Em decisão unânime de 11 de fevereiro de 2020¹, o colegiado da CVM aceitou o Termo de Compromisso (TC) proposto pelas empresas ERP e IP e por diversas pessoas naturais. Com isso, foram arquivados dois processos administrativos que haviam sido instaurados pela Superintendência de Relações com Investidores Institucionais (SIN) da CVM para apurar denúncia de que as empresas estariam distribuindo relatórios de análise, em caráter profissional, elaborados por analistas licenciados ou por pessoas sem registro de analistas, em desacordo com o determinado pela Instrução 598/18.
A deliberação foi iniciada em 17 de dezembro de 2019. A análise foi suspensa pela solicitação do Colegiado da CVM para que o processo retornasse ao Comitê de Termo de Compromisso (CTC), diante da necessidade da comprovação de superação de óbice jurídico anteriormente apontado pela Procuradoria Federal Especializada junto à CVM (PFE/CVM). Este óbice jurídico decorreria da ausência de proposta indenizatória direcionada aos investidores lesados e/ou ao mercado de valores mobiliários².
Os fatos apontados nos processos indicaram que ERP e IP se apresentavam ao mercado como meras prestadoras de serviços editoriais, ofertando ao público a possibilidade de assinar diferentes pacotes de informações e notícias — que alegadamente, tinham cunho e propósito meramente educativo.
As investigações indicaram, ainda, que a ERP, por exemplo, apresentava a possibilidade de aquisição de três diferentes assinaturas: “As melhores ações da bolsa”, “Double x” e “Flash trader”. Enquanto o primeiro pacote era apenas um compilado de 300 papéis listados, que buscava apresentar oportunidades mais lucrativas e com o maior potencial de valorização a longo prazo, o segundo era mais abrangente e oferecia aos consumidores um pacote de informações necessárias para que pudessem aplicar o método de investimento X-Pattern e, assim, ganhar com a compra e a venda de ações.
Essa segunda modalidade de assinatura pretendia ensinar o momento ideal para a realização de operações de compra e de venda de ativos pertencentes a um determinado portfólio. O terceiro pacote dizia apresentar uma estratégia que garantia ao investidor a possibilidade de ganhos em qualquer cenário. Nessa mesma linha, a IP ofertava séries que prometiam ensinar a montagem de primeiras carteiras de investimentos em renda variável e apresentava diferentes portfólios de ações consideradas rentáveis.
A SIN concluiu haver fortes indícios de recomendações de compra ou de venda de valores mobiliários — com isso, as empresas estariam inseridas no conceito de analistas de valores mobiliários ao disponibilizar ao público “relatórios de análise”, conforme o previsto no artigo 1º, §1º da Instrução 598/18. Os pacotes de informações continham disposições propositivas e, ainda, previam a possibilidade de sucesso das estratégias.
A Instrução 598/18 classifica como relatórios de análise os “textos, relatórios de acompanhamento, estudos ou análises sobre valores mobiliários específicos ou sobre emissores de valores mobiliários determinados que possam auxiliar ou influenciar investidores no processo de tomada de decisão de investimento”. Ao tratar das informações ou comunicações de cunho institucional e publicitário que podem ser veiculados pelos analistas de valores mobiliários, a instrução determina que devem ser formulados com linguagem serena e moderada e que não podem conter promessa de rentabilidade futura ou assegurar ou sugerir a existência de garantia de resultados futuros ou isenção de risco para o investidor.
Além de ser obrigatório o cadastramento dos analistas de valores mobiliários perante entidade autorizada pela CVM [e.g., Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (Apimec)] para a emissão de relatórios de análise, esses profissionais precisam observar diversas regras de conduta, especialmente visando evitar propaganda e/ou promessas enganosas. O mesmo critério se aplica aos próprios relatórios emitidos por tais analistas — os textos devem ser claros e objetivos, diferenciando dados factuais de interpretações, projeções e estimativas.
