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Anos de reconstrução
Livres da inflação, fundos driblam as crises internacionais, resistem (ou não) à desvalorização do real, encaram a marcação a mercado e, depois de tudo, se preparam para um desafio não menos instigante: sair-se bem, apesar da queda dos juros

, Anos de reconstrução, Capital Aberto

Aqueles dias de outono seguiam agitados na Rua Boa Vista, em pleno coração financeiro de São Paulo. Os soldados do Exército estavam de prontidão nas esquinas, com armas pesadas carregadas e prontas para disparar. Os blindados enfileiravam-se à beira das calçadas e os transeuntes precisavam se desviar de seguranças e tropas. Era o começo de uma muito aguardada revolução. Trinta anos depois do início do golpe que instalou o regime militar, o Brasil preparava-se para um golpe que seria definitivo contra a inflação.

, Anos de reconstrução, Capital AbertoA face mais evidente do Plano Real, que entrou em vigor no dia 1o de julho de 1994, foi a troca de todo o meio circulante. Os antigos cruzeiros, que haviam perdido 15 zeros desde 1942, seriam substituídos por uma moeda forte, que passaria a valer um dólar a a partir daquela data. Como as agências da Rua Boa Vista seriam centros de distribuição das novas cédulas de dinheiro para boa parte da rede bancária, justificava-se a mobilização policial — aliás, desnecessária. Nada ocorreu no centro. A mudança foi surpreendentemente pacífica, exceto por marcar o início da mais profunda transformação por que passaria a economia brasileira desde a Revolução de 1930.

No início do Plano Real, os gestores tiveram de mudar sua forma de trabalhar. Superar a inflação já não era suficiente para satisfazer as exigências do investidor

A troca da moeda foi apenas uma das novidades. O Banco Central atuou logo cedo no dia 1o de julho, elevando violentamente os juros e deixando de comprar os dólares que entravam em profusão na economia, atrás da elevada remuneração e da isenção tributária de então. Com isso, em poucas semanas, o dólar passaria a valer menos que a moeda brasileira, um fato inédito na história. O impacto sobre o mercado financeiro foi intenso. De uma hora para outra, os bancos tiveram de conviver com a perda de uma generosa fonte de receita com a inflação. “O sistema bancário havia se desenvolvido para ser extremamente ágil na transferência do dinheiro de um lado para outro”, diria Roberto Setubal, presidente do Banco Itaú, em entrevista anos depois do início do plano. “O Real, assim como o Cruzado, obrigou os bancos a mudar a forma como trabalhavam, tarifando a prestação de serviços e voltando a conceder empréstimos.” Muitos ficaram pelo caminho. Dos 30 maiores bancos brasileiros em 1994, 20 haviam quebrado, sofrido intervenção ou sido vendidos no fim do ano 2000, quando o Banespa foi privatizado.

, Anos de reconstrução, Capital AbertoAs mudanças afetaram também a indústria de fundos. Assim como os bancos, os fundos tiveram de mudar sua estratégia: em vez de meramente defender o investidor contra a desvalorização da moeda, era necessário fazer o dinheiro render de verdade — e, de preferência, acima dos elevadíssimos juros reais que passaram a vigorar. Eles não estavam sozinhos, porém: havia uma ajudinha de Brasília. Os fundos, ao contrário dos Certificados de Depósito Bancário (CDB), tinham a vantagem de não pagar a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF).

Instítuída em 1993 com o nome de Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira, o IPMF, no início, cobrava 0,25% sobre cada transação bancária. Nos tempos de inflação alta, esse percentual — que, mais tarde, subiria para 0,30% e, posteriormente, para os atuais 0,38% — passava despercebido. Quando o dinheiro parou de derreter no bolso do cidadão, a cobrança da CPMF passou a fazer diferença, especialmente no caixa de empresas maiores. Nesse momento, grandes quantias que estavam aplicadas em CDB nas instituições migraram para fundos, normalmente exclusivos. Os gestores, claro, comemoraram. “Nunca foi tão fácil ganhar dinheiro. As maiores corporações me pagavam 0,5% para aplicar o dinheiro delas nos bancos que elas próprias indicavam”, diz um experiente profissional, que, para não melindrar seus antigos e atuais clientes, prefere não aparecer. “Hoje, as taxas de administração no atacado são uma fração do que eram.”

