A serviço do acionista
Responsabilidades dos administradores

, A serviço do acionista, Capital AbertoConselheiros e diretores agindo contrariamente aos interesses dos acionistas tornou-se cena frequente nos últimos anos. Episódios como o da Enron, em 2001, seguidos por diversos outros dotados de mirabolantes fraudes contábeis, evidenciaram o enorme potencial para desalinhamento de interesses entre administradores e acionistas — com os respectivos danos que os primeiros podem causar ao bolso dos segundos. Em 2008, ano de eclosão de uma das mais devastadoras crises financeiras mundiais, mais uma vez esse conflito tomou as páginas dos jornais. Controles e estruturas de governança foram criados ao longo da década para reforçar os laços entre os acionistas e seus agentes, mas mostraram-se surpreendentemente insuficientes.

Por trás dessa relação delicada, notou-se a presença dos vistosos pacotes de remuneração. Movidos pelos cifrões que piscavam no curto prazo, executivos pensaram pouco antes de assumir riscos abusivos. Também atrás das cortinas escondia-se o despreparo dos conselhos de administração, muitas vezes compostos de profissionais ilustres, mas pouco conhecedores do negócio da companhia e sem tempo disponível para analisar os riscos do negócio como deveriam.

É verdade que esses desalinhamentos ainda fazem bem menos estragos no Brasil do que no exterior. E que nossa lei societária dispõe de bons mecanismos para responsabilizar administradores que preferem atuar fora da linha. Confira-os a seguir.

Quais são os deveres dos administradores de companhias abertas?

Os principais estão contidos em três grandes pilares: os deveres de diligência, de lealdade com a companhia e de informar. Trata-se de conceitos abertos, cujo cumprimento deve ser analisado caso a caso. De forma geral, por diligência entenda-se a condução das atividades de forma responsável, aplicada e ética, como se o diretor estivesse administrando seu próprio negócio. Lealdade, no caso, significa que o administrador irá exercer o seu trabalho em benefício da companhia, deixando de buscar proveito próprio. E o dever de informar refere-se ao zelo pelo sigilo dos negócios e à necessidade de comunicar ao mercado todos os fatos relevantes (significativos na decisão de comprar, manter ou vender ações da companhia). Os administradores também têm o dever de não agir em conflito com os interesses da companhia e não podem atuar com abuso de poder e violação da lei ou do estatuto.

Os diretores estatutários de uma companhia aberta têm mais responsabilidades que os demais?

Essa é uma questão controversa, pois todos os executivos (sejam eles estatutários ou não) têm dever de lealdade à companhia em que trabalham e também aos seus acionistas. Eles devem agir no melhor interesse da empresa, e não no interesse próprio ou de determinados grupos. Em algumas situações, executivos de companhias em má situação financeira — e sobre as quais pairam suspeitas de condutas ilegais — evitam ser nomeados diretores estatutários para não responder com o próprio patrimônio, caso se verifique uma das situações legais que poderiam atingir os gestores da empresa. No entanto, essa cautela pode mostrar-se inútil. Se ficar caracterizado que o administrador, na prática, tinha as atribuições de um estatutário e atuava dessa forma, pode prevalecer o entendimento de que ele deve responder com os bens pessoais:
“As situações de fato também são legítimas, e nenhum diretor se exime de suas responsabilidades só por não ser estatutário”, afirma Marcelo Cosac, sócio do escritório Felsberg e Associados.

O diretor de relações com investidores responde sozinho pela obrigação de prestar informações?

Não. Ele é o principal responsável pela prestação de informações ao mercado, de acordo com o artigo 45 da Instrução 480/09 da CVM, mas isso não afasta a responsabilidade dos demais administradores. Esse princípio vale tanto para as informações periódicas — como as demonstrações financeiras anuais e trimestrais, e o Formulário de Referência (uma espécie de ficha cadastral da companhia) —, quanto para atos sem periodicidade, como a celebração de um acordo de acionistas ou uma aquisição. De acordo com a Instrução 358/02, caso o DRI não comunique ao mercado um fato relevante, por exemplo, os demais diretores que têm conhecimento do fato só se isentam de responsabilidade se o comunicarem à CVM.

