No país dos jabutis e jabuticabeiras, onde já não se ouve o sabiá, as surpresas interrompem até o primeiro bocejo do dia. Na coluna anterior mencionamos a urgência de uma reforma política. Por coincidência, surgiram nuvens (carregadas) no horizonte nem tão distante das eleições de 2022, sob a forma de propostas apresentadas nas nossas casas legislativas.
A reforma política sugerida não contemplaria as proposições ora em debate, que se caracterizam como as tais intervenções pontuais ou casuísticas de que falamos anteriormente.
A primeira delas discutiu o voto impresso, agora com o rótulo de voto auditável. Como milhões de eleitores ainda na ativa, peguei o tempo do voto em cédulas e vi os caciques políticos e cabos eleitorais revistando eleitores antes que entrassem na cabine eleitoral. Rasgavam cédulas dos candidatos adversários, enquanto enfiavam a cédula certa no bolso do eleitor.
Reza a lenda que, nos grandes centros de apuração das capitais, o comércio de votos era intenso, alcançando os candidatos mais votados e aqueles com votação minúscula. A explicação é simples: votos de quem já estava eleito podiam ser comercializados, pois não faria diferença no resultado; os votos de quem não seria eleito seguiam o mesmo caminho, por razões óbvias. Assim, os candidatos ainda com chances de se eleger (as apurações demoravam dias), enviavam emissários com cédulas de outra natureza, para negociar o desvio da vontade popular pelos atalhos mais convenientes. Nada muito inovador, mas sempre eficaz.
Desde o final do século passado, o voto eletrônico impediu essas práticas. Mas, como nada é perfeito, não inibe as ameaças e o controle das votações por zonas e seções eleitorais.
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O discurso em favor do voto impresso é pretensamente justificado pela possibilidade (nunca comprovada) de fraude nas urnas eletrônicas, aliás, uma fake news recorrente durante as eleições de 2018 (a propósito, vejam o filme Recontagem, de 2008).
Colocada em votação no dia 10 passado, a PEC do voto impresso não atingiu o mínimo (308 votos) necessário para aprovação.
Feudos eleitorais
Outra proposta pretendia implantar o chamado distritão, um prato requentado, já rejeitado duplamente, em 2015 e 2017. O distritão significa a criação de feudos ou, em bom português, a oficialização dos currais eleitorais, facilitando a reeleição. O sistema foi defendido inclusive por gente sem militância política, que atua em outras áreas. A quem interessa a regra rejeitada na maioria dos países, dificultando a renovação parlamentar após uma eleição anômala como a de 2018?
Finalmente, é proposto o retorno das coligações partidárias, que contornam as chamadas cláusulas de barreira e distorcem o sistema: afinal, a representação indireta é feita pelos partidos. Com as coligações, o eleitor vota num candidato (ou numa ideia) e pode acabar elegendo o oposto do que pretendia.
Nessa toada, não demora e teremos a extinção do voto secreto, sempre negado pela República Velha e instituído por Vargas. Não foi bem nessas alterações que pensei ao mencionar a reforma política, sugerindo o fim do segundo turno, do voto de legenda e do instituto da reeleição (com mandato de cinco anos).
Tendo em vista acontecimentos recentes, sugiro também a exclusão da figura do suplente de senador. Em caso de afastamento, assume quem estiver na frente da fila, prática universal que a população entende e até já está acostumada.
Carlos Augusto Junqueira de Siqueira é advogado
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