Estratégia das empresas e dos grandes investidores de fugir da CPMF gerou uma intensa migração de dinheiro dos CDBs para os fundos

Essa migração provocou um crescimento exponencial do mercado de fundos no Brasil. Em 1995, primeiro ano do Plano Real, o patrimônio dos fundos cresceu 17% em termos reais. No ano seguinte, avançaria mais 71%, para quase R$ 300 bilhões. A maior parte do dinheiro novo veio de fundos de renda fixa, turbinados pelo interesse das empresas e de investidores estrangeiros em busca das elevadíssimas taxas de juros reais. Não por acaso, foi o ano do desembarque das gestoras internacionais. Nomes grandes no exterior, mas praticamente desconhecidos por aqui, vieram testar o mercado. A maioria venderia os escassos ativos que havia conseguido e fecharia as portas poucos meses depois.

, Anos de reconstrução, Capital AbertoAS PRIMEIRAS CRISES — A situação brasileira era invejável até o primeiro semestre de 1997. A economia crescia, a bolsa batia recordes e os fundos de ações atraíam muitos investidores de varejo — tudo isso em um ambiente sem inflação. Havia só um ponto arriscado nessa equação: a enorme dependência da boa vontade dos investidores internacionais. O economista-símbolo dessa época, o presidente do Banco Central, Gustavo Franco, comemorava em todas as suas entrevistas o fato de o Brasil, tradicional exportador, apresentar elevados déficits na balança comercial. Era, diziam os economistas do governo, uma necessária injeção de investimentos para modernizar uma economia que permanecera fechada durante décadas.

, Anos de reconstrução, Capital AbertoEssa estrutura só se sustentava se chegasse dinheiro de fora, e muito. Assim, o temor foi geral em julho de 1997, quando a Tailândia desvalorizou sua moeda, o baht. Os investidores olharam a situação tailandesa. Havia um elevado déficit em transações correntes (como no Brasil), a moeda estava congelada em um nível artificial (como no Brasil) e havia uma pesada dependência de recursos externos (idem). Tudo isso contribuiu para uma redução no ingresso de capital externo. Quando a crise da Ásia chegou à Coréia do Sul, ao Japão e a Hong Kong, em outubro, o mercado brasileiro entrou em pânico. O Banco Central teve de vender bilhões de dólares de suas reservas em poucas horas para fazer frente à frenética saída de investidores. Era urgente tentar algo. E o governo partiu para o ataque em um de seus flancos, o desequilíbrio fiscal. Em outubro, no auge da crise, o ministro da Fazenda, Pedro Malan, divulgou o Pacote 51. Referências etílicas à parte, o pacote trazia 51 medidas para melhorar a situação fiscal do governo, que estava pesadamente deficitário desde 1994, privado dos ganhos com a própria inflação.

Anunciado solenemente, o Pacote 51 foi ainda mais solenemente ignorado. Apenas uma das medidas foi aprovada no Congresso — a que previa uma mudança na tributação dos fundos de investimento. Antes, o investidor só pagava imposto se resgatasse seu dinheiro. Agora, o Leão morderia 20% dos ganhos quer o dinheiro fosse resgatado ou não. Apelidada de “come-cotas”, por reduzir o total de cotas do investidor, a medida deixou a indústria de sobreaviso. Com bilhões à disposição, os fundos sabiam que poderiam ser os próximos convocados a dar sua parcela de contribuição às necessidades de caixa do governo. A situação se acalmaria um pouco no primeiro semestre de 1998, embora permanecesse um certo mal-estar no ar. Ninguém confessava abertamente, mas todos sabiam que o período de câmbio controlado tinha hora para acabar.