As companhias abertas devem ter conselheiros independentes?

Não necessariamente, conforme a Lei das S.As., mas, sim, de acordo com as regras de negociação de ações nos níveis diferenciados de governança corporativa da BM&FBovespa. O conselho de administração das companhias com papéis negociados no Novo Mercado e no Nível 2 deve ter pelo menos cinco membros, sendo 20% ou mais deles independentes. Os conselheiros podem ficar até dois anos no cargo, e todos os mandatos vencem ao mesmo tempo. Já no Nível 1, não há essas exigências. Apenas é necessário atender ao que diz a Lei das S.As.: mínimo de três conselheiros.

De quem deve partir a iniciativa de entrar com uma ação de responsabilidade contra os administradores?

Em princípio, cabe à empresa tomar essa atitude, pois a atuação ilegal dos gestores causa prejuízos ao seu patrimônio. Para isso, é necessário aprovação em assembleia-geral (AGO ou AGE) pela maioria dos presentes. “A proposta da ação tem de ser submetida à assembleia, porque o assunto é de interesse da companhia”, diz o advogado Ricardo Genis Mourão, do escritório Velloza, Girotto e Lindenbojm. Aprovada a matéria, a empresa pode ajuizar a ação para pleitear uma indenização por danos causados pelos administradores. Se não o fizer no prazo de três meses a contar da aprovação, qualquer acionista pode entrar com a ação em nome dela. Mesmo que a matéria seja rejeitada na assembleia, um acionista titular de pelo menos 5% do capital social pode entrar com uma ação em nome da companhia. Nesses dois casos em que o acionista toma a iniciativa, os resultados da medida judicial vão para a empresa, mas esta deve indenizá-lo até o limite dos resultados auferidos e das despesas incorridas. Por fim, o acionista também pode, em nome próprio, acionar judicialmente o administrador, desde que demonstre ter sido prejudicado diretamente por um ato ilegal dele.

Quais as esferas possíveis para responsabilizar os administradores?

Há três: a cível, a administrativa e a criminal. Na primeira, via Poder Judiciário, a empresa ou o acionista podem pleitear uma indenização ou reparação a possíveis perdas ocasionadas por quebra dos deveres dos administradores. Na segunda, por meio da CVM, busca-se a punição administrativa, isto é, o administrador pode ser penalizado com advertência, multa (paga à própria CVM)ou inabilitação temporária para o exercício de cargo de diretoria ou no conselho de administração de companhia aberta. Já a terceira esfera está restrita aos crimes contra o mercado de capitais ou crimes corporativos (veja a última pergunta deste capítulo).

Por que a CVM é a esfera mais procurada para responsabilizar os administradores?

Porque é especializada e mais célere que o Judiciário. Outro motivo é a atividade fiscalizadora da CVM a partir da qual detectam-se irregularidades que dão origem à abertura de processos administrativos sancionadores, sem a necessária intervenção dos investidores ou terceiros interessados. Além disso, muitos advogados consideram que ter uma decisão favorável por parte da CVM ajuda o cliente perante o Poder Judiciário, com provável ganho de causa se ele pleitear uma indenização, por exemplo. Mas isso não é necessariamente verdadeiro: teoricamente, é possível ser absolvido em uma das três esferas, mas condenado em outras. A CVM pode conduzir o processo até o fim ou então aceitar uma espécie de acordo, fazendo com que o acusado assine um termo de compromisso, que não implica o reconhecimento de culpa.

Como funciona o termo de compromisso?

