Após o episódio com as Lojas Americanas, todo o mercado precisou recalcular a rota, desde as gestoras de crédito privado até os entes reguladores. Nesta linha, a B3 decidiu revisar as regras do Novo Mercado, segmento da Bolsa brasileira que “conduz as empresas ao mais elevado padrão de governança corporativa”, do qual a varejista fazia parte. A Bolsa iniciou uma consulta pública para que os agentes fizessem suas contribuições, no entanto, há discordâncias sobre parte das propostas, especialmente em relação ao “Selo em revisão”.
Embora seja considerada uma iniciativa positiva pelo mercado, a consulta pública, que contou com 58 contribuições das mais diversas, desde escritórios de advogados até empresas de capital aberto e representantes do mercado, mostra que ainda há alguns impasses a serem resolvidos.
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Uma quase unanimidade entre as propostas é a questão do “Selo em revisão”. Alguns agentes sugerem um maior controle no processo, que não deveria ser automático como propõpe a B3, já outros são completamente contra. Havendo ressalvas ou não, a preocupação é algo comum a todos, especialmente com a reputação das empresas.
O escritório Mattos Filho, que contribuiu durante a consulta pública, ponderou que a função de sinalizar aos investidores potenciais problemas na companhia que o selo teria já é atendida pela Resolução CVM 44, que trata da divulgação de fatos relevantes, posição também defendida pela Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais). “O problema é que isso talvez acabe implicando alguma consequência reputacional para as companhias, ainda mais do jeito que propuseram, que seria algo meio automático, sem rol taxativo, sem a possibilidade de a companhia interagir com eles. É meio complexo e talvez perigoso usar algo que pode gerar dano para as companhias. Achamos que deve ser repensada a situação”, aponta Caio Cossermelli, sócio de Mercado de Capitais do Mattos Filho.
O Machado Meyer, por exemplo, sugere que o “Selo em Revisão” só seja aplicado após a condução de um procedimento formal, garantindo o direito de manifestação prévia da companhia afetada.
“Definitivamente, o que causou mais preocupação foi isso. A minha preocupação aqui, é que, além de ser um processo ser altamente subjetivo, ele não prevê uma oportunidade de apresentação de uma justificativa da empresa, e a gente entende que isso pode gerar uma série de consequências negativas para ela”, comenta Gustavo Rugani, sócio da área de Mercado de Capitais do Machado Meyer. “Abre um flanco de discussão se a permanência do selo em revisão pode ser considerada um dano reputacional à empresa listada. E, em sendo, isso pode trazer consequências muito sérias nos instrumentos de endividamento dessas empresas porque é bastante comum que qualquer tipo de dano reputacional possa, inclusive, resultar no vencimento antecipado dessa dívida. Uma obrigação de pré-pagar.”
A proposição do Selo em revisão ainda gera um impasse entre os agentes. Enquanto entidades como a Anbima se opõem, argumentando que ele pode gerar interpretações errôneas e reações precipitadas dos investidores, outras como a ACE Governance preferem concordar com ressalvas, sugerindo que ele seja aplicado apenas em eventos claros e verificáveis, como o atraso de mais de 30 dias nas demonstrações financeiras e a solicitação de recuperação judicial.
Já entre as companhias do Novo Mercado, a proposta parece ter gerado mais insatisfação. Empresas como Vale, Natura e Marisa enviaram suas contribuições durante a consulta pública e se apresentaram contra o “Selo em revisão” nas premissas propostas pela B3. A varejista, no entanto, pondera que a aplicação deve ocorrer apenas após a instalação de um processo sancionador. Já grandes gestoras, como a Verde Asset, que também contribuiu no processo, acreditam ser razoável estabelecer um limite de materialidade para definir erros financeiros.
Considerando a complexidade do assunto, a Abrasca, uma das instituições que enviou sua carta de considerações à B3, reuniu com seu quadro de associadas, com 69 empresas listadas no Novo Mercado, representativas de 36% do total de companhias do segmento, e convidou 12 outras companhias, total de 81, para participar do processo de elaboração da carta com as propostas de ajuste para a B3. “Acho que a revisão do selo foi bastante impactante, mas diria que tem aspectos bastante positivos nas modificações. Tem alguns que são mais de acomodação a normas internacionais e a Abrasca julgou, com seus associados, que são razoáveis, ainda que representem diminuição da liberdade ou de autonomia das companhias para agirem da maneira que for mais apropriada para elas”, comenta Leandro Almeida, economista, coordenador-executivo da Comissão de Mercado de Capitais (COMEC) da Abrasca.
