A pesquisa científica demora para dar frutos, o processo teórico e empírico tem fases que precisam ser vencidas para que o conhecimento avance. Muitas vezes esse avanço implica refutar consensos estabelecidos, que refletem o uso dos melhores conhecimentos disponíveis. Isso vale para os argumentos deste artigo. Eles estão publicados em renomadas revistas científicas, ou, dado o dinamismo da situação, são escritos por pesquisadores de grandes universidades com bons argumentos.
Os efeitos do vírus na economia são bem conhecidos. As projeções indicam uma queda do PIB do Brasil neste ano superior a 5% em comparação com 2019. O impacto setorial é heterogêneo: a manufatura sofre menos reflexos diretos e serviços são mais atingidos. Pandemias não são comuns, então não há muitos estudos a respeito de suas implicações econômicas. Mas uma interessante tentativa recente¹ observa que, durante a gripe espanhola, cidades que fizeram isolamento mais forte não tiveram uma queda de atividade maior do que a de outras cidades e sua recuperação foi mais vigorosa. Um exemplo ainda preliminar na atual crise é a China.
Na maior parte das cidades chinesas, o isolamento durou por volta de um mês, mas foi total. Praticamente 100% das pessoas em casa. Atualmente, em Xangai, as escolas continuam fechadas, a ocupação no transporte público ainda é consideravelmente menor, turismo e viagens comerciais estão muito deprimidos e as lojas de rua e os shopping centers estão abertos, porém vazios. Para entrar em muitos prédios comerciais e residenciais é necessário medir a temperatura. O governo também está acompanhando pelo histórico do celular o risco de cada indivíduo e indicando um score que, no pior caso, obriga a pessoa a ficar em quarentena. Com todo esse controle, a economia voltou rapidamente, com a exceção dos setores mencionados anteriormente. A opinião foi construída sem considerar números oficiais do país, pela desconfiança de que compartilho em relação a eles, mas com base em leituras de jornais ocidentais, conversas com professores, empresários e colegas de empresa que moram na China.
No ocidente, os países mais atingidos estão tendo repostas mais erráticas e desorganizadas, mas eventualmente todos adotaram alguma forma de distanciamento social ou quarentena, mesmo aqueles que relutaram, como Suécia e México. Ainda que a tecnologia estivesse disponível, sem renúncia à privacidade, como na China, é difícil religar a economia. Pior ainda nos países mais pobres, com grande número de pessoas vulneráveis e pouca infraestrutura hospitalar.
As consequências econômicas da covid-19 são amplas e crescem com os atrasos e erros no isolamento. Não há uma escolha entre saúde e economia. Voltar à vida normal muito cedo pode ter um custo econômico enorme se houver necessidade de medidas mais duras, como ocorreu na Itália e na Espanha. Para quem ainda não se convenceu, um artigo publicado em uma das mais renomadas revistas acadêmicas de medicina no mundo² estima que morreram 31.415 pessoas por causa do aumento de desemprego entre 2012 e 2017 — por volta de 5.200 mortes ao ano. Fazendo os sacrifícios necessários (sem muita rigidez), o Brasil já tem, neste 26 de abril em que escrevo, cerca de 4.200 mortes. Imagine quantas já seriam se tentássemos viver a vida normalmente para manter a economia funcionando.
A principal ação dos governos deve ser auxiliar os mais vulneráveis, que têm baixa renda e terão seus empregos comprometidos pela crise. Para isso, é importante ajudar as empresas que empregam essas pessoas. Até agora, a Alemanha, país com maior disciplina fiscal do mundo, fez o maior apoio à economia. Usou quase 35% do PIB para cortar impostos, aumentar gastos, emprestar e injetar dinheiro em empresas e bancos públicos e garantir empréstimos (a maior parte do programa). Sem contar as ações inéditas dos bancos centrais. No Brasil, as medidas fiscais estão em torno de 3,5% do PIB, próximo à média de países emergentes.
Com certeza é muito dinheiro, mas um economista da Universidade de Chicago, Luigi Zingales, fez uma conta simples usando um valor estatístico de uma vida nos EUA (14,5 milhões de dólares) e considerando um desconto para os mais idosos, os mais atingidos. Sendo muito conservador e considerando números até três vezes menores do que os disponibilizados pelo CDC (agência de controle e prevenção de doenças do governo dos EUA), o governo deveria gastar 38% do PIB para evitar essas mortes.
O mundo já estava com dívidas em níveis recordes antes da covid-19 e agora os déficits públicos explodindo vão alimentá-las ainda mais. No futuro, a liquidação dessas dívidas será feita por uma combinação de fatores. Impostos mais altos e formas de repressão financeira, entre elas juros muito baixos por muito tempo e medidas regulatórias. No Brasil, o segundo semestre já será de discussões no Congresso sobre formas criativas de diminuir o déficit. Ideias sempre presentes em Brasília, mas que pareciam distantes, terão aumento relevante de probabilidade de aprovação: imposto sobre grandes fortunas e sobre dividendos e contribuições provisórias. As leis da economia, afinal, são tão inescapáveis quanto as da medicina.
*Evandro Buccini é economista-chefe da Rio Bravo Investimentos
Notas
¹Correia, Sergio and Luck, Stephan and Verner, Emil. “Pandemics Depress the Economy, Public Health Interventions Do Not: Evidence from the 1918 Flu”. (March 30, 2020).
²Hone, Thomas et al. “Effect of economic recession and impact of health and social protection expenditures on adult mortality: a longitudinal analysis of 5565 Brazilian municipalities”. (2019)
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