A atual crise econômica intensificou as discussões, no âmbito do Poder Judiciário, sobre a extinção de contratos de compra e venda de imóveis. A questão ganhou importância, e sem que o mercado tenha encontrado uma solução definitiva.
Impossibilitados de cumprir obrigações pactuadas, muitos adquirentes deixam a cargo da Justiça a definição sobre o percentual de restituição de valores já pagos. As incorporadoras, por sua vez, precisam administrar os impactos negativos dos compromissos inadimplidos no planejamento dos empreendimentos. Elas se veem diante da necessidade de se adequar ao caixa, sem considerar valores que já estavam contabilizados, de forma a cumprir suas próprias obrigações, em relação aos compradores adimplentes.
As decisões judiciais têm levado em consideração as condições dos compradores e a crise econômica, buscando vedar o enriquecimento sem causa e o desequilíbrio contratual. De modo geral, tomam como premissa o Código de Defesa do Consumidor, uma vez que a Lei 4.591/64 (que dispõe sobre a incorporação imobiliária) não estabelece, expressamente, regras e percentuais para situações de rescisão.
Já em meio a um cenário de crise, em 31 de agosto de 2015 o Superior Tribunal de Justiça (STJ) editou a Súmula 543, que dispõe: “Na hipótese de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel submetido ao Código de Defesa do Consumidor, deve ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador — integralmente, em caso de culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento”.
A jurisprudência dos tribunais coloca as incorporadoras em um cenário extremamente prejudicial, ao afirmar que devem restituir aos adquirentes, à vista, de 70% a 85% dos valores por eles pagos — sendo que, em casos específicos, a obrigatoriedade da restituição já alcançou o percentual de 90%. Não surpreende que essa situação tenha até levado algumas empresas do setor à recuperação judicial. Em outros termos: as recentes decisões judiciais dão mais peso à condição dos compradores em detrimento da importância da preservação do fluxo de capital das incorporadoras.
Dessa forma, às empresas cabe a obrigação da restituição integral de valores que já foram utilizados para a construção do empreendimento e a administração da falta de montantes que já estavam contabilizados, mas que não mais entrarão no caixa. O que os juízes não têm observado ao tomar as decisões é o fato de o capital disponível das empresas ter como garantia o seu próprio negócio — ou seja, os recursos obtidos na negociação da venda das unidades que irão abastecer toda a operação interna e, em muitos casos, serão a condição essencial para a aprovação de financiamentos junto à instituições financeiras.
Cabe ainda lembrar que, em um cenário de crise, as incorporadoras encontram dificuldades para revender as unidades devolvidas em um prazo curto — assim, a empresa fica obrigada a retirar de seu caixa valores que tinham outros destinos e a utilizar outras linhas de despesas para não paralisar obras.
Diante desse cenário, é importante que o debate sobre o tema seja levado ao Poder Judiciário. As contas devem ser adequadas à realidade, por se tratar de um impacto em cadeia: a crise econômica não apenas deixou o comprador fragilizado para cumprir a obrigação assumida, mas igualmente deixou financeiramente frágeis as incorporadoras, que precisam enfrentar desafios diários para dar continuidade ao negócio.
Uma alternativa de resolução do impasse é o Projeto de Lei 774/15, de autoria do senador Romero Jucá (PMDB-RR), atualmente em análise na comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal. O PL tem por finalidade regulamentar, especificamente, os valores devidos de restituição das quantias pagas, por culpa do adquirente, quando da resilição ou resolução por inadimplemento da obrigação. Por um lado, o projeto menciona vedação expressa à perda total dos valores pagos pelos adquirentes; entretanto, é arrojado em relação aos percentuais de devolução — prevê quantia nunca inferior a 20% dos valores pagos, excluindo-se desse percentual eventuais multa e juros por atraso no pagamento das parcelas, enquanto vigente o contrato. A proposta tem gerado muita polêmica — o que é natural, considerando que será construído um cenário totalmente diverso do atual.
Talvez uma opção de solução — que poderia ser adotada pelo menos enquanto não se estabelece a melhor jurisprudência à situação concreta — seja a previsão contratual expressa para cada caso de resilição ou resolução do contrato por requerimento unilateral, diante do inadimplemento da obrigação pecuniária. É possível que essa previsão, acertada entre as partes nos contratos ao lado de variáveis como a forma de restituição por fase de adimplemento, ajude a levar incorporadoras e compradores a encontrar uma saída antes de se levar o caso à Justiça.
Ana Carolina Corrêa Tabith ([email protected]) é sócia de contencioso cível de NFA Advogados
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