Na sessão de julgamento do dia 9 de outubro de 2018, o colegiado da CVM julgou três processos administrativos sancionadores (PAS) envolvendo a prática de operações fraudulentas e atividades irregulares. Em dois desses processos, houve a responsabilização dos acusados pela prática de atividade de administração profissional de carteira de valores mobiliários sem a prévia autorização da CVM, em infração ao disposto nos artigos 23 da Lei 6.385/76 e 3º da Instrução 306/99.
No primeiro caso1, o acusado foi condenado pelo colegiado em PAS originado de ofício enviado pela Promotoria de Justiça de Jundiaí, do Ministério Público do Estado de São Paulo. O ofício foi encaminhado à CVM no âmbito de um inquérito civil que apurava a lesão a consumidores decorrente de descumprimento de contratos de administração de investimentos celebrados com o acusado. O inquérito também buscava obter informações a respeito da autorização do acusado para a prática de atividade de administração profissional de carteira de valores mobiliários, a qual não foi identificada pela CVM.
Segundo o relatório do PAS, esses contratos de administração celebrados com o acusado permitiam que ele realizasse investimentos com total autonomia e sem subordinação, recebendo uma remuneração equivalente a 50% dos rendimentos obtidos.
Diante disso, o diretor relator Henrique Machado votou pela condenação do acusado às penalidades de multa de 300 mil reais e proibição temporária pelo prazo de 84 meses para atuar, diretamente ou indiretamente, em qualquer modalidade de operação nos mercados de bolsa em funcionamento no Brasil.
Vale ressaltar que o diretor Pablo Renteria, embora tenha acompanhado o voto do relator quanto ao mérito da condenação, apresentou declaração de voto divergente no que diz respeito à pena do acusado. Ressaltou que a redação da Lei 6.385/76 à época dos fatos apurados no âmbito do processo não autorizava a CVM a aplicar mais de uma penalidade pela prática de uma mesma infração, o que foi expressamente alterado apenas com o advento da Lei 13.506/17, ajustando a redação do art. 11 da Lei 6.385/76 para tratar da cominação cumulativa de penalidades para uma única irregularidade.
Dessa forma, sustentou Renteria, pelo princípio da irretroatividade da lei penal mais gravosa, aplicável também no direito administrativo sancionador, a inovação trazida pela Lei 13.506/17 não poderia ser aplicada a fatos anteriores à sua vigência, votando pela condenação do acusado (apenas) à penalidade de proibição temporária pelo prazo de 84 meses para atuar em qualquer modalidade de operação nos mercados de bolsa em funcionamento no Brasil.
O voto de Renteria prevaleceu, acompanhado pelo diretor Gustavo Gonzalez e pelo presidente Marcelo Barbosa, enquanto o voto de Machado foi acompanhado pelo diretor Carlos Rebello.
No segundo caso2, o acusado foi condenado pela prática de atividade profissional de carteira de valores mobiliários sem a devida autorização da CVM e também pela prática de operação fraudulenta, nos termos do item I c/c item II, “c”, da Instrução 8/79. O PAS originou-se de recurso interposto por um investidor contra decisão proferida pelo Conselho de Supervisão da BM&FBovespa Supervisão de Mercado (BSM), no âmbito do processo de Mecanismo de Ressarcimento de Prejuízos (MRP).
O diretor relator Machado entendeu restar configurada a atividade de administração de carteira de valores mobiliários, uma vez verificados determinados elementos na relação entre o acusado e o investidor, dentre eles: a liberdade do acusado para estabelecer estratégias de investimento e, dentro dela, executar os passos necessários para sua efetivação, comunicando-os ao cliente posteriormente (gestão); e realização da atividade em caráter profissional, tendo caráter contratual, remuneratório e continuado.
A operação fraudulenta caracterizada no caso foi o churning, que segundo consta do voto de Machado evidencia-se pela “prática do intermediário (corretora ou distribuidora) ou do gestor de carteira do investidor de realizar quantidade excessiva de negociações no mercado em nome do cliente, sem considerar o interesse deste último, tendo como finalidade gerar receitas de corretagem e comissões”3.
Machado, cujo voto foi acompanhado por unanimidade pelos demais membros do colegiado, entendeu pela configuração da prática de administração de carteira de valores mobiliários sem autorização e de operação fraudulenta, votando pela condenação do acusado à penalidade de multa no valor de no valor de 200 mil reais e proibição temporária pelo prazo de 48 meses, para atuar direta ou indiretamente, em qualquer modalidade de operação no mercado de valores mobiliários.
O colegiado julgou também o PAS em que foi apurada a realização de operação fraudulenta por determinados indivíduos envolvendo a negociação com certificados de investimento representativos de cotas de determinado fundo de investimento, bem como o exercício irregular de atividade de intermediação de certificados de investimento e a suposta permissão para o exercício dessa atividade irregular por determinada empresa e seu diretor.
Conforme consta do relatório do caso, houve o requerimento de anulação de segundas vias de certificados de investimento desse fundo por falsificação, tendo sido protocolada notícia-crime junto ao Ministério Público Federal no Estado de Goiás — o qual, por sua vez, encaminhou o caso para investigação do Departamento de Polícia Federal da Superintendência Regional em Goiás (DPF).
Por conseguinte, a DPF solicitou informações à CVM a respeito da regularidade das operações realizadas pelos acusados tendo como objeto os certificados de investimento e das pessoas envolvidas em tais operações. Após a devida apuração e realização de diligências, a Superintendência de Relações com o Mercado e Intermediários (SMI) propôs a responsabilização dos envolvidos.
Diante dos fatos, o colegiado da CVM, acompanhando o voto do diretor relator Machado, entendeu pela condenação de alguns dos envolvidos ao pagamento de multa pelo exercício da atividade de mediação ou corretagem sem autorização da CVM e pela realização de operação fraudulenta no mercado de valores mobiliários. Por outro lado, houve a absolvição de alguns dos envolvidos das acusações que lhe foram imputadas no processo.
As decisões do colegiado da CVM tomadas na última sessão de julgamento evidenciam a crescente atenção do regulador sobre práticas irregulares e operações fraudulentas no âmbito do mercado de capitais brasileiro.
*Por João Marcelo Pacheco ([email protected]); sócio de Pinheiro Neto Advogados, Marcos Saldanha Proença ([email protected]), consultor de Pinheiro Neto Advogados; e Marcello Mammocci Pompilio ([email protected]), associado de Pinheiro Neto Advogados.
Notas
1Processo Administrativo Sancionador CVM Nº 19957.006136/2016-28
2Processo Administrativo Sancionador Nº SP2014/0382
3Vide artigo anterior deste canal, disponível em https://capitalaberto.com.br/canais/pinheiro-neto/cvm-condena-por-churning-e-administracao-irregular-de-carteira/
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