensável, pois os investidores já saberiam distinguir sozinhos entre a boa e a má empresa. Outros, porém, acham que o segmento continuará necessário por vários anos, passará por diversas atualizações e representará sempre um nível acima no quesito governança.

Essa última previsão é corroborada por um dos criadores dos segmentos diferenciados, Gilberto Mifano, superintendente executivo da Bovespa. “Se ficar parado, o Novo Mercado logo vira velho”, brinca. “É preciso estar sempre de olho no que se pode fazer para avançar. O Novo Mercado é um processo e não uma coisa finita.” Segundo ele, a reforma realizada em fevereiro de 2006 modernizou o conjunto inicial de regras e esse tipo de intervenção será repetida outras vezes. “Esse deve ser o procedimento padrão até chegarmos a um ponto, dentro de alguns anos, em que, talvez, toda a bolsa seja composta por companhias que fazem parte do Novo Mercado, incluindo aí aquelas listadas no Nível 2 devido a restrições legais.”

Mas será que o mercado de capitais brasileiro conseguirá, em algum momento, aderir em peso às práticas mais sofisticadas de governança, principalmente se as exigências evoluírem continuamente?

Para o presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), Marcelo Trindade, o mais provável é que, na prática, este seja o futuro, ainda que nem todas as companhias sigam exatamente o mesmo conjunto de regras. Ele lembra que as cláusulas previstas nos segmentos diferenciados podem ser incorporadas pelas companhias voluntariamente, sem uma adesão formal. Assim, é possível que, cada vez mais, se tenha companhias seguindo grande parte das regras previstas no Nível 2 e no Novo Mercado, deixando de lado apenas um ou outro item (como a câmara de arbitragem, por exemplo).

Neste contexto, avalia, é possível que a Bolsa venha a pensar em uma revisão dos termos aplicáveis aos níveis diferenciados. “Se os investidores derem a estas empresas as mesmas condições de captação, estando elas dentro ou fora dos níveis, vão estimular, indiretamente, a revisão das regras”, diz. Em qualquer cenário, afirma Trintade, prevalece a certeza de que a governança veio para ficar. “Não há espaço para quem não se liste formalmente ou não adote voluntariamente as disposições relacionadas às boas práticas.”

Outros já preferem imaginar um futuro em que sempre exista um “novo mercado” com exigências mais difíceis de serem alcançadas. Na avaliação de Marcelo Mesquita, diretor da UBS Corretora, é normal que novos ajustes sejam implementados com a vivência do mercado, para que os investidores estejam sempre protegidos. “E mesmo que um dia todas as empresas cumpram os requisitos atuais, acredito que ainda haverá espaço para a criação de uma nova listagem que diferencie ainda mais aquelas que vão além dos requisitos obrigatórios.” Para esses casos, teríamos, então, um Novíssimo Mercado? “E por que não?” — diz.

Já Pedro Bastos, diretor do HSBC Investments, acredita que exista um limite para a criação de mais e mais regras. “É impossível fazer uma regulação perfeita, que acompanhe todas as demandas por governança corporativa”, diz. “Veja o caso da transparência, por exemplo. É uma questão que as companhias devem estar sempre se aprimorando, conforme evoluírem os meios para isso.” Por essa razão, valeria mais a pena, em sua visão, investir na formação de uma cultura corporativa voltada à boa convivência com os acionistas, ao invés de continuar impondo regras como forma de atribuir um selo de qualidade para a governança.

Até que ponto o investidor teria condições de dispensar o selo que atesta o compromisso com as práticas de governança?

MOMENTO DE TRANSIÇÃO — Mas até que ponto o investidor teria condições de dispensar o selo que atesta o compromisso com as práticas de governança, por estar apto a enxergar facilmente as diferenças entre as empresas? Na opinião de Bastos, ainda é cedo para contar com esse cenário. O Novo Mercado ainda tem um papel a cumprir nessa atual fase de transição do mercado de capitais brasileiro, em que companhias consolidam um modelo de gestão baseado nas melhores práticas. “Passada essa etapa, os próprios investidores poderão perceber quem está mais e menos alinhado com os seus interesses”, acrescenta.

Alfred Plöger, presidente da Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca), é mais radical. Ele acredita que, se alguém hoje anunciasse o fim do Novo Mercado, isso não seria motivo de tristeza. Defensor do voluntarismo — ou seja, da livre iniciativa das empresas para atender à demanda dos investidores, sem obrigações ou punições —, Plöger considera o Novo Mercado como um benchmark, cuja missão era dar diretrizes às companhias sobre o caminho a seguir. Como esse recado já foi passado, nada mais natural que o investidor agora comece a escolher entre as ações que mais combinam com os seus objetivos. “Desde que haja transparência, isso é perfeitamente possível”, defende. “Existem princípios que são mais importantes do que um conjunto de várias regrinhas.”

Por essas declarações, é fácil imaginar que Plöger é contra a ampliação permanente das normas do Novo Mercado. Para ele, a criação de novos pré-requisitos pode engessar o mercado, a ponto de punir uma empresa comprometida com a governança pelo fato de ela não concordar com uma das definições estabelecidas no pacote — como já ocorre hoje com a exigência de adesão à câmara de arbitragem, aplicável às companhias do Nível 2 e do Novo Mercado, cita.

