A força-motriz da decisão de sujeitos aplicarem seus recursos nos valores mobiliários negociados no mercado é diretamente proporcional à proteção contra o risco de comportamento oportunista das companhias, seus administradores e acionistas.
Nesse contexto, a disciplina do mercado de capitais busca combater o oportunismo por meio de três pilares[1]: regramento da oferta e colocação pública de valores mobiliários, normatização da situação jurídica das companhias e regulação do processo de cancelamento do status de emissores.
Um dos mecanismos mais utilizados pelos órgãos reguladores para garantir a efetividade dessa disciplina é a divulgação impositiva de informações. Com quantidade adequada de informações confiáveis e de qualidade, os investidores têm a possibilidade de avaliar livremente as alternativas de aplicação e desinvestimento.
Ao proteger o processo decisório dos agentes, a divulgação de informação também estimula novos investidores e, por consequência, a liquidez do mercado. Outra vantagem da divulgação impositiva é que num ambiente de liquidez dotado de pouca assimetria informacional, as próprias companhias podem usar a cotação dos papéis como “benchmark” de desempenho e “valuation” de potenciais aquisições e reorganizações.
No entanto, para a teoria econômica contemporânea, a suficiência, a qualidade e a credibilidade da informação recebida, embora muito importantes, não bastam para assegurar o seu valor. Para esvair o risco de comportamento oportunista seria preciso acrescentar a simetria informacional entre os participantes aptos a negociar com determinado valor mobiliário. Não sem propósito, então, a regulamentação da CVM impôs a necessidade de as companhias divulgarem “informações de forma abrangente, equitativa e simultânea para todo o mercado” (art. 16 da Instrução 480/09).
Apesar dos benefícios da divulgação simétrica, é preciso perguntar se é possível, na atual sociedade em rede — com descentralização de operações, atividades e pessoas —, exigir a divulgação simétrica e simultânea de toda e qualquer informação.
Em recente julgamento, a CVM, com base na chamada teoria do mosaico ― segundo a qual o processo de conhecimento envolve a obtenção de pedaços de dados não significativos que, agrupados de maneira correta, formam um mosaico de informações relevantes ― entendeu que a divulgação de informações em reuniões privadas com investidores não implica, necessariamente, violação das normas do mercado de capitais.
A CVM decidiu não haver infração à regra da divulgação simétrica no caso, entre outros motivos, porque a informação divulgada pela companhia, em si, não era relevante; aquele que recebeu os dados utilizou-os para, com base em sua expertise, completar seu mosaico informacional com conclusões relevantes sobre a companhia; e a companhia, de boa-fé, não sabia que a informação divulgada era a “peça” que faltava para completar o mosaico do interlocutor.
Essa decisão pode inaugurar nova tendência regulatória do mercado brasileiro, a busca do delicado equilíbrio entre dois conceitos importantes: a divulgação simétrica de informações relevantes e a possibilidade de distribuição seletiva de dados não relevantes.
*Alessandra Zequi ([email protected]), Ricardo Peres Freoa ([email protected]) e Diego Henrique Paixão Vieira ([email protected]), advogados especialistas em companhias abertas
[1] ENRIQUES, Luca et al. “Corporate Law and Securities Markets”. In: KRAAKMAN, Reinier et al. The Anatomy of Corporate Law. 3. ed. Nova Iorque: Oxford University Press, 2017. p. 243.
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