Os atos recentes do presidente da República, dirigidos contra a Constituição e o Supremo Tribunal Federal (STF), dominam as discussões, impossível ignorá-los. Vivemos sob uma espécie de golpe permanente, numa situação em que um presidente eleito democraticamente atenta contra o sistema mediante o qual se elegeu. Em nome da “liberdade” incentiva seus apoiadores (em número cada vez menor) a solapar os princípios constitucionais, dizendo jogar, em tosca imagem futebolística, “dentro das quatro linhas da Constituição”.
Uma atitude manifestamente contrária à Constituição é a ameaça de empregar as Forças Armadas como “Poder Moderador”, em caso de disputa entre os poderes da República. A prevalecer tal equivocado entendimento, caso ocorresse um conflito entre o STF e o presidente, este poderia chamar as Forças para resolver a questão, com base no artigo 142 da Constituição, que assim dispõe: “As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.
Ora, o Poder Moderador, na Constituição de 1824, era atribuído ao imperador, como poder pessoal de chamar quem desejasse para organizar ministérios, ignorando o sistema representativo. Já na época, na ácida crítica de Frei Caneca, constituía a chave-mestra da opressão da nação brasileira. Abolido o Império, enterrou-se a esdrúxula figura, incompatível com um sistema republicano baseado na separação dos três poderes.
No sistema jurídico vigente não há qualquer hipótese de se recriar o Poder Moderador, atribuindo-o às Forças Armadas, para legitimar uma intervenção militar, o que significaria evidente atentado à Constituição.
Defesa do Estado
O artigo 142 não delega às Forças Armadas esse poder moderador. Está contido no Título V da Constituição, que trata justamente “da defesa do Estado e das instituições democráticas”. Assim, incumbe às Forças a defesa do regime democrático, incompatível, por definição, com qualquer forma de intervenção autoritária.
Compete ao Supremo, precipuamente, não a qualquer outro poder, a guarda da Constituição (art. 102 da Constituição). E o STF, por meio de seu presidente, em ação movida pelo PDT no ano passado, concedeu liminar declarando que as Forças Armadas não exercem poder moderador em eventual conflito entre Executivo, Legislativo e Judiciário.
A chefia das Forças, competência do presidente da República, constitui um poder limitado, não podendo ele intervir no Legislativo ou Judiciário, o que configuraria crime de responsabilidade, a justificar seu impeachment.
Numa federação, nenhum poder prevalece sobre os demais, sob pena de se infringir a Constituição, pois entre eles não existe relação de hierarquia. Os três poderes são independentes e harmônicos entre si (artigo 2 da Constituição). Na interpretação da Constituição, a última palavra será sempre do Supremo. O Poder Moderador foi sepultado com a proclamação da República, não fazendo qualquer sentido incitar sua ressurreição para aumentar ainda mais nossa instabilidade institucional.
Nelson Eizirik é advogado no Rio de Janeiro e em São Paulo e professor da FGV Direito Rio
Leia também
Lei das S.As. em reforma: uma oportunidade perdida
Cortina de fumaça encobre ESG na cadeia de alimentos
Meia-volta no sistema eleitoral
Manifestos em defesa da democracia reforçam protagonismo da sociedade civil
Para continuar lendo, cadastre-se!
E ganhe acesso gratuito
a 3 conteúdos mensalmente.
Ou assine a partir de R$ 9,90/mês!
Você terá acesso permanente
e ilimitado ao portal, além de descontos
especiais em cursos e webinars.
User Login!
Você atingiu o limite de {{limit_online}} matérias gratuitas por mês.
Faça agora uma assinatura e tenha acesso ao melhor conteúdo sobre mercado de capitais
Ja é assinante? Clique aqui