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Dívida mais cara e economia aquecida refletem nas ações das mais alavancadas
Às vésperas da próxima temporada de balanços, analistas observam possibilidades para empresas mais endividadas da bolsa brasileira
Ângelo Belitardo, gestor da Hike Capital
Ângelo Belitardo, gestor da Hike Capital

Às vésperas da próxima temporada de balanços, analistas aguardam os retratos dos efeitos do cenário econômico sobre os resultados das companhias abertas no terceiro trimestre. Boa parte dos papéis já precificam antecipadamente alguns movimentos do período encerrado em setembro, mas os olhares estão muito mais atentos agora às radiografias reais para atualizar projeções. Um ponto de atenção é o indicador de dívida líquida relacionado à geração de caixa – o primeiro afetado pela mudança de rota da Selic e, o segundo, pela tração da economia. A questão que contribui agora para a volatilidade das ações é: qual desses fatores poderá afetar mais a alavancagem das empresas endividadas com listagem na bolsa brasileira?

As dez companhias mais alavancadas da B3, ou seja, aquelas com maior relação dos indicadores dívida líquida/ebitda (geração de caixa para pagar o endividamento) são de setores distintos. Contudo, há presença maciça de commodities (alimentos e minerais) e de infraestrutura energética. As cinco empresas que ocupam o topo da lista são Braskem, Simpar (holding da JSL, de logística), Marfrig, CSN e Cosan, indica um retrato elaborado pela consultoria Elos Ayta para a Capital Aberto.

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São alavancagens que superam 3,5x a relação dívida líquida/ebitda, um nível considerado alto pelas agências de rating, lembra Flavio Conde, analista da Levante Investimentos. “As empresas endividadas no Brasil vivem momento delicado, e suas ações estão caindo ao longo do ano. Havia uma perspectiva de redução do custo do dinheiro, de 11% para 9% no final do ano [Selic], mas o custo voltou a subir”, resume Conde, da Levante. “Boa parte do endividamento das empresas está em CDI, atrelada à Selic”, continua.


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De acordo com a Elos Ayta, no ano, as ações de quatro entre as cinco mais alavancadas recuaram – sendo Marfrig a exceção. Nesta ordem, as ações da Braskem perderam 11,34%, para R$ 19,38; Simpar recuou 46,31%, para R$ 5,17; já os papéis da CSN registraram queda de 34,79%, para R$ 12,16; e as ações da Cosan perderam 31,56%, cotadas a R$ 12,80. Todos os valores consideram a variação no acumulado no ano até o encerramento do pregão em 8 de outubro. As ações da Marfrig valorizaram 38,76%, para R$ 13,46.

A Selic voltou a subir em setembro, e alcançou 10,75% ao ano. Vale lembrar que na terça (08) foi oficializado o nome de Gabriel Galípolo para a condução do Banco Central a partir de janeiro de 2025 – aprovado em sabatina no Senado Federal. As apostas são de que a autoridade monetária deve manter a trajetória de alta da taxa básica de juros, de olho na inflação crescente. Nesta quarta (09), aliás, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou alta de 0,44% do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) em setembro.

Hugo Baeta, analista de renda variável da AF Invest, destaca que os indicadores das empresas de commodities integrantes da listagem devem melhorar, já que o pior ponto do ciclo já passou. “Os resultados dessas companhias já vêm sendo bons e a perspectiva para frente também está melhor”, diz Baeta, sobre as empresas que operam com commodities alimentícias e minerais. Ele reforça que Marfrig, CSN e JBS, por exemplo, se enquadram na análise e podem ver ganho por ação. A Braskem, vale lembrar, passa por um momento mais delicado por conta do colapso de uma mina em Maceió.

Raony Rossetti, CEO da Melver, pondera que, entre as cinco companhias mais alavancadas da bolsa, a Marfrig possui o maior controle sobre o indicador. “A CSN depende fortemente do cenário internacional, enquanto a Cosan tem plena capacidade de reduzir sua dívida por meio da venda de ativos”, resume. Para ele, dívida líquida/ebitda acima de 3x já configura alavancagem alta, visto que evidencia uma grande dependência de dívida para financiar as atividades da empresa. “Isso pode ser arriscado, pois significa que uma parte significativa do seu fluxo de caixa será destinada ao pagamento de dívidas”, avalia.

O analista da Levante destina um olhar “preocupado” para as ações da holding Simpar, do qual faz parte a JSL (logística), e as ações da Cosan. É que são companhias muito alavancadas e com uma receita “recorrente” – a qual não aumenta consideravelmente da noite para o dia, mesmo em uma economia com tração, diz o analista. Ele acrescenta ainda, à lista, a Localiza.

Um fato que pode agregar valor à Cosan foi anunciado nesta terça (08). O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei do Combustível do Futuro, que incentiva o aumento de etanol na mistura da gasolina. A regulamentação deve impactar favoravelmente à companhia. A Capital Aberto procurou a empresa, que está em período de silêncio por conta da próxima temporada de balanços.   