Limitações e aumento dos custos
A B3 propõe limitar a participação dos conselheiros em até cinco conselhos de administração de companhias abertas, com exceções para diretores executivos e presidentes de conselhos. Outra mudança proposta é limitar o mandato de conselheiros independentes a 10 anos.
Empresas como a Natura se opõem à limitação do número de conselhos em que um administrador pode participar, argumentando que essa avaliação deve ser feita internamente pela companhia, visão compartilhada pela Ace e pela Abrasca, assim como pela Anbima, que sugere que as participações em conselhos sejam divulgadas de forma transparente para evitar conflitos de interesse, mas sem impor um número limite de conselhos por conselheiro. Já o Machado Meyer sugere que essa limitação seja aplicada apenas para conselhos de companhias não relacionadas ao mesmo grupo econômico, visando garantir sinergia entre as empresas do mesmo grupo. A Verde Asset, por outro lado, concorda com a limitação da B3 e estende a regra para empresas fechadas.
“Quando as empresas têm um grupo econômico grande com várias subsidiárias, a prática recorrente é que você reproduza nas subsidiárias os órgãos diretivos da matriz listada. Uma mesma pessoa pode ser conselheiro de muito mais do que cinco empresas, e se a gente não fizer uma exceção para esses casos, o que isso pode resultar é um aumento de custo, e de perda de eficiência da empresa, porque ela passa a ter uma limitação de contar com os conselheiros dela em cinco subsidiárias, em quatro, ou talvez até menos”, aponta Rugani, do Machado Meyer, citando que, com isso, as empresas podem ter que começar a contratar outros conselheiros ou fazer uma diferenciação dos conselhos dentro do próprio grupo econômico.
Quanto ao tempo de mandato dos conselheiros independentes, há um impasse. O Mattos Filho, por exemplo, concorda com a necessidade de conselheiros independentes, mas sugere flexibilização para companhias de menor porte, além de propor um limite de mandato de 12 anos, em vez dos 10 propostos pela B3.
“Esses 12 anos em específico, são o melhor para as companhias de menor porte. Acho que é para dar mais flexibilidade, para não onerar muito as companhias. Entendemos que essa análise deveria ser limitada. Não dá para ser qualquer companhia aberta, por exemplo”, cita Cossermelli, do Mattos Filho. “Nossa principal sugestão é que seja limitado a companhia categoria A e que tenha ação negociada de fato. E também que haja alguma limitação para as companhias dentro do mesmo grupo, para que isso não pegue todas as companhias.”
A Abrasca não se colocou contra a proposição, mas pediu um prazo de adequação maior. O ponto da independência do conselheiro expirar depois de 10 anos é uma questão, comentou Almeida em entrevista à Capital Aberto, citando que essa é uma discussão internacional, visto que o mercado de conselheiros independentes é escasso. “Você tem que buscar no mercado um recurso que é escasso, são bons conselheiros, a IBGC tem uma boa função de criar, mas não é algo que simplesmente faz um curso. Tem uma expertise, uma experiência que você não compra, você não faz um curso e vira conselheiro, você precisa de uma longa experiência em gestão, pelo menos num nível adequado de companhias.”
Uma questão muito citada foi o aumento de custos que algumas das proposições podem trazer, como a necessidade de um comitê de auditoria estatutário e a declaração do CEO/CFO sobre a conformidade dos controles internos.
“Tem outros aspectos que são mais custosos. E a Abrasca, representando as companhias, se colocou de contra. A asseguração do CEO e do CFO, basicamente, é um seguro que você tem que pagar caso esses profissionais sejam acionados em algum tipo de causa cível ou criminal, que vem dos EUA, é bem comum lá”, comenta o executivo da Abrasca. “Mas a gente tem um outro mercado, outras dificuldades, um mercado com juro real muito diferente do juro real americano, é um custo de emissão completamente distinto, um outro mercado. E se a gente for trazer os mesmos custos para companhias americanas para cá, você desfavorece o mercado, dado que a gente tem custos mais elevados.”
Para Cossermelli, do Mattos Filho, a proposição de um comitê de auditoria também pode ser desnecessária e custosa, visão que é compartilhada pela carta enviada pela Abrasca À consulta pública da B3, enfatizando a importância de uma abordagem diferenciada para empresas menores, para evitar custos desnecessários.
“A gente precisa de um comitê de auditoria estatutário? Eu não sei. Até fizemos uma pesquisa aqui no escritório, porque hoje em dia a gente tem um comitê de auditoria, estatutário ou não. Acaba que a maioria já é estatutário, mas não sei se vale a pena obrigar que seja. Não sei se tem grande vantagem, fora ter um impacto financeiro considerável para as empresas, principalmente as menores”, aponta o advogado.
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