O alvo de um processo administrativo por parte da CVM pode propor a celebração do termo de compromisso, no qual ele se compromete a cessar o ato que praticava (ou supostamente praticava) e a corrigir as irregularidades. “No início, os termos de compromisso incluíam a prestação de algum serviço à comunidade, mas, hoje, geralmente envolvem o pagamento de um montante”, afirma o advogado Thiago Giantomassi, do escritório Demarest & Almeida. Aos poucos, percebeu-se que o desembolso de dinheiro pode ter maior poder educativo. A CVM recebe a proposta, avalia a gravidade da infração que está sendo objeto de investigação e, também, se existe alguma dificuldade em provar a acusação. A área técnica então elabora um parecer sobre o caso e o envia ao colegiado, que decide se aceita o termo ou se leva o processo até o fim. Caso a resposta do colegiado seja positiva, o processo se extingue após o cumprimento do compromisso. “A tendência é que mais casos sejam encerrados por meio de um termo de compromisso”, afirma o advogado Rodrigo Ferreira Figueiredo, do escritório Mattos Filho

Quais as vantagens do termo de compromisso?

O termo de compromisso é uma forma consensual de lidar com as irregularidades praticadas no mercado de valores mobiliários. Assim, sua principal vantagem é a agilidade, que transmite a mensagem de que o xerife do mercado está atento a desvios de conduta e irregularidades. Como pouco tempo decorre entre a abertura do processo e o seu encerramento, a sensação de impunidade não prevalece. “O termo de compromisso é um instrumento interessante, e muitos profissionais têm optado por ele para não perderem tempo com questões jurídicas”, diz Ricardo Genis Mourão, do escritório Velloza, Girotto e Lindenbojm. Ou seja, a celeridade também implica, para o investigado, mais tempo para cuidar do próprio negócio no dia a dia e menos dano à imagem decorrente de uma eventual condenação.

Os administradores de companhias abertas podem ser responsabilizados criminalmente em algum caso?

Sim, a Lei nº 10.303/01 incluiu alguns artigos que tratam dos crimes contra o mercado de capitais na Lei 6.385/76 (que criou a CVM e as bases do mercado de capitais brasileiro). Desde o fim de 2001, são crimes a manipulação de mercado, o uso indevido de informação privilegiada (insider trading) e o exercício irregular de cargo, profissão, atividade ou função. As penas podem ser de reclusão, detenção e multa (leia mais sobre uso indevido da informação na página 32 deste guia). Ainda são poucos os processos de crime contra o mercado de capitais. “São bem mais comuns as condenações de administradores por crimes enquadrados em outras leis”, afirma Sérgio Machado, advogado sênior do escritório Lefosse Linklaters. Dentre elas, a lei que define os crimes contra o sistema financeiro (Lei 7.492/86), a lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98), os crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo (Lei 8.137/90) e, por último, tão ou mais frequentes que os demais, os crimes contra a previdência (tipificados no Código Penal).

Quebra de diligência e lealdade

A mais recente crise que abalou o mercado de capitais brasileiro foi pródiga em exemplos de como os administradores de companhias abertas podem ser acionados na Justiça ou virar alvo de processos administrativos.

Em 2008, Sadia e Aracruz Celulose tiveram perdas no mercado de derivativos de, respectivamente, R$ 2,6 bilhões e US$ 2,1 bilhões. Embora ambas tenham garantido a sobrevivência após se fundirem com outras companhias, as consequências desse episódio não terminaram por aí. Os acionistas da Sadia aprovaram por unanimidade, em AGE de abril de 2009, a proposta de uma ação de responsabilidade contra o ex-diretor de finanças e desenvolvimento corporativo, Adriano Lima Ferreira, “pelos prejuízos causados à companhia em razão da celebração de operações com derivativos”. O mesmo fez a Aracruz Celulose. Em AGE de novembro de 2008, aprovou ação de responsabilidade contra o seu diretor financeiro, Isac Zagury. Em fevereiro do ano seguinte, entrou com a ação na 2ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro.

Mas nem só as empresas resolveram processar os seus diretores financeiros. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) abriu processo administrativo contra os 13 membros do conselho da administração da Sadia e contra Adriano Lima Ferreira. A autarquia irá checar se houve quebra do dever de diligência por parte dos conselheiros, já que eles aparentemente não fiscalizaram essas operações. Em 2006, dois diretores da Sadia e um executivo do banco ABN Amro já haviam sido objeto de um processo administrativo na CVM por conta de transações com ações da companhia a partir de informações privilegiadas, o que configura quebra do dever de lealdade. (L.D.C.)


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