Após instauradas as investigações, apenas a ERP e IP apresentaram uma primeira proposta de TC. Ao analisar a proposta, a PFE/CVM se manifestou pela impossibilidade de celebração de TC em decorrência do óbice jurídico já mencionado. Portanto, em reunião de outubro de 2018, o colegiado rejeitou a proposta. Uma nova minuta de TC foi apresentada em 27 de novembro, mas também sem previsão de indenização a investidores lesados — na visão da ERP, as reclamações apresentadas por investidores não indicaram a efetiva ocorrência de prejuízos.
Em seguida, o CTC analisou a nova proposta levando em consideração apenas as grandes circunstâncias do caso concreto, sem considerar o mérito dos argumentos apresentados. Em linha com orientação do colegiado, o CTC entendeu que só devem ser aceitas propostas cujas obrigações tenham potencial para surtir importante e visível efeito nos participantes do mercado, de forma a desestimular práticas semelhantes. O CTC opinou, ao final, pela rejeição do acordo na forma apresentada. O colegiado da CVM manteve a decisão.
Após nova manifestação dos proponentes e analisadas as circunstâncias do caso, o CTC considerou superado o óbice jurídico e, uma vez que a CVM já havia celebrado TCs em casos semelhantes de exercício irregular da atividade de analista de valores mobiliários (valendo-se da faculdade disposta no §4º do art. 83 da Instrução 607/19), o CTC optou por negociar as condições da proposta anterior, o que resultou na apresentação de uma contraproposta. As partes chegaram a um acordo e o CTC, em fevereiro de 2020, propôs ao colegiado a aceitação da proposta de TC feita pelas empresas em conjunto com as pessoas naturais.
Em resumo, as condições finais acordadas no TC — que não importam em reconhecimento de culpa por parte dos envolvidos — foram as seguintes:
— pagamento de 3 milhões de reais em quatro parcelas pela ERP à CVM;
— pagamento de 500 mil reais em duas prestações pela IP à CVM;
— cada pessoa natural pagará à CVM, em parcela única, 50 mil reais (totalizando 750 mil reais);
— credenciamento de todos os proponentes para a atividade de analista de valores mobiliários, nos termos da Instrução CVM 598, perante a APIMEC, no prazo de 60 dias, a contar da publicação do TC;
— protocolo em juízo, pela ERP, de petição de renúncia de pretensão formulada em Ação Declaratória com o objetivo de discutir a competência da CVM para regular as atividades realizadas pela empresa e, consequentemente, a necessidade de a ERP se credenciar perante a APIMEC;
— protocolo, pela ERP, de petição junto ao Ministério Público Federal para requerer o arquivamento de representação apresentada para a instauração de investigação envolvendo a APIMEC.
Esse TC enfim encerra o longo embate entre CVM e os envolvidos em torno do exercício da atividade de analista de valores mobiliários. O acordo mostra que o regulador permanece vigilante na fiscalização das atividades desenvolvidas no âmbito do mercado de valores mobiliários brasileiro.
Por Leonardo Baptista Rodrigues Cruz ([email protected]), sócio de Pinheiro Neto Advogados, e Giovana Treiger Grupenmacher ([email protected]), associada do escritório
Notas
¹Referente aos seguintes processos: PA CVM SEI 19957.009590/2018 e PA CVM SEI 19957.000861/2019-35
²Ao apreciar os aspectos legais do TC proposto, a PFE/CVM entendeu que “em virtude da ausência de proposta indenizatória direcionada aos investidores lesados e/ou ao mercado de valores mobiliários”, haveria um óbice jurídico que impossibilitaria sua aceitação. Em relação a esse fato, a ERP afirmou que o PA em questão decorria de dois principais canais: o ReclameAQUI e o canal de reclamação da própria CVM, sendo que as manifestações formuladas no primeiro eram meras demonstrações de insatisfação e, portanto, não deveriam ser consideradas como prejuízos indenizáveis; as outras eram reclamações gerais do mercado com relação a campanhas de marketing demais assuntos que não constituem prejuízos indenizáveis e que poderiam, no máximo, ser considerados como potenciais prejuízos ao mercado. A PFE/CVM entendeu que o óbice jurídico apontado estaria superado pela proposta de pagamento de 3 milhões de reais, o que seria suficiente para desestimular a prática de condutas similares, atendendo à finalidade preventiva do TC.
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