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Avanços e retrocessos pós-Plano Real
Desde 1997, em 88% do tempo o resultado primário recorrente foi pior do que o divulgado, indicando que o governo se beneficia de arrecadação extraordinária, como receitas de concessões
Colunista da Capital Aberto Evandro Buccini

Em meio a tantas comemorações dos 30 anos do Plano Real lembramos de várias conquistas institucionais que aquele ambiente deixou para o país. Não há mais financiamento do Banco Central ao Tesouro, nem bancos públicos descontrolados. A moeda é um símbolo nacional. Houve, com a lei responsabilidade fiscal, um saneamento estrutural das finanças estaduais, mas não das contas públicas da União. A situação atual não é calamitosa, até por isso não é alvo de grande esforço para correção, mas isso pode mudar rapidamente, a dívida do Brasil é muito maior do que a dos seus vizinhos e pares. Desde 2012, o resultado anual, o famoso primário, não é suficiente para conter o crescimento da dívida.

A cronologia do assunto desde então é complexa, mas a primeira medida estrutural sobre o tema foi o teto de gastos (Emenda Constitucional 95/2016) instituído em 2016. O novo regime impunha um limite ao crescimento das despesas de acordo com a inflação, na prática congelando o gasto em termos reais por 20 anos. O mecanismo sobreviveu à pandemia, mas não se sustentou diante da dificuldade de reformas nas despesas obrigatórias e dos ímpetos gastadores nas eleições. Com o novo governo, em 2023, o Congresso aprovou um forte aumento das despesas seguido de uma alteração da regra de correção para o teto, que agora cresce junto da arrecadação – muito mais flexível, mas melhor do que nada. Esse novo arcabouço aumenta o incentivo para o aumento da arrecadação, como estamos vendo neste governo.

O Instituto Fiscal Independente (IFI), órgão ligado ao Senado Federal, é uma importante fonte de dados e estudos sobre o tema sem os vieses do Executivo. Usando as informações calculadas pelo IFI é possível aprofundar a análise e confirmar o que já aparece na superfície. O primeiro ajuste ao resultado primário é separar o que é extraordinário e o que é recorrente, tanto pelo lado da despesa quanto da receita. Desde dezembro de 1997, em 88% do tempo o recorrente foi pior do que o divulgado, indicando que o governo se beneficia de arrecadação extraordinária, como receitas de concessões. Nos 12 meses até janeiro deste ano, o déficit primário era de 2,1% do PIB enquanto o recorrente era 1,3%, provavelmente fruto do pagamento dos precatórios. Excluindo o período da pandemia, foi o pior resultado desde o terrível estado em que acabou o governo Dilma.

O próximo passo é um pouco mais técnico. O ideal é que a política fiscal seja contracíclica, ou seja, mais déficit durante uma recessão e superávit maior quando o país está crescendo muito. Assim, controlando pelo ciclo econômico chegamos no resultado primário chamado de estrutural e por essa medida, desde 2013, o Brasil só não teve déficit em 2021 e 2022. Em média, nessa métrica o déficit primário é em média 1% do PIB por ano. As variações do resultado primário estrutural são chamadas de impulso fiscal, quando o déficit aumenta, o impulso é positivo. O impulso fiscal em 2023 foi o maior da série histórica do IFI que começa em 1998. Uma interpretação disso é que os gastos do governo cresceram mais do que a arrecadação, que se beneficia do ciclo, e estão também pressionando a demanda agregada, estimulando a economia que já está crescendo.

Os péssimos resultados anuais das contas públicas estimulam o crescimento da dívida que já chega em mais de 85% do PIB, de acordo com o FMI, muito mais do que a média de 15 países comparáveis que fica abaixo de 60%. Só a China está pior do que o Brasil com 88,6%, mas uma diferença importante entre os dois países é que a China é muito mais rica, de acordo com um tradicional relatório divulgado pelo Credit Suisse, a riqueza da China equivale a mais de quatro vezes o PIB, enquanto no Brasil é apenas 1,9 vezes.

Em 2008 o Brasil ganhou o tão esperado grau de investimento, nota mínima para importantes investidores investirem no país, mas o perdemos em 2015 com os erros do Governo Dilma. Este governo mostrou em algumas ocasiões a vontade de recuperar esse selo, mas o começo foi muito ruim por qualquer métrica fiscal, especialmente pela medida de impulso fiscal, que mostrou o maior salto desde o início da série. Se o ambiente externo, principalmente as taxas de juros dos países avançados, permitir, o Brasil consegue continuar com baixos resultados primários sem gerar uma crise no curto prazo, mas muito longe de garantir estabilidade macroeconômica. O receio hoje é que o governo não entregue nem esse objetivo pouco ambicioso.

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