Mesmo quando optam por um caminho alternativo ao Poder Judiciário para solucionar conflitos, as empresas podem discutir segredos corporativos com o devido sigilo e, simultaneamente, preservar sua imagem em relação aos efeitos desfavoráveis que litígios judiciais costumam causar. A confidencialidade — ou, ao menos, a discrição — é um corolário e uma garantia da escolha arbitral.
Entretanto, convém relembrar que, ainda que considerada decorrência natural da arbitragem, a confidencialidade do procedimento tem origem na manifestação de vontade das partes. A escolha da câmara de arbitragem que administrará o procedimento e a redação da cláusula arbitral salvaguardam futuras discussões acerca do grau de discrição de eventuais litígios, sendo certo que, uma vez instaurada a arbitragem e não havendo consenso entre as partes, os árbitros tenderão a proteger o aspecto privativo desse método de resolução de conflitos. A doutrina especializada e a prática, inquestionavelmente, confirmam o caráter privado da arbitragem, bem como a confidencialidade do procedimento — incluindo sua existência, as provas produzidas e seu desfecho. Nesse sentido, apesar de não haver disposição na Lei de Arbitragem, os regulamentos das principais instituições de arbitragem, nacionais e internacionais, informam que, salvo acordo expresso das partes em sentido contrário, tanto a existência do procedimento quanto o seu conteúdo serão sigilosos.
A despeito da inexistência de discussões quanto à regra geral de confidencialidade, sua materialização continua a gerar algumas dificuldades, especialmente quando as partes envolvidas exigem, por sua própria natureza, a comunicação e a publicidade de seus atos. Esse é o caso, por exemplo, das arbitragens envolvendo a administração pública — tema que será abordado mais detalhadamente em outros artigos — e as companhias de capital aberto.
Particularmente em relação às companhias abertas — especialmente as que integram o Novo Mercado, cujos estatutos devem obrigatoriamente conter cláusula compromissória da Câmara de Arbitragem do Mercado da B3 (CAM) —, a questão comporta aparente contradição: essas empresas estão obrigadas a divulgar aos seus acionistas e ao público em geral informações relevantes capazes de influenciar a decisão de investimento, ao passo que a própria CAM prevê que o procedimento arbitral é sigiloso (art. 9.1 do regulamento de arbitragem da CAM).
O paradoxo entre confidencialidade e publicidade já está parcialmente normatizado (veja-se, notadamente, a Instrução 358 da CVM, que trata das hipóteses de divulgação de fatos relevantes) e permite-se que procedimentos judiciais, administrativos e arbitrais que estejam sob sigilo, tanto por determinação judicial quanto por força da vontade das partes, não tenham o seu conteúdo divulgado.
As exigências legais de transparência não pressupõem, portanto, a divulgação de peças processuais, de decisões ou mesmo do objeto da lide, mas apenas da existência do procedimento arbitral. Com efeito, o provisionamento e a apresentação de relatório de risco elaborado por empresa de auditoria, que tem acesso ao conteúdo relevante do procedimento arbitral, podem ser suficientes para atender as exigências de divulgação.
A interpretação sistemática das diversas normas que regem o mercado de capitais torna claro que o direito à informação não é absoluto e que a confidencialidade do procedimento arbitral — que também deverá, em determinados casos, ser parcialmente flexibilizada — representa, na verdade, uma proteção à companhia e a seus acionistas contra especulações e influências indevidas no desenvolvimento do procedimento. Por essa e outras razões, as violações à confidencialidade do procedimento arbitral, em especial quando envolvem empresas de capital aberto, têm sido repreendidas pela jurisprudência brasileira e internacional, como examinaremos no próximo artigo.
*Vamilson José Costa ([email protected]) e Maria Cibele Crepaldi Affonso dos Santos ([email protected]) são sócios de CTP Advogados. Marina Santos Fusinato ([email protected]) é advogada-plena de CTP Advogados
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