Em decisão do último dia 25 de junho, o colegiado da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) condenou, por unanimidade, o diretor de relações com investidores de companhia aberta (“Companhia”), e, por maioria de votos, o diretor-presidente à época (“CEO”), por comunicado de fato relevante omisso. De acordo com a CVM, a divulgação, feita em 13 de março de 2013, induzia a erro investidores da Companhia sobre a viabilidade econômica da exploração de determinados campos de petróleo.
Conforme consta da decisão do relator Henrique Machado, o diretor de relações com investidor da Companhia foi condenado por infração ao artigo 14 da Instrução 480/09, já que era da responsabilidade do executivo a elaboração de comunicado de fato relevante com informações verdadeiras, completas, consistentes e que não induzissem o investidor a erro. Já o CEO à época foi condenado por quebra do dever de diligência previsto no artigo 153 da Lei 6.404/76, uma vez que tinha conhecimento sobre as incertezas relacionadas à viabilidade econômica dos campos e consentiu com a omissão dessa informação no fato relevante em questão.
Em voto divergente, o presidente da autarquia, Marcelo Barbosa, votou pela absolvição do CEO, por entender não ter havido quebra do dever de diligência. Na avaliação dele, o dever de diligência deve ser observado levando-se em conta o aspecto procedimental, sob pena de a “interpretação mais ampla produzir efeitos práticos relevantes, como, por exemplo, dificultar sobremaneira a compreensão, pelos próprios administradores, dos padrões de conduta que a Lei lhes impõe, afastando pessoas capazes e honestas da administração de companhias”.
Na avaliação de Barbosa — e em linha com precedentes da autarquia¹ —, o dever de diligência deve ser analisado considerando-se a razoabilidade e a adequação dos esforços empregados na supervisão de determinados assuntos ou pessoas. Ou seja, o dever de diligência deve ter esteio em pilares procedimentais: o administrador deve tomar decisões informadas, monitorar políticas e atividades e investigar sinais de alerta. Também devem ser levados em consideração, nesse ponto de vista, aspectos como a competência legal e estatutária e o grau de tecnicidade da matéria.
Para o presidente da CVM, o CEO atendeu ao padrão de diligência esperado: tomou diversas providências para esclarecer as divergências encontradas nas estimativas de volume dos campos, dentre as quais a alteração na estrutura organizacional da Companhia, a criação de grupo de trabalho para apurar as divergências encontradas e a contratação de empresas especializadas com notória expertise no tema.
Conforme seu voto divergente, foi informada a decisão do CEO de não divulgar ao mercado a incerteza sobre a viabilidade econômica dos campos — assim, ele estaria em linha com o padrão de diligência esperado. Em outras palavras: para se aferir o cumprimento do dever de diligência seria preciso avaliar a forma como o administrador atua, e não o conteúdo final de suas decisões.
Em sentido oposto, contudo, o voto do relator Machado, acompanhado pelos demais integrantes do colegiado, afirma que a divulgação de informação capaz de impactar decisão de investimento é imperativa e está protegida pelo dever de diligência previsto na Lei 6.404/76, não se tratando de decisão negocial do administrador (esta sim sujeita à “business judgment rule”).
Sob esse prisma, apesar do CEO ter sido diligente em sua atuação como diretor-presidente da Companhia à época e de ter adotado medidas para se informar, monitorar e investigar as informações sobre as estimativas de volume dos reservatórios, ao tomar conhecimento de informações que a CVM entendeu serem indispensáveis para a adequada compreensão do mercado sobre o potencial fracasso da Companhia na exploração dos campos, ele não evitou ou reparou a omissão dessas informações em fato relevante. Por isso, infringiu o dever legal de diligência.
De acordo com Machado, a obrigação de divulgar esse tipo de informação é objetiva. Nesse sentido, o relator cita decisão proferida pela ex-diretora da CVM Luciana Dias². Segundo ela, “a doutrina da decisão negocial não diz respeito a toda e qualquer decisão da administração de uma companhia, mas volta-se a decisões de cunho negocial e afasta decisões relacionadas a questões organizacionais, ou ao mero cumprimento de obrigações impostas pela regulamentação ou pelo estatuto da companhia”.
Por fim, o relator afastou argumentos da defesa quanto à exceção de imediata divulgação em razão do interesse legítimo da Companhia, conforme previsto no §5º do artigo 157 da Lei 6.404/76. Para Machado, o impacto negativo no preço das ações da Companhia não se enquadra nessa exceção, que busca proteger interesse empresarial (conclusão de negócio, cunho concorrencial, dentre outros). Aceitar o caso em questão como exceção, de acordo com o relator, seria subverter o princípio da transparência e prejudicar interesse legítimo do principal tutelado — o investidor.
Também foram discutidas³ irregularidades relacionadas à divulgação de fatos relevantes com o intuito de manipulação do preço das ações da Companhia entre 2009 e 2012. O colegiado, por unanimidade, absolveu os diretores acusados por entender que os fatos relevantes não continham informações falsas ou distorcidas sobre a realidade da Companhia e que os riscos e incertezas relacionados a esses eventos foram divulgados no mesmo formato —inexistindo, portanto, a conduta dolosa alegada pela acusação, que não logrou reunir provas suficientes para construir caso de manipulação de preço.
Por João Marcelo Pacheco ([email protected]), sócio de Pinheiro Neto Advogados; Milena Casado de Oliveira ([email protected]), associada sênior; e Lucas Gabriel Walker ([email protected]), estagiário.
Notas
1 PAS CVM nº 21/04, julgado em 15/5/2007; PAS CVM nº RJ2008/9574, julgado em 27/11/2012; PAS CVM nº 11/2002, julgado em 26/2/2013; e PAS CVM nº 02/2008, julgado em 05/3/2013, entre outros.
2 PAS CVM nº 09/2009
3 PAS CVM 2014/6517
Leia também
Decisão da CVM reforça preocupação com uso indevido de redes sociais
CVM lança novas regras para sua atuação sancionadora
CVM exige que Empiricus preste informações para apuração de irregularidades
Gostou do artigo?
Cadastre-se e não perca nenhum texto deste canal.
Receba por e-mail um aviso sempre que um novo texto for publicado.
Para continuar lendo, cadastre-se!
E ganhe acesso gratuito
a 3 conteúdos mensalmente.
Ou assine a partir de R$ 34,40/mês!
Você terá acesso permanente
e ilimitado ao portal, além de descontos
especiais em cursos e webinars.
User Login!
Você atingiu o limite de {{limit_online}} matérias gratuitas por mês.
Faça agora uma assinatura e tenha acesso ao melhor conteúdo sobre mercado de capitais
Ja é assinante? Clique aqui