Já a Simpar, holding verticalizada com atuação em negócios diversificados e voltado ao ramo de transporte rodoviário, aluguel de carros, caminhões e máquinas agrícolas, assim como gestão de resíduos e outros negócios, apesar da alta alavancagem, tem um “oceano azul” de crescimento pela frente, opina Ângelo Belitardo, gestor da Hike Capital.

“A companhia já é a maior empresa de logística do Brasil. Mesmo que sua alavancagem esteja alta, o retorno do modelo de negócios da companhia (ROIC), projetado para os próximos anos, gira em torno de 18% a 23%, quase o dobro do custo do seu endividamento”, afirma Belitardo. Dessa forma, diz, a gestora acredita que a alavancagem será convertida em valor às ações da companhia. Em períodos de juros altos, contudo, a lucratividade e a geração de caixa livre ao acionista continuam comprometidas, acrescenta o gestor.

Grande parte do endividamento da holding reflete a aceleração do crescimento da JSL, Movida e da Vamos, líder no setor de aluguel de caminhões e máquinas agrícolas. Segundo a Hike Capital, no Brasil, cerca de 1,5% dos caminhões que transportam cargas são alugados, fatia que evidencia o potencial para a companhia acelerar crescimento e consolidar-se no setor. Para efeito de comparação, nos Estados Unidos esse percentual ultrapassa a marca dos 25%. A JSL, que integra a holding, fez aquisições cujas sinergias mostraram efeito na geração de caixa, movimento que deverá colaborar para o recuo do endividamento da holding, continua o gestor.

A Simpar informa em relatório que sua alavancagem é de 3,8x, dado que difere do elaborado pela consultoria Elos Ayta – o qual aponta 4,28x. Apesar da diferença de cálculo, a companhia segue acima da linha de 3,5x considerada alta por analistas e agências de rating. Einar Rivero, CEO da Elos Ayta, diz que o cálculo elaborado pela consultoria considera metodologia igual para todas as companhias e tem base em demonstrativos publicados pelas empresas na Comissão de Valores Mobiliários (CVM). “Não são considerados ajustes eventuais feitos nos números publicados em seus releases”, disse Rivero.

Em nota, a Simpar informou contar “com um caixa robusto” e que “mantém o equilíbrio da alavancagem, estrutura de capital sólida e perfil de dívida alongado. Ao final do segundo trimestre de 2024, o índice de alavancagem da companhia, medido pela dívida líquida/ebitda, permaneceu estável”.

Ciclos de commodities

Hugo Baeta, analista de renda variável da AF Invest, reitera que companhias de commodities passam por ciclos de alta e baixa de operações. Mesmo em setores distintos, ele comenta que as integrantes do topo da lista estão em ponto de baixa do ciclo, quando começam a consumir mais caixa e as margens ficam “muito baixas”.

Nessa linha, a Marfrig está trabalhando para modificar seu perfil. Belitardo, gestor da Hike Capital, lembra que a empresa passou por momentos turbulentos com a alta de juros e queda nos preços da proteína animal. “Seu endividamento foi, em grande parte, utilizado para reestruturar a companhia com a aquisição da BRF e a ação já mostrou grandes sinais de recuperação com as mudanças realizadas na empresa adquirida”, continua Belitardo.

Entre as cinco mais alavancadas, de fato, a ação da Marfrig foi o único que obteve ganhos no acumulado do ano, segundo dados da Elos Ayta. Entre janeiro e 8 de outubro, a ação valorizou 38,76%, para R$ 13,46 no último dia 8.

A companhia de alimentos vendeu o negócio de carne bovina e ovina para a Minerva, possibilitando, então, o avanço de seu projeto de expansão no segmento de produtos industrializados. Esses itens respondem por maior margem de lucro – estratégia que reduz exposição às oscilações no preço da commodity. O negócio entre as indústrias foi anunciado há cerca de um ano, mas acaba de ser aprovado, em setembro, pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).

“Com essa venda, R$ 6 bilhões devem ser injetados na companhia [Marfrig], possibilitando uma gradual desalavancagem. Acreditamos que os resultados e alavancagem devam melhorar gradualmente, conforme se materializam a reestruturação da BRF, melhora no preço da proteína animal, e venda de ativos não ‘core’”, finaliza o gestor da Hike Capital.

É preciso observar se, na ponta consumidora, as vendas não perderão fôlego em algum momento mesmo com o bom índice de empregabilidade do brasileiro. É que os preços das carnes e da energia elétrica foram “vilões” do IPCA em setembro, conforme indicaram ontem os dados do IBGE.  

Por fim, Equatorial, Neoenergia, Eletrobras, além da já citada Cosan, têm a alavancagem alta pelo próprio modelo de negócios, lembram os analistas. São companhias que conseguem se endividar acima da média em comparação a outros setores da economia porque tem demanda consistente ao longo do tempo. “Essas empresas vão continuar endividadas, mas o retorno é mais previsível e ainda têm muito investimento para fazer”, opina Baeta, da AF Invest.


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