A Smiles, uma das maiores gestoras de programa de fidelidade do País, está no centro do que promete ser um ruidoso embate com acionistas minoritários, episódio desencadeado por operações pouco triviais vinculadas à sua controladora Gol. Na segunda-feira 6 de julho, um grupo de minoritários enviou um documento às empresas e à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) queixando-se do fato de a Smiles, em março passado, ter destinado um total de 425 milhões de reais para a compra de passagens antecipadas para voos da Gol — empresa que, como seus pares do setor aéreo, foi fortemente atingida pela súbita e brusca retração da demanda diante da pandemia de covid-19. O curioso é que, pouco depois do despacho da reclamação, a administração da Smiles confirmou outra operação da mesma espécie. Só que equivalente ao triplo da primeira.
A notícia foi indigesta. No novo comunicado, a Smiles afirmou ter adquirido mais 1,2 bilhão de reais em créditos para compra de passagens aéreas. “A companhia tinha 1,4 bilhão de reais em caixa, e agora ficou com apenas 200 milhões de reais. É uma clara tentativa de esvaziamento do caixa da controlada para o socorro à controladora”, atesta Márcio Louzada Carpena, sócio do escritório Carpena Advogados e representante dos fundos de investimento Samba Theta, CSHG Suprassumo e Centauro I, que juntos detêm 4,02% do capital social da empresa de programa de fidelidade. “Não cabe à Smiles sustentar a Gol. Neste momento de dificuldade para as companhias aéreas, a controladora deveria buscar crédito no BNDES e junto a seus acionistas majoritários”, defende.
Impactos da pandemia
Não está em questão a relativização da dura situação das companhias aéreas durante a pandemia — a crise aguda é um fato incontestável. Não à toa, a gigante Latam Brasil, no último dia 9 de julho, entrou com pedido de recuperação judicial nos Estados Unidos. A filial brasileira foi incluída no processo aberto em meio pelo grupo Latam, no qual já estavam a holding chilena e as afiliadas de Peru, Colômbia, Equador e EUA. Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, o presidente da empresa, Jerome Cadier, citou a demora nas negociações com o banco oficial de fomento e ainda fraca demanda como os motivos principais para a recuperação judicial.
A ajuda do BNDES, citada tanto por Carpena quanto por Cadier, está sendo costurada há pelo menos três meses com Gol, Azul e Latam, e envolve o repasse de 2 bilhões de reais para cada uma das empresas. O BNDES entraria com 60% do montante, outros 10% viriam de bancos privados e o restante sairia do bolso de investidores via mercado de capitais, por meio da emissão de debêntures e bônus. Ocorre que já se especula, segundo informações da agência Reuters, que a inclinação do BNDES é de emprestar bem menos — e uma das justificativas seria exatamente a possibilidade de as empresas recorrerem a outras fontes de recursos menos ortodoxas, como o “financiamento” obtido pela Gol com sua controlada Smiles.
No documento em que anunciou a operação desta semana, a companhia de programa de fidelidade defendeu a necessidade de fortalecimento de sua “principal parceira comercial e operacional”, com a qual alega ter uma “interdependência intensa”. Os minoritários, no entanto, questionam a força desse vínculo. Para isso, usam como exemplo o histórico da própria Smiles. Criada em 1994 como programa de relacionamento da antiga Varig, a Smiles sobreviveu à falência da progenitora em 2006 e foi posteriormente comprada pela Gol, por 660 milhões de reais. “As operações estão sim interligadas, mas a Smiles é perfeitamente capaz de sobreviver se a Gol quebrar, assim como já aconteceu no caso da Varig”, afirma Carpena.
A controladora, por outro lado, não parece ser tão independente de sua controlada. O dinheiro da Smiles é parte essencial do plano da Gol para se recuperar do prejuízo de 2,26 bilhões de reais que apurou no primeiro trimestre de 2020. A companhia chegou a ensaiar uma tímida recuperação, com aumento de 63% nas vendas brutas consolidadas em junho em comparação ao mês anterior. Mas o cenário continua muito instável. Prova disso é o fato de a própria Gol projetar um prejuízo de 3,20 reais por ação no segundo trimestre deste ano.
Controladora afunda controlada?
A Smiles, vale lembrar, também sofreu com a pandemia. O lucro líquido da empresa foi de 56,3 milhões de reais no primeiro trimestre deste ano, montante 60,3% inferior ao registrado em igual período de 2019. As ações também estão apanhando: já acumulam perdas de 40% no acumulado de 2020 até o fechamento desta matéria. Segundo um advogado ouvido pela CAPITAL ABERTO que preferiu não se identificar, o preço sofre um alto desconto por causa de reiteradas interferências do controlador. “Diferentemente de outras empresas, a Smiles ainda não voltou ao preço pré-pandemia. E dificilmente deve retornar enquanto mantiver uma relação tóxica com a Gol”, avalia.
O vínculo entre as empresas começou a se esgarçar em 2018, quando a companhia aérea decidiu não renovar a parceria com a Smiles e anunciou que pretendia incorporar a controlada. O plano foi criticado por acionistas da Smiles, que viam no anúncio uma estratégia deliberada da Gol para enfraquecer as ações da empresa e, assim, incorporá-la por um preço melhor. O plano chegou a ser cancelado, mas retornou no ano passado sob nova roupagem e chegou a caminhar no início de 2020 antes de acabar enterrado de vez pela pandemia — afinal, a Gol ficou sem recursos para comprar as ações da Smiles.
Outra questão citada como fonte de insatisfação dos minoritários é a distribuição de dividendos. Se quisesse, a Smiles poderia redistribuir 100% do lucro para seus sócios, operação que, por si só, já ajudaria a aliviar a situação da Gol — sendo a maior acionista seria também a mais beneficiada. A empresa, no entanto, deixou todo o lucro em caixa para que fosse “emprestado” à controladora por meio das operações de compra de passagens, o que só fez esvaziar seus próprios ganhos.
Os minoritários já convocaram uma assembleia geral extraordinária para tentar afastar a diretoria da Smiles. Pretendem, ainda, entrar com ações na Justiça e na CVM para derrubar o que caracterizam como “ilegal ato de esvaziamento de caixa”. Caso a operação se mantenha, a Gol conseguirá, por hora, afastar os fantasmas de recuperação judicial e de eventual falência. Já a Smiles continuará com seu destino atrelado ao da controladora — para o bem ou para o mal.
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