Em agosto, foi a vez de a Rússia chegar às manchetes. Enfrentando as dificuldades de uma dolorida transação para a economia de mercado desde 1991, os russos haviam feito dívidas em moeda forte. E, em pleno verão, Moscou anunciou que não as pagaria. O rublo, outra moeda controlada, perdeu 75% do seu valor. Um pacote de ajuda montado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) levou alguns dos principais executivos do Fundo ao ridículo: poucas semanas depois de enviarem ajuda aos russos, eles descobriram o dinheiro em contas de private banks em Nova York, algo que arranharia a imagem do Fundo.

Atentos à turbulência russa de agosto, poucos prestaram atenção ao que ocorreria em 23 de setembro: apenas os que conheciam uma empresa de gestão de recursos americana chamada Long Term Capital Management, ou LTCM. Sabia-se pouco sobre ela. Apenas que empregava dois prêmios Nobel em Economia, que atendia clientes com vários bilhões de dólares e que seus fundos eram muito, muito rentáveis. Aparentemente, a LTCM havia desenvolvido modelos matemáticos à prova de falha e, com base neles, alavancado suas posições a níveis inimagináveis. Até que, em setembro, a LTCM quebrou. Não foi uma mera quebra, mas um rombo de US$ 100 bilhões, que ameaçou a estabilidade do sistema financeiro mundial como um todo, obrigando Alan Greenspan, então presidente do Federal Reserve, o banco central norte-americano, a montar um pacote de ajuda à gestora. Todos os bancos americanos de alguma relevância foram convocados para ajudar a cobrir o buraco da LTCM.


MÁXI PARA ESTANCAR A SANGRIA — O impacto nas finanças globais foi imediato. Os investidores tornaram- se avessos ao risco e começaram a reduzir suas aplicações em ações de países emergentes, entre eles o Brasil. A partir de então, começou uma contínua e pesada sangria das reservas brasileiras, que eram o lastro para a defesa do câmbio. A pressão foi tão grande que, em novembro, os jornais noticiaram algo que não acontecia desde os anos 80. Uma missão do FMI estava em Brasília para socorrer o governo. A conta era alta. Somando-se o dinheiro do Fundo, do Banco Mundial, do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e de vários países do Grupo dos 7, chegava-se a um polpudo cheque de US$ 41 bilhões. Mesmo assim foi insuficiente para impedir a flutuação do real, que ocorreria no dia 15 de janeiro de 1999.

O estopim da crise foi a decisão do recém-empossado governador de Minas Gerais, Itamar Franco, de não honrar o pagamento de eurobônus emitidos pelo Estado. A medida provocou uma corrida às reservas e a estrutura não resistiu, desabando em poucos dias. A desvalorização derrubou dois presidentes do Banco Central — Gustavo Franco e Francisco Lopes — em poucas semanas. A flutuação fez a bolsa desabar e mandou à estratosfera o risco-Brasil. Também provocou profundas mudanças no mercado de fundos.

Marka e Santos dão trabalho aos fiscais

Os fundos do Boavista não foram os únicos a perder dinheiro com a flutuação do Real que ocorreu no dia 15 de janeiro de 1999. Dois pequenos bancos do Rio de Janeiro gerariam problemas desproporcionais para o governo nos meses subsequentes. Marka e FonteCindam, ambos oriundos de corretoras que operavam no mercado futuro, haviam apostado pesadamente na manutenção do câmbio controlado. Em vez de, como outros bancos, assumirem posições que ganhavam com a alta do dólar, os bancos — e os fundos que eles administravam — ficaram vendidos, ou seja, apostando na queda. A alavancagem era pesada, cerca de 20 vezes o patrimônio do banco Marka. Quando o dólar saltou de 1,21 real para 1,35, os fundos e os bancos sofreram perdas tão pesadas que foram além de seus patrimônios. Ambos foram socorridos pelo governo, com a justificativa de que, em meio ao turbilhão da desvalorização, a quebra de qualquer banco poderia colocar em risco todo o sistema financeiro.

