Recentemente, a Vale propôs uma alteração em seu estatuto social a fim de reformular o procedimento para preenchimento dos cargos do seu conselho de administração. O assunto acabou gerando grande agitação, muito em razão do que acredito ser uma inadequada compreensão da previsão de que as eleições seriam realizadas por votação majoritária, admitida a manifestação de voto contrário aos candidatos submetidos à assembleia.
Ao fim e ao cabo, a administração retirou a proposta, tendo em vista a manifestação contrária à sua legalidade emitida pela Superintendência de Relações com Empresas da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). No entanto, a Vale ressaltou que se reservava o direito de requerer, no momento oportuno, o reexame da matéria pela CVM, criando a expectativa alvissareira de que o assunto voltará a ser debatido com a serenidade merecida.
A intenção da companhia se justifica, pois as opiniões divergentes que foram suscitadas à época, algumas delas com uma dose de catastrofismo, bem demonstram o quanto o assunto está longe de uma conclusão madura. Entre outras posições que podem merecer maior reflexão, destacam-se abaixo três de singular importância.
Prejuízo para os minoritários?
A primeira diz respeito à afirmação de que o voto negativo representaria um instrumento de dominação do acionista controlador e de opressão aos acionistas minoritários, que seriam prejudicados em sua capacidade de eleger membros para o conselho. Quanto a isso, é preciso dizer que o voto negativo é irrelevante para as companhias sob controle acionário, pela simples fato de o controlador deter a maioria de votos e, por consequência, sempre prevalecer nas votações majoritárias. Não é por outra razão que o legislador criou mecanismos de “representação minoritária”, como o voto múltiplo e a votação em separado.
Direito de veto
A segunda refere-se ao argumento de que, nas companhias com capital disperso, o voto negativo criaria uma espécie de direito de veto ou “bola preta” em favor de determinado grupo acionista contra os candidatos indicados por outros. Tal opinião, contudo, ignora o princípio majoritário, norma de ordem pública (art. 129 da Lei das S.As.), que governa o funcionamento da assembleia. Por força desse princípio, o maior número de votos favoráveis sempre prevalecerá sobre o menor número de votos negativos atribuídos a determinado candidato. Em uma companhia sem controlador, caso determinados acionistas decidam votar, em conjunto, contra certo candidato, haveria ainda assim amplo espaço para que ele fosse eleito com o apoio de outra parcela da base acionária. Em verdade, é a proibição ao voto negativo que, em determinadas circunstâncias, pode desvirtuar a lógica das eleições, na medida em que possibilitaria a eleição de candidato apoiado por pouquíssimos votos fovoráveis, ainda que todo os demais acionistas entendessem que sua participação na administração não estaria alinhada ao interesse social.
Cisão da eleição em duas etapas
Por fim, também merece maior reflexão a opinião segundo a qual o voto negativo teria por efeito cindir a eleição em duas etapas: na primeira seriam aprovados os candidatos que colhessem maior número de votos positivos do que negativos; na segunda, seriam eleitos, dentre os candidatos aprovados na primeira fase, aqueles que tivessem obtido o maior número de votos favoráveis.
Essa leitura não parece correta, porque, assim como em qualquer outro método de votação, só se elegem os candidatos que receberem a maioria absoluta de votos válidos dos presentes à assembleia e, se o número de candidatos que atingirem tal quórum for superior ao de vagas disponíveis, prevalecem, por critério de desempate, aqueles que obtiverem o maior número de votos favoráveis. É exatamente dessa forma que ocorre nas atuais eleições “nome a nome” em que os acionistas só podem votar a favor ou abster-se.
Pablo Renteria ([email protected]) é sócio-fundador do Renteria Advogados e professor de direito civil da PUC-Rio. Foi diretor e superintendente da CVM.
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