Em decisão unânime de 27 de março de 2018, o colegiado da CVM julgou processo administrativo sancionador¹ reiterando sua competência para fiscalizar empresas incentivadas e punindo seus acionistas e administradores. O caso envolveu a Granos Granitos do NE S.A. Foram apuradas irregularidades em operação de redução de capital com cancelamento de todas as ações, seguida de emissão de novas ações da companhia. Segundo a CVM, a operação teria sido desenhada de modo a prejudicar o acionista preferencial da companhia, o Fundo de Investimento do Nordeste (Finor).
A Granos Granitos do NE S.A. é uma sociedade beneficiária de recursos oriundos de incentivos fiscais (no caso, o Finor), comumente denominada companhia incentivada. Embora não acesse o mercado de capitais ou tenha seus valores mobiliários negociados publicamente, sujeita-se à competência da CVM por força do Decreto-lei 2.298/86 e da Instrução 265/97.
Em 20 de outubro de 2008, foi instaurada assembleia geral extraordinária (AGE) da companhia para análise e deliberação de sua adequação às alterações contábeis determinadas pela Lei 11.638/07. A AGE foi interrompida três vezes, sendo concluída apenas em 19 de dezembro daquele ano.
No intervalo entre essas interrupções, a companhia determinou a avaliação de seus ativos e a preparação de balanço especial, que verificou patrimônio líquido negativo em pelo menos 275 milhões de reais. Diante disso, o acionista Francisco Aragão Filho sugeriu que a totalidade do capital social da companhia fosse utilizado para abatimento dessas perdas e que, tão logo reduzido a zero, fosse imediatamente aumentado em valor suficiente para tornar o patrimônio líquido positivo. A proposta foi aprovada pelos acionistas ordinaristas presentes, com parecer favorável do conselho fiscal.
No entanto, o Banco do Nordeste do Brasil (BNB), operador do Finor, que detinha 97% das ações preferenciais da companhia e 92,3% do seu capital total, questionou a operação perante a CVM.
Após analisar a operação, a Superintendência de Relações com Empresas (SEP) formulou termo de acusação contra os acionistas ordinaristas da companhia, administradores e conselheiros fiscais.
Com relação aos procedimentos relativos à AGE iniciada em 20 de outubro de 2008, a SEP identificou as seguintes irregularidades: ausência de nova convocação para retomada da AGE após cada interrupção e falta de inclusão na convocação e na ordem do dia das matérias relativas à redução e posterior aumento do capital social e da disponibilização dos documentos pertinentes.
No que se refere à conduta dos acionistas ordinaristas perante os preferencialistas (especialmente o Finor), a SEP constatou indícios de abuso do direito de voto. Com base em parecer da Procuradoria Federal Especializada da CVM (PFE), que citou outros casos semelhantes, a SEP entendeu que, embora teoricamente o Finor tivesse o direito de exercer sua preferência no aumento de capital aprovado, os acusados tinham conhecimento de que na prática esse exercício não seria possível. Afinal, o Finor só poderia liberar recursos quando vinculados a projetos de desenvolvimento regional e de acordo com a legislação aplicável.
Logo, na opinião da SEP, a redução de capital com o cancelamento de todas as ações para posterior emissão de novas ações teria sido feita na verdade com as finalidades de prejudicar o Finor e de excluí-lo do capital social da companhia, já que estava impossibilitado de exercer o direito de preferência no aumento subsequente.
Os acusados alegaram primeiramente que a CVM não teria competência para fiscalizar a companhia, já que ela não tinha valores mobiliários negociados em mercado.
Defenderam também a regularidade das operações e disseram que a companhia e os demais acionistas não poderiam ser forçados a tomar medidas em detrimento a si mesmos por consideração ao Finor — que não poderia exercer o direito de preferência no aumento de capital.
O diretor relator Henrique Machado acompanhou largamente a acusação. Em primeiro lugar, embora tenha reconhecido que a CVM talvez não seja a instituição mais apropriada para fiscalizar as companhias incentivadas, afirmou não haver dúvida de que elas estão sujeitas à fiscalização da autarquia por força dos normativos já mencionados neste artigo.
Com relação à AGE, concluiu que o edital de convocação (que mencionou questões de adequação contábil) foi demasiado genérico, não permitindo ao acionista antever que uma redução e um aumento de capital, temas relevantes, seriam deliberados. Destacou ainda que novas convocações deveriam ter sido publicadas após cada interrupção, acompanhadas dos respectivos documentos de suporte. Por essas práticas, o membro do conselho de administração responsável recebeu multas pecuniárias.
Machado identificou abuso do direito de voto por parte dos acionistas ordinaristas, pois teriam estruturado a AGE e a operação de redução e aumento de capital com o objetivo de causar dano ao Finor, sabendo que não exerceria o direito de preferência e acabaria excluído do capital social. Os acionistas ordinaristas foram igualmente punidos com multas pecuniárias2.
*Por João Marcelo G. Pacheco ([email protected]), sócio de Pinheiro Neto Advogados, Marcos Saldanha Proença ([email protected]), consultor de Pinheiro Neto Advogados e Cauê Rezende Myanaki ([email protected]), associado sênior de Pinheiro Neto Advogados.
¹ PAS CVM nº RJ2013/9266
2 Os membros do conselho fiscal e o diretor administrativo financeiro foram absolvidos das acusações.
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