Logo nos primeiros dias pós-crise, o Banco Central (BC) informou que os bancos haviam sido autorizados a comprar dólares a um preço que compensasse as perdas com seus patrimônios. Poucas semanas depois, no entanto, a imprensa derrubaria essa versão. O dono do Marka, o banqueiro italiano Salvatore Cacciola, teria usado um amigo de infância de Francisco Lopes, então presidente do BC, para conseguir uma injeção de R$ 1,5 bilhão. As reportagens provocaram uma tumultuada Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) em que atônitos parlamentares foram apresentados pela primeira vez às minúcias do mercado de derivativos e Francisco Lopes chegou a receber voz de prisão por recusar-se a depôr.

Quase cinco anos depois, em novembro de 2004, outra instituição financeira de médio porte entrou em colapso. Há tempos o mercado vinha desconfiando do Banco Santos, propriedade de Edemar Cid Ferreira, o mais festeiro dos banqueiros nacionais, com uma atuação muito visível no campo das artes e das gigantescas exposições. Operando junto a pequenas e médias empresas e com forte visibilidade na mídia, o Santos parecia ter alguns dos melhores fundos de renda fixa do mercado, com diversos prêmios recebidos em 2003 e 2004. Em novembro, o BC desceu o machado sobre o banco de Edemar, fechando suas portas.

Na entrevista coletiva do dia seguinte à intervenção, Paulo Cavalheiro, diretor de Fiscalização do BC, estimava que o rombo atingisse R$ 100 milhões. Seis meses depois, a conta havia subido para R$ 2,4 bilhões. Os interventores do BC descobriram que os premiados fundos do Santos não passavam de cascas ocas. As carteiras nada mais eram do que a contraparte de complexas e irregulares operações da tesouraria do banco, que na prática tinham pouquíssimo valor. Quando da liquidação, os fundos simplesmente evaporaram. Os cotistas que receberam alguma coisa tiveram de conceder generosos descontos. Na ocasião, tanto o BC quanto a Comissão de Valores Mobiliários foram duramente criticados pelo que o mercado interpretou como deficiências na fiscalização. Edemar, que passou um tempo preso, sempre teve bons amigos em Brasília. Um de seus principais clientes, aliás, resgataria vários milhões de reais do banco poucos dias antes da intervenção: o ex-presidente José Sarney.

Na virada de 1999, havia dois grupos de gestores bem definidos: os que desconfiavam da sustentabili- dade do real controlado e vinham se protegendo de uma possível desvalorização no mercado futuro de dólar, e os que quebrariam fenomenalmente antes que janeiro acabasse. No segundo grupo encontrava-se uma tradicional instituição financeira carioca, o Banco Boavista. Fundado em 1925, nos glamourosos tempos do Rio de Janeiro como capital federal, o banco não resistiu ao fim da inflação e foi vendido por apenas R$ 1 a um consórcio de investidores, em 1997. Alguns de seus fundos de derivativos eram os maiores do mercado na virada de 1999, mas os gestores cometeram um erro grave. Eles acreditaram na palavra do breve Francisco Lopes e apostaram na estabilidade do real. Excessivamente alavancados, os fundos tiveram pesados prejuízos. Um deles chegou a perder 114% de seu patrimônio. O banco desembolsou R$ 70 milhões e cobriu parte dos prejuízos dos 3,8 mil cotistas.

O caso fez jurisprudência e provocou mudanças na regulamentação. A partir de então, os investidores que aplicam em fundos de risco têm de assinar um termo de compromisso, dizendo que sabem que todo o dinheiro aplicado pode desaparecer e que o banco não necessariamente vai cobrir qualquer prejuízo, mesmo que as perdas superem o patrimônio total dos fundos.

O TRAUMA DA MARCAÇÃO — Adotado em janeiro de 1999, o câmbio flutuante resolveu boa parte dos problemas da economia sem provocar uma abrupta aceleração da inflação, como temiam os investidores. Capitaneada pelas mãos competentes de Armínio Fraga, a economia migrou para o câmbio flutuante quase sem sobressaltos. Mais do que isso, gerou um movimento de euforia no mercado. A bolsa de valores compensou os quase cinco anos de atraso em suas cotações e fechou com alta de 150%. A indústria de fundos também apresentou um excelente desempenho: o patrimônio total dos fundos encerrou 1999 em R$ 432 bilhões, com ganho de 25%.

