O colegiado da CVM decidiu, por unanimidade1, interromper o prazo de convocação de uma assembleia geral extraordinária (AGE) de companhia aberta. No encontro seria deliberada a ratificação de distribuição de dividendos feita no contexto de uma reestruturação societária envolvendo a companhia e suas controladas.
O colegiado atribuiu a necessidade de interrupção do prazo de convocação da AGE ao fato de a companhia não ter divulgado informações relevantes para o exercício do direito de voto pelos acionistas — especialmente impactos fiscais da distribuição dos dividendos pretendidos e informações sobre as cotas do fundo de investimento imobiliário e debêntures a serem pagas a título de dividendos in natura.
O colegiado não observou ilegalidade, no entanto, na distribuição de dividendos pretendida em si, ainda que a companhia tenha apresentado prejuízo corrente e mesmo que a distribuição seja feita em bens (dividendos in natura) em vez de dinheiro.
Conforme proposta da companhia, a distribuição de dividendos teria por base os lucros (de 829 milhões de reais) registrados na reserva de lucros a realizar e seria feita no contexto da reestruturação societária do grupo; assim, 207 milhões de reais do total seriam pagos em dinheiro e o restante in natura, por meio de cotas do fundo de investimento imobiliário Top Center ou, a critério dos acionistas, debêntures não conversíveis de emissão da companhia.
Além de recomendar a interrupção do prazo de convocação da AGE pelas razões aqui mencionadas, a Superintendência de Relações com Empresas (SEP) entendeu que a distribuição de dividendos pretendida violaria a legislação pelo fato de a companhia ter tido prejuízo corrente em seu exercício.
A companhia apresentou defesa sustentando que a distribuição dos dividendos sem a prévia absorção dos prejuízos correntes encontraria respaldo nos dividendos intermediários previstos no art. 204, §2° da Lei 6.404/76, os quais podem ser distribuídos com base em lucros de períodos anteriores acumulados nas reservas da companhia2. Afirmou também que a parcela do dividendo obrigatório seria paga em dinheiro e apenas o excedente in natura, destacando, ainda, que inexistiria tratamento diferenciado ao acionista controlador e que os bens oferecidos como pagamento dos dividendos seriam dotados de liquidez.
O colegiado, por sua vez, julgou que o exercício do direito de voto de maneira informada e refletida carecia do envio das informações relativas aos bens oferecidos como dividendos.
Com relação ao pagamento de dividendos sem a prévia compensação de prejuízos acumulados, o colegiado se manifestou no sentido de que os dividendos intermediários podem, mediante autorização estatutária, ser pagos antes do encerramento do exercício social e independentemente da realização de lucro ou prejuízo pela companhia no exercício corrente.
Isso porque, na visão do colegiado, os dividendos também podem ser pagos com base em lucros apurados em exercícios anteriores (destinados a reservas de lucros, como foi feito pela companhia ao constituir a reserva de lucros a realizar), os chamados dividendos intermediários, ou com base em lucros em formação no curso do exercício social (denominados dividendos intercalares, expressão usualmente adotada pela doutrina, mas que não foi usada pelo colegiado no caso em questão).
Assim, o colegiado não vislumbrou ilegalidade na distribuição de dividendos pretendida pelo fato de as demonstrações financeiras usadas de base para pagamento (de 31/12/2017) não indicarem a existência de prejuízos acumulados a serem previamente absorvidos.
Com relação à hipótese de se pagar dividendos in natura, o colegiado não identificou ilegalidade na pretensão da companhia, especialmente pelo fato de, consistentemente com precedentes da CVM3, a distribuição ser composta exclusivamente de dividendos extraordinários (e não obrigatórios).
* Por Fernando Zorzo ([email protected]) e Thiago José da Silva ([email protected]), respectivamente, sócio e associado sênior do escritório
1 Processo SEI nº 19957.000716/2019-5
2 Vide Processo RJ nº 2004/4558-4559-4569-458
3 CVM/SJU nº 003/83, 074/83 e 001/87
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