Com a vigorosa retomada de ofertas iniciais de ações (IPOs) e de ofertas subsequentes de ações (follow-ons) no mercado brasileiro, ressurge no centro das discussões um tema que sempre preocupa as partes envolvidas: a observância do chamado período de silêncio.
Ele é regulado no art. 48, IV, da Instrução 400/03, que estabelece, em resumo, que as partes envolvidas em uma oferta pública deverão “abster-se de se manifestar na mídia sobre a oferta ou o ofertante até a divulgação do Anúncio de Encerramento de Distribuição nos 60 (sessentas) dias que antecedem o protocolo do pedido de registro da oferta ou desde a data em que a oferta foi decidida ou projetada, o que ocorrer por último”.
A não observância do período de silêncio pode resultar na aplicação de sanções por parte da CVM, que tem autoridade para suspender a oferta por até 30 dias a fim de dissipar a informação (cooling-off period) e neutralizar seus efeitos — com eventual prejuízo ao cronograma da oferta e possível perda de uma janela de oportunidade. A autarquia pode, ainda, impor outras penalidades mais severas, como o cancelamento do registro da oferta.
Em decisão proferida em 30 de janeiro de 2018, no âmbito do processo administrativo sancionador (PAS) CVM nº 19957.00227/2016-11 — que tinha como acusado Ozires Silva, então presidente do conselho de administração da Gaec Educação S.A. (Anima) —, o colegiado da CVM reiterou alguns aspectos importantes para a caracterização da infração ao período de silêncio. Além disso, propôs uma revisão do marco temporal aplicável em uma futura reforma da Instrução 400/03.
O PAS teve por objeto a apuração da responsabilidade de Silva em razão de entrevista que concedeu ao jornal Valor Econômico, publicada em 28 de outubro de 2013. Nesse dia teve início a negociação em bolsa das ações da Anima no âmbito de oferta pública de distribuição de ações realizada naquele ano pela companhia. O anúncio de encerramento da oferta (data que marca o término do período de silêncio, segundo a regulamentação em vigor) foi feito em 27 de novembro daquele ano — praticamente um mês após a publicação da entrevista.
O diretor-relator do processo, Pablo Renteria, esclareceu em seu voto que, conforme o entendimento já consolidado da CVM, o objetivo primordial do período de silêncio é assegurar que os investidores tomem suas decisões de investimento com base no prospecto. Esse documento público contém um conjunto de informações precisas, verdadeiras, atuais, claras e úteis à avaliação da oferta, e que uma reportagem não seria capaz de reproduzir na sua completude. Isso porque os textos jornalísticos não só resumem as informações: tendem a apresentar apenas as “boas novas”, sem tratar dos eventuais riscos da oferta e da emissora.
Segundo Renteria, a infração ao período de silêncio requer apenas a manifestação pública potencialmente apta a influenciar a decisão dos investidores, não sendo necessária a ocorrência de dano efetivo. A infração também não demanda a comprovação de que o autor tenha tido a intenção de influenciar os investidores a participar de uma oferta em curso.
Após analisar o caso, Renteria concluiu que as declarações de Silva publicadas no jornal configuram descumprimento do art. 48, IV da Instrução 400/03 — violaram, assim, o período de silêncio. Entretanto, o diretor votou pela absolvição do acusado.
Na avaliação do diretor-relator, como a publicação da entrevista ocorreu no dia da estreia das ações da Anima na bolsa, data em que o procedimento de bookbuilding (realizado para determinar do preço por ação da oferta e alocar as ações aos investidores participantes da oferta) já havia sido concluído, a reportagem não tinha como exercer qualquer influência sobre os investidores participantes da oferta.
O único ato da oferta que ocorreu depois da publicação da entrevista foi a liquidação do lote suplementar das ações (no dia 26 de novembro de 2013), que havia sido utilizado para fins de estabilização da oferta. Mesmo sendo posterior à entrevista, a liquidação não representou qualquer esforço de colocação (ou precificação) de ações.
Portanto, Renteria afirmou que não haveria materialidade para a aplicação de penalidade a Silva, uma vez que sua manifestação na imprensa, embora tenha violado a norma objetiva do período de silêncio, não a afrontou em seu objetivo. A interpretação foi acompanhada por unanimidade pelo colegiado.
De forma salutar, o diretor-relator concluiu o voto observando que, diante do caso em questão, o atual marco temporal adotado na Instrução 400/13 para o encerramento do período de silêncio (a data de publicação do anúncio de encerramento) não seria o mais apropriado. Ele sugeriu que em uma futura reforma da instrução esse ponto seja debatido e revisto, de forma a aprimorar a regulamentação do mercado de capitais brasileiro.
*Por João Marcelo G. Pacheco ([email protected]) e Fernando dos Santos Zorzo ([email protected]), sócios de Pinheiro Neto Advogados; Marcos Saldanha Proença ([email protected]) e Cauê Rezende Myanaki ([email protected]), respectivamente consultor e associado sênior do escritório.
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