CVM absolve administradores de companhia aberta em operação com parte relacionada
Processo envolvia a celebração e liquidação de mútuos concedidos a parte relacionada
Taurus, CVM absolve administradores de companhia aberta em operação com parte relacionada, Capital Aberto

Arte: Pinheiro Neto Advogados

 

Em reunião realizada em janeiro de 2020, o colegiado da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) decidiu pela absolvição de administradores de companhia aberta (“Companhia”) da acusação de infração aos artigos 142, III e 153 da Lei 6.404/76. O processo administrativo sancionador (PAS)1 teve como objeto a conduta dos administradores da Companhia em face da concessão, e posterior liquidação, de mútuos envolvendo certa parte relacionada (“Sociedade Relacionada”).

Em 2004, a Companhia, por meio de subsidiária integral (“Subsidiária Integral”), arrendou o parque industrial da Sociedade Relacionada, que estava em concordata, para expandir operações para o segmento de máquinas de grande porte. Além disso, entre os anos de 2004 e 2012, Companhia e Subsidiária Integral realizaram diversos empréstimos à Sociedade Relacionada2. A acusação indicou que os mútuos teriam sido realizados sem os devidos registros e formalizações contratuais; vários empréstimos foram feitos com encargos financeiros inferiores aos praticados no mercado; e a partir de janeiro de 2011, os juros incidentes deixaram de ser calculados e cobrados da Sociedade Relacionada.  Os mútuos somente teriam sido liquidados em 2012, no contexto da constituição de nova empresa pela Companhia. A Sociedade Relacionada integralizou cotas da nova empresa mediante o aporte de máquinas e imóveis e, em seguida, cedeu referidas cotas para a Subsidiária Integral, em dação em pagamento dos mútuos. Ainda em 2012, a Subsidiária Integral alienou a nova empresa para terceiro, por preço notadamente inferior ao aporte inicial da Sociedade Relacionada.

À luz desse histórico, a área técnica CVM imputou as seguintes infrações aos administradores da Companhia3: quebra do dever de diligência dos diretores e do dever de fiscalização dos conselheiros, na formalização e acompanhamento dos mútuos; quebra do dever de diligência dos conselheiros e do diretor-presidente ao aceitarem, em dação em pagamento para a quitação dos mútuos, cotas da nova empresa que seriam posteriormente alienadas por valor claramente menor ao da dívida.

Dentre seus argumentos preliminares, os acusados alegaram prescrição temporal e ilegitimidade passiva (considerando as datas das operações e de posse nos cargos). No mérito, os acusados defenderam, dentre outras teses, a ausência de comprovação de que as taxas dos mútuos eram inferiores às do mercado; o direito de confiar nas informações recebidas (right to rely on others), já que diversos dados tinham sido auditados e fiscalizados, tanto interna quanto externamente; a aplicação da business judgment rule; e a situação concreta da  Sociedade Relacionada, que justificava a conduta da administração como a melhor opção possível, até mesmo para evitar decretação de falência da Sociedade Relacionada e eventual risco de sucessão para o grupo.

Alguns dos responsabilizados pela CVM tentaram apresentar termos de compromisso, mas as propostas foram rejeitadas por óbice legal, tendo em vista que os supostos prejuízos decorrentes das condutas sancionadas não seriam indenizados considerando-se a gravidade das acusações.

Inicialmente, o diretor relator esclareceu em seu voto que não enfrentaria o mérito das acusações relacionadas ao processo de venda da nova empresa, considerando a existência de processo administrativo específico na CVM acerca da operação4. Feito o esclarecimento, o diretor relator passou a analisar as alegadas responsabilidades dos diretores e dos conselheiros de administração em relação à suposta ausência de diligência no acompanhamento dos mútuos.

Em relação aos diretores, o diretor relator entendeu que cabe à CVM, ainda que sem interferência no mérito, assegurar que as decisões negociais dentro do business judgment rule sejam tomadas de modo informado, refletido e desinteressado; a análise de operações com partes relacionadas deve ser feita de forma contextualizada, considerando fatores como situação da companhia, custo de captação e limitações legais à taxa de juros; termos e condições de operações como mútuos devem ser devidamente formalizados e documentados; e salvo em situações excepcionais e justificadas, empréstimos por companhias abertas a suas partes relacionadas devem prever juros razoavelmente compatíveis com condições de mercado.

Nesse caso, de um lado a acusação falhou em demostrar que os empréstimos à Sociedade Relacionada não teriam sido feitos no melhor interesse da Companhia. Na perspectiva oposta, apesar de não ter sido apresentada justificativa específica para a decisão de deixar de cobrar encargos financeiros, foi arguido que os empréstimos eram essenciais para manter as operações da Sociedade Relacionada e, assim, evitar eventual pedido de falência, o que geraria riscos de sucessão para a Companhia. Ao sopesar as circunstâncias, o colegiado decidiu pela absolvição dos diretores pela falta do devido controle na formalização e acompanhamento, já que não era de sua responsabilidade nos termos do estatuto social vigente à época, exceto do diretor responsável pelo controle financeiro das obrigações, que não poderia ter exonerado unilateralmente o pagamento de juros, sem registro formal5.

Em relação aos conselheiros de administração, o diretor relator esclareceu o entendimento de que o dever de monitoramento não os obriga a vigiar todos os passos ou a rever todos os atos praticados pelos diretores, mas sim a se manter genericamente informados acerca andamento da gestão social, e a reagir de forma apropriada a “reg flags”.

Considerando que a acusação não logrou apresentar elemento que configurasse um sinal de alerta sobre as operações de mútuo da Companhia e que justificasse um monitoramento mais intensivo com relação a esses mútuos, os conselheiros foram unanimemente absolvidos das acusações de quebra de dever de fiscalização.


*Por João Marcelo Pacheco ([email protected]), Renato Holsback ([email protected]) e Jenny Lu ([email protected]), respectivamente sócio, consultor e associada do escritório. 


Notas 

1PAS CVM RJ2016/7961 (SEI nº 19957.006989/2016-60), diretor relator Gustavo Machado Gonzalez. 2Apesar de não indicar relacionamento societário tal qual controle comum, a Taurus caracteriza a Wotan como parte relacionada por não exercer qualquer outra atividade e por contar com seu suporte financeiro.  

3A pretensão punitiva da CVM havia prescrito para fatos anteriores a julho de 2009, tendo em vista que a investigação se iniciou em julho de 2014. 

4PAS CVM RJ2014/13977, julgado pelo colegiado na mesma data, foi instalado para apurar a responsabilidade dos administradores e do conselho fiscal em relação ao processo de venda da SMLA acusação concluiu que certos diretores e conselheiros fiscais da Taurus participaram ativamente de esquema junto a representantes do comprador da SML para que o valor de venda fosse artificialmente inflado (e.g. negociação direta de novos termos para a operação e não divulgação de contratos assinados), em omissão fraudulenta e quebra de dever de diligência na análise das informaçõesOs referidos diretores e conselheiros fiscais receberam penas de inabilitação temporária (exceto pela diretora de relações com investidores, condenada com multa pecuniária por agir de forma culposa, mas sem envolvimento direto). Todos os membros do conselho de administração e todos os conselheiros fiscais não envolvidos diretamente nas negociações da venda foram absolvidos das acusações, por não ter sido possível concluir que não atuaram com o grau de diligência exigido por lei. Leia mais. 

5Ao final, nenhuma penalidade foi imposta pela CVM; o referido diretor considerado responsável teve a punibilidade extinta em razão de seu falecimento. 


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