A Bovespa parece não se intimidar com as críticas. João Batista Fraga, superintendente de empresas da Bolsa, pretende estar atento às exigências do mercado para ajustar as regras aplicáveis às companhias sempre que necessário. Para ele, não está nos planos da Bovespa se afastar da auto-regulação. “Vamos continuar com a difícil tarefa de precisar o saldo entre os custos e os benefícios de uma nova regra, e fazer isso olhando não apenas para o Brasil, mas também para o resto do mundo, cada vez mais globalizado quando o assunto é investimento”, afirma.

Questionado sobre os temas que estariam na pauta de ajustes futuros do Novo Mercado, ele cita a inclusão de regras para as auditorias externas — a fim de evitar o conflito de interesses entre auditor e auditado —, a publicação de resultados via padrão XBRL, o disclosure contínuo nas operações de fusões e aquisições, a definição de limites para o uso de poison pills e a adesão a uma política de sustentabilidade. “Mas não existe nenhuma previsão de alteração do regulamento do Novo Mercado no curto prazo”, frisa. De acordo com o superintendente, essas são apenas idéias que refletem necessidades já detectadas pela bolsa.

ANTES DE EVOLUIR, EDUCAR — Por fim, há quem defenda outras prioridades. João Pinheiro Nogueira Batista, presidente do conselho de administração do Instituto Brasileiro de Relações com Investidores (Ibri), acredita que o grande desafio dos próximos anos está na educação dos investidores. “Nosso ambiente regulatório já está ótimo”, avalia. “Mais do que pensar em novas diretrizes, é hora de zelar pela qualidade dos emissores que lá estarão listados. Como é difícil controlar a conduta dessas empresas, a saída é ensinar ao investidor individual a importância de se informar mais sobre o negócio que ele está comprando”, acrescenta.

Para Nogueira, muitas pessoas físicas ainda têm uma equivocada percepção de que o Novo Mercado é garantia de rentabilidade e valorização da empresa. Mas, na vida real, é preciso considerar a possibilidade de listagem no Novo Mercado de companhias desprovidas de uma vocação verdadeira para se relacionar de forma saudável com os acionistas minoritários. “Pode haver casos em que a empresa cumpra as regras só com a intenção de se manter naquele nível”, diz. Quando isso ocorre — continua — um investidor qualificado tem condições de analisar essa situação e se precaver quanto aos riscos. Já a pessoa física não contaria com a mesma sorte. “Os investidores individuais seguem o efeito manada, compram porque todos estão fazendo o mesmo. O problema é que, se houver um desastre, com grandes prejuízos financeiros, isso irá abalar a imagem institucional do Novo Mercado”, afirma.

Questões societárias relevantes permanecem fora dos regulamentos

Apesar da reforma promovida em fevereiro de 2006 nos regulamentos do Novo Mercado e dos Níveis 1 e 2 e do aprimoramento contínuo dos contratos firmados entre a bolsa e as companhias listadas, algumas questões societárias importantes ainda ficam de fora destes segmentos. É o caso, por exemplo, do acesso à lista de acionistas, lembrado por Marcelo Barbosa, sócio do Vieira Rezende Barbosa e Guerreiro Advogados.

A lista de acionistas permite aos minoritários se organizarem e fazer valer uma série de direitos previstos em lei, que exigem um percentual mínimo de participação no capital social de uma companhia para serem exercidos. São exemplos a indicação de um representante no conselho de administração, a solicitação de voto múltiplo, a capacidade para convocar assembléia geral e de instalar o conselho fiscal, entre tantos outros. São freqüentes as situações em que acionistas de uma determinada companhia encontram dificuldade de obter acesso a essa lista — uma situação estimulada pela ausência de orientação sobre os procedimentos a serem adotados tanto pelos solicitantes quanto pela companhia, e agravada pela existência de dois artigos da Lei das S.As conflitantes entre si.

De acordo com o artigo 126, a participação mínima exigida para solicitar a lista é de 0,5% do capital total; pelo artigo 100, não é preciso nem mesmo ser acionista. Outra contradição: o texto do 126 dá a entender que a solicitação da lista pressupõe o pedido de representação daqueles acionistas; o do 100 não fala sobre isso. Este, em seu parágrafo 1º, faculta à companhia repassar o custo de confecção da lista a seu solicitante. O 126 não diz nada a respeito. Nenhum dos dois artigos estabelece procedimentos padrão — nem para a solicitação pelo acionista, tampouco para a resposta que a companhia deve dar.

“O detalhamento desse passo-a-passo poderia ser feito perfeitamente via auto-regulação”, afirma Barbosa. “Para que o acionista tenha certa dose de conforto, basta estabelecer prazos e procedimentos claros, além de assegurar que nenhum custo de confecção da lista lhe será repassado”, completa o advogado.

A questão foi objeto de uma consulta realizada pela gestora de recursos independente Investidor Profissional à Superintendência de Relações com Empresas (SEP) da CVM, no final de 2005. Repassada à Superintendência de Desenvolvimento de Mercado, ainda aguarda uma resposta. (Camila Guimarães Hessel)


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