Trauma da antecipação da marcação a mercado pelo Banco Central em maio de 2002 drenou R$ 50 bilhões dos fundos em poucas semanas

O novo milênio alternaria euforia e depressão, com a perspectiva de uma aceleração do crescimento econômico sendo contrabalançada pela ameaça do apagão e pela traumática mudança na vizinha Argentina. Depois de manter por dez anos a paridade cambial entre o peso e o dólar, a Argentina não foi capaz de sustentar essa política. O peso flutuou, a dívida não foi paga e os bancos perderam bilhões de dólares. Os problemas no país vizinho acabariam provocando o mais traumático episódio da história recente da indústria, a marcação a mercado.

Tudo começou com o temor quanto a cada vez mais provável eleição de Luiz Inácio Lula da Silva. A grande preocupação era o que Lula faria depois de eleito, e as cenas de protestos nas ruas e bancos fechados na Argentina ainda estavam muito vivas na memória. Por isso, os investidores buscaram proteção contra uma possível alta do dólar. A maneira era comprar grandes quantidades da moeda americana ou, na sua falta, de títulos públicos indexados ao dólar. Aí começou o problema. O Banco Central não queria elevar o percentual de suas dívidas indexadas ao dólar, e inventou um título composto por uma Letra Financeira do Tesouro (LFT) e por um swap cambial para atender à demanda. Porém, só havia lugar para os swaps cambiais. “Assim, os bancos e os gestores de fundos passaram a vender grandes quantidades de LFT, mas não havia demanda”, diz Alexandre Zákia, diretor de produtos do Banco Itaú.

Pela primeira vez desde sua criação, as LFTs — títulos pós-fixados e muito seguros — passaram a ser negociadas com desconto. Isso provocou uma distorção. A maioria dos gestores projetava a rentabilidade das LFTs até seu vencimento, sem se preocupar com o valor dos papéis no mercado. “O deságio tinha sido sempre mínimo até então”, recorda Zákia. Em março de 2002, porém, o deságio das LFTs era nítido, o que provocava uma situação potencialmente adversa para os investidores. Quem resgatasse o dinheiro investido nos fundos antes da marcação a mercado das LFTs (contabilização pelo preço efetivo de venda, não pela estimativa de rentabilidade) ganharia um prêmio sobre as cotações dos títulos, o que começou a provocar uma corrida aos fundos DI, especialmente por parte dos investidores institucionais. O Banco Central, na época responsável pelos fundos de renda fixa, começou a pressionar os gestores mercado para marcar os papéis. Depois de amplas negociações, ficou combinado que os fundos iriam reduzir gradualmente as distorções até setembro daquele ano.

Em maio, porém, Brasília mudou de idéia. Alarmado pelo fato de a volatilidade ter aumentado devido à aproximação das eleições, o BC disse que a marcação, antes prevista para setembro, teria de ser implementada imediatamente. Como conseqüência, no dia 28 de maio, os fundos tiveram de recalcular o valor dos títulos em seu portfólio. Foi um trauma. Carteiras que haviam comprado títulos longos, como os fundos DI do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal, chegaram a ver suas cotas retrocederem 5% em um único dia.

A indústria iniciou junho com dois problemas. Um, era passar a calcular o valor dos títulos em carteira todos os dias. O outro, muito mais grave, era explicar aos milhares de cotistas de fundos DI que as aplicações que eles pensavam ser seguras, na verdade, tinham risco. Não foi uma história fácil de contar. Dois números mostram o tamanho da encrenca: em dezembro de 2001, o patrimônio total da indústria era de R$ 556 bilhões. Doze meses mais tarde, já passadas as piores lembranças da marcação, a indústria ainda amargaria saques de R$ 116 bilhões, mais de 20% do total dos ativos. A mudança de idéia do BC havia custado caro à indústria.

