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A divulgação de litígios judiciais e arbitrais no mercado de capitais: para além das demandas societárias
A falta de informação dificultava a capacidade dos acionistas de se coordenarem na defesa de seus direitos e até de tomarem conhecimento de demandas que poderiam atingi-los em sua esfera jurídica
Pablo Renteria é sócio-fundador do Renteria Advogados e professor de direito civil da PUC-Rio. Foi diretor e superintendente da CVM | Ilustração: Julia Padula

Em março de 2018, o Ministério da Fazenda e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) instituíram um Grupo de Trabalho para, com o apoio da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE, conduzir um projeto voltado ao aprimoramento dos meios de tutela reparatória em favor dos acionistas de companhias abertas. Desse trabalho surgiram diversas iniciativas, sendo uma das primeiras a criação pela CVM de uma nova obrigação informacional para as companhias listadas em bolsa – o comunicado sobre demandas societárias.

A criação da comunicado sobre demandas societárias

A medida partiu do diagnóstico então estabelecido de que o regime regulatório anterior não assegurava a divulgação adequada de informações sobre litígios societários envolvendo as companhias, seus administradores e acionistas que, em razão da matéria em disputa, interessam à coletividade de investidores. A falta de informação dificultava a capacidade dos acionistas de se coordenarem na defesa de seus direitos e até de tomarem conhecimento de demandas que poderiam atingi-los em sua esfera jurídica. O quadro era agravado em razão de as causas serem submetidas com frequência à arbitragem, cujo procedimento, em regra, é protegido por confidencialidade.

A resposta veio na Resolução CVM n. 80 editada em 2022, que, por meio da criação do comunicado sobre demandas societárias, definiu as informações que deveriam ser prestadas publicamente sobre os principiais atos praticados no decorrer dos procedimentos judiciais e arbitrais, independentemente de configurarem fatos relevantes. E a medida esclareceu, didaticamente, que o cumprimento desse novo dever não poderia ser obstado em razão da confidencialidade prevista em convenções de arbitragem, regulamentos de órgãos arbitrais institucionais ou entidades especializadas.

A efetividade do comunicado e o Projeto de Lei n. 2.925, de 2023

Passados mais de dois anos da vigência dessa nova regra, é necessário refletir sobre seus resultados. O primeiro ponto diz respeito à sua efetividade e, nesse aspecto, o Projeto de Lei 2.925, de 2023, que se encontra em apreciação na Câmara dos Deputados, propõe uma solução mais definitiva ao estabelecer, como regra geral, a publicidade dos procedimentos arbitrais, que admitiriam a confidencialidade apenas em hipóteses específicas.

A medida, ao assegurar acesso ao inteiro teor das decisões arbitrais, pode, dentre outros efeitos, contribuir para o melhor conhecimento do direito societário como é efetivamente aplicado por parte da comunidade jurídica e do mercado. O direito societário é rico em conceitos jurídicos abertos, como interesse social, abuso de poder, diluição injustificada, diligência e conflitos de interesses, que apenas adquirem concretude quando aplicados ao caso concreto. E a falta de detalhamento dos julgados prejudica a avaliação crítica de como, na prática, esses conceitos são empregados.

A abrangência do comunicado e os demais emissores de valores mobiliários

De outra parte, deve ser reexaminada a abrangência da regra da CVM, tendo em conta os demais participantes do mercado de capitais. Isso porque, nos últimos anos, assiste-se ao crescimento do contencioso cível envolvendo não apenas companhias abertas, mas igualmente outros emissores de valores mobiliários, tais como companhias securitizadoras, fundos de investimento e seus prestadores de serviço.

Também nesses casos, as demandas podem ter uma dimensão supraindividual e interessar à coletividade de investidores. Pense-se na ação de anulação de deliberação assemblear de certo patrimônio de afetação de uma companhia securitizadora. Ainda que formulada por um único investidor, a sentença produz efeitos em relação a todos. Em outros casos, os investidores podem querer somar seus esforços para mover em conjunto uma ação atinente a um direito comum – como, por exemplo, o pedido de indenização por danos ocasionados pela companhia securitizadora.

Em todos esses casos, mostra-se necessário que os investidores tenham acesso tempestivo a informações adequadas sobre demandas em curso, não só para que possam tomar conhecimento de seu andamento, mas também para que tenham a oportunidade, se assim permitir o procedimento, de ingressar na lide. No entanto, esse é um assunto que ainda não foi tratado no plano normativo.

É verdade que, no estado atual da regulamentação, informações sobre demandas judiciais ou arbitrais devem ser divulgadas, por administradores de fundos e companhias securitizadoras, sempre que se tratar de fato relevante. Mas aqui valem as reflexões que foram feitas ao tempo dos estudos que culminaram na criação do comunicado de demandas societárias. O aviso de fato relevante não é um instrumento adequado para prover informações sobre litígios em curso, uma vez que seu objetivo regulatório é outro, visando municiar os investidores com informações necessárias à precificação dos valores mobiliários, de maneira a promover a eficiência informacional do mercado.

Há, com efeito, informações que podem ser úteis para bem compreender uma demanda em curso, mas que não sejam relevantes para subsidiar a decisão do investidor de comprar, vender ou manter seus títulos e, por isso, o aviso de fato relevante não é suficiente para assegurar a devida transparência sobre o andamento dos litígios que interessam aos investidores. Além disso, a regulamentação vigente não estabelece o conteúdo mínimo dos avisos de fatos relevantes, de modo que pode faltar uniformidade às informações divulgadas, que podem variar caso a caso, sem que sejam assegurados os elementos indispensáveis à compreensão da demanda.

Tudo isso indica que, assim como ocorrido no âmbito societário, também em relação a outros emissores de valores mobiliários seria bem-vinda a criação de um comunicado ao mercado ou a adoção de outro medida destinada a assegurar a devida transparência a demandas judiciais ou arbitrais de interesse dos investidores. Não parece fazer sentido tratar desigualmente outros investidores em relação aos acionistas, protegendo apenas o direito desses últimos de buscar a tutela jurisdicional de seus direitos.


Pablo Renteria ([email protected]) é sócio fundador do escritório Renteria Advogados e professor de direito civil da PUC-Rio. Foi diretor e superintendente de processos sancionadores da CVM.


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