O persistente movimento dos “coletes amarelos” na França é um dos recentes exemplos do aumento difuso da tensão social ao redor do mundo, descontentamento decorrente de um cenário de desigualdade, desemprego, desafios de aposentadoria e pressão da tecnologia sobre a oferta de trabalho. É patente a incapacidade dos governos para encontrar soluções, o que torna fundamental o engajamento das empresas nessa jornada. Larry Fink, CEO da BlackRock, gestora de recursos americana com 6,3 trilhões de dólares sob sua guarda, tem sido um bom modelo: exerce relevante papel para conscientização das empresas ao reforçar a necessidade de refletirem sobre o seu papel na sociedade.
A carta anual que Fink escreveu em 2018 para CEOs das empresas investidas, intitulada “Senso de propósito” foi um marco. Na carta deste ano, “Propósito e lucro”, o CEO defende práticas que impulsionem crescimento e lucratividade sustentáveis no longo prazo e alerta para o risco de empresas e governos se concentrarem no curto prazo. Em sua visão, propósito e lucro são conceitos indissociáveis — assim, as empresas deveriam assumir responsabilidades adicionais, como o auxílio no planejamento da aposentadoria de seus funcionários. Esse tipo de ação geraria uma força de trabalho mais estável e engajada e também uma população financeiramente mais protegida.
A conscientização das empresas a respeito de seu propósito social muitas vezes implica em mudança de cultura. Trata-se de um processo desafiador, mas inevitável, principalmente considerando que deve crescer ainda mais o clamor por engajamento das empresas — vale lembrar que os millennials (hoje representantes de cerca de 35% da força de trabalho) e as gerações seguintes logo vão comandar as empresas. Atrair e reter os melhores talentos exigirá, cada vez mais, uma clara expressão de propósito por parte das empresas.
Fink também destaca que a “passagem de bastão” da geração de baby boomers (nascidos no pós-guerra) para os millenials representará a maior transferência de riqueza da história, de aproximadamente 24 trilhões de dólares. À medida que a riqueza muda de mãos, mudam também as preferências de investimento — e questões ambientais, sociais e de governança serão mais relevantes nas avaliações das empresas.
Os desafios globais são expressivos. O OXFAM Briefing Report, publicado em janeiro de 2019, alerta para uma contínua concentração de riqueza: em 2018, as 26 pessoas mais ricas do mundo detinham recursos equivalentes aos da metade mais pobre da população mundial (3,8 bilhões de pessoas). Em 2017, grupo de 43 pessoas mais ricas concentrava a metade da riqueza mundial.
A educação é fundamental para a mobilidade social, que, por sua vez, é essencial para o combate à desigualdade e para a redução da pobreza. Serviços públicos universais e gratuitos nas áreas de educação e saúde são indispensáveis para se permitir mobilidade social. O Oxfam observou que a mobilidade intergeracional na América Latina é muito baixa porque a qualidade da educação difere muito entre as classes sociais.
Um país precisa investir em seu capital humano, e o melhor investimento é prover educação de qualidade para todas as crianças, de forma a garantir que atinjam plenamente seu potencial. O projeto educacional deve contemplar não apenas informação: deve também contribuir para a formação de cidadãos éticos, com capacidade de refletir e de formar opinião própria.
O Estado brasileiro cobra impostos pesados (em contrapartida, oferece serviços insuficientes e de baixa qualidade) e tem grande presença na economia com baixa governança, o que cria um terreno fértil para atos ilícitos. É urgente a discussão sobre esse papel inadequado do Estado, para que se cuide melhor do capital humano do País.
*Ana Siqueira, CFA ([email protected]) é sócia fundadora do Artha Educação
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