A marcação foi a última grande crise por que passou a indústria de fundos. Desde então, descontada a quebra do Banco Santos e o encerramento de um ou outro fundo muito alavancado, a trajetória tem sido de um sólido e contínuo crescimento, tanto de ativos quanto de diversificação. Hoje, a indústria está madura, não só pelo tamanho e pelo histórico, mas também pela crescente sofisticação e diversificação de seus produtos. Os fundos se consolidam como o principal investimento à disposição do brasileiro, e deverão ser os financiadores dos próximos ciclos de crescimento da economia, como veremos na próxima reportagem.

México, Ásia e Rússia: crise das finanças

Tudo começou discretamente no dia 19 de dezembro de 1994. As agências internacionais começaram a noticiar mudanças no México. Com apenas três semanas no cargo, Ernesto Zedillo, novo presidente mexicano, anunciou que iria desvalorizar o peso, que estivera estável em relação ao dólar nos últimos sete anos. Levou algumas horas para que investidores, economistas e jornalistas percebessem que estava começando aquela que seria a primeira e uma das maiores turbulências em países emergentes registradas na segunda metade dos anos 90: a crise do México.

A crise mexicana teve todos os elementos que caracterizariam os abalos subseqüentes no mercado financeiro. Um governo sem disciplina fiscal havia acumulado enorme déficit em transações correntes. Para financiá-lo, emitiu dívida denominada em dólares. Quando a moeda começou a ser pressionada, o Banco Central do México passou a queimar reservas para manter a solvência dos títulos. O dinheiro ameaçou acabar, e a moeda teve de ser brutalmente desvalorizada, penalizando empresas, investidores locais e estrangeiros. Quem tinha dívidas em dólares viu seus passivos inflarem em poucos dias.

A situação do México só não ficou pior devido à rápida ajuda de seu vizinho do Norte. O presidente americano, Bill Clinton, passou por cima do Congresso e montou um pacote de ajuda ao México de US$ 40 bilhões. Foi o maior cheque assinado para conter uma crise em países emergentes.

Depois da ressaca, conhecida como efeito Tequila, os administradores de recursos passaram a ficar muito atentos aos indicadores nacionais, como, por exemplo, o saldo em transações correntes e os déficits na balança comercial, além da capacidade de pagamento. Não por acaso, em abril de 1997, muitos gestores de fundos internacionais olharam para os números da Tailândia e não gostaram do que viram.

O baht, a moeda tailandesa, vinha sendo controlada pelo Banco Central há anos e o país asiático, assim como a vizinha Malásia, carregava uma elevada dívida. Em abril, muitos gestores de fundos resolveram vender seus ativos tailandeses, criando o primeiro ataque especulativo da crise na Ásia. Foi o bastante para que, no dia 2 de julho, a Tailândia seguisse o caminho mexicano e desvalorizasse o baht. Duas semanas depois, a Malásia fez o mesmo com sua moeda, o ringgit. Entre julho e outubro de 1997, Indonésia e Coréia do Sul teriam de desvalorizar e tornar flutuantes suas moedas. Os países mais ricos da região, como Hong Kong, conseguiram manter inalteradas as suas políticas cambiais, mas essa defesa custou muito caro. Bilhões de dólares tiveram de ser gastos para defender a taxa de câmbio.

A turbulência não parou por aí. Pouco menos de um ano depois, em agosto de 1998, a Rússia anunciou que não iria pagar títulos da dívida externa que venceriam naquele mês, ao mesmo tempo em que desvalorizava o rublo em mais de 50%. Foi o suficiente para uma corrida dos investidores contra os ativos russos, que acabaria desvalorizando o rublo em 75% em relação ao dólar.

A trilogia das crises — México, Ásia e Rússia — afetou drasticamente o fluxo de dólares para o Brasil, que dependia muito do financiamento externo para sustentar o regime de câmbio fixo. Não por acaso, em novembro de 1998, pouco tempo após a crise da Rússia, o Brasil pediu ajuda ao Fundo Monetário Internacional (FMI). Dois meses depois, seria a vez de o Brasil desvalorizar o real, que permanecia vinculado à moeda americana desde julho de 1994.


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