A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e a BSM – BM&FBovespa Supervisão de Mercado estão cada vez mais atentas a possíveis operações artificiais no mercado de valores mobiliários. Em sessão realizada no dia 17 de abril de 2018, o colegiado da CVM decidiu por unanimidade pela condenação de MLM ao pagamento de multa, no valor de 100 mil reais, pela suposta realização de operações de “money pass”, por elas representarem criação de condições artificiais de demanda, oferta ou preço de valores mobiliários — vedada nos termos do inciso I, combinado com o inciso II, “a” da Instrução 8/79.
A prática do money pass consiste na realização de operação no mercado de valores mobiliários acordada previamente entre dois indivíduos para viabilização de transferência de recursos entre eles. No caso em análise, o acusado teria se utilizado do mercado de valores mobiliários para transferir R$ 25.985 para sua esposa, por meio de 30 operações de day trade de ações de duas empresas entre 24 de outubro de 2011 e 9 de março de 2012.
Segundo a CVM, o acusado teria uma conta em uma corretora e, como procurador, também administraria uma conta mantida por sua esposa na mesma instituição. Ele inseriria as suas ordens diretamente, por um sistema eletrônico contratado junto à corretora, enquanto as ordens da conta da sua esposa seriam transmitidas à mesa de operações da corretora, o que dificultaria a detecção das operações pela instituição, pelo autorregulador e pela CVM.
Em resumo, o acusado colocaria as ordens de compra e venda de sua conta e da conta de sua esposa em lados opostos do livro, com uma diferença de poucos segundos entre elas. As operações feitas com as duas empresas, de baixa liquidez, envolveram movimentações atípicas tanto nos preços quanto nas quantidades de ações negociadas. Com isso, o acusado teria conseguido realizar os negócios com baixa probabilidade de interferência de outros investidores. Conforme descrito no processo, em 14 pregões ocorridos no período analisado, os negócios entre o acusado e sua esposa representaram de 52,3% e 93,7% do volume total negociado de ativos, apesar de, em quantidade, terem representado de 2,5% a 39,1%.
No entendimento do diretor relator do processo na CVM, Gustavo Gonzalez, “não há dúvidas de que as operações deste processo eram aptas a alterar e tiveram impacto efetivo no fluxo de ordens dos mercados” das empresas envolvidas.
Gonzalez esclareceu em seu voto que “o processo de formação de preços no mercado de valores mobiliários não deve sofrer interferências indevidas nem transparecer volumes negociados que não reflitam o real embate entre oferta e demanda pelo ativo, sinalizando erroneamente ao mercado valores que não condizem com a liquidez efetiva dos títulos”. O diretor conclui afirmando que “a transferência de recursos por meio de operações previamente acertadas ofende a integridade do mercado de valores mobiliários e viola a Instrução CVM nº 08/1979”.
O assunto hoje é ainda mais importante, tendo em vista as chamadas “negociações algorítmicas”, nas quais a compra e venda de ações é decidida com base em dados das operações feitas no mercado por computadores, sem a intervenção humana.
Vale ainda ressaltar que operações que criam demandas artificiais de valores mobiliários, como o money pass, não implicam apenas possíveis infrações às normas de mercado de capitais — essas condutas podem também configurar ilícitos de outras naturezas, como lavagem de dinheiro, em que esse tipo de operação poderia ser uma forma de se justificar o recebimento de um determinado recurso, ou a sonegação tributária. Por esse motivo, Gonzalez afirmou que caberia notificação pela CVM às demais autoridades competentes para apurar o assunto.
Essa decisão, um mês após o colegiado ter condenado pela primeira vez a prática de spoofing, vem demonstrar que a CVM e a BSM têm utilizado cada vez mais ferramentas tecnológicas para identificar operações artificiais, de forma a diminuir os ilícitos envolvendo condições artificiais de demanda, oferta ou preço de valores mobiliários. As iniciativas buscam fortalecer o controle sobre a negociação de valores mobiliários no País e impedir manipulações ou operações fictícias que possam abalar a credibilidade do mercado junto aos investidores.
*Por João Marcelo G. Pacheco ([email protected]), sócio de Pinheiro Neto Advogados; Marcos Saldanha Proença ([email protected]), consultor de Pinheiro Neto Advogados; e Cauê Rezende Myanaki ([email protected]), associado sênior do escritório.
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