A inclusão de uma cláusula compromissória em um contrato tem alguns efeitos principais: de um lado, a resolução de futuro litígio por terceiros, pessoas privadas; de outro, a impossibilidade do Poder Judiciário para decidir sobre o mérito das disputas relacionadas a esse contrato — sendo certo que, como já discutido no artigo “Judicialização da Arbitragem”, os juízos estatais podem ser chamados a decidir determinados aspectos desse litígio e a dar suporte à arbitragem.
Na teoria, o alcance das competências do Judiciário e dos árbitros mostra-se bastante claro e distinto. Havendo cláusula compromissória, o tribunal arbitral terá prioridade para se manifestar sobre sua competência, incluindo-se aí todas as questões que entender abrangidas pelo procedimento arbitral. A esse respeito, a própria lei é expressa ao dispor que o juiz não poderá resolver o mérito de um litígio quando o juízo arbitral houver reconhecido sua competência para decidir a controvérsia (artigo 485, VI do Código de Processo Civil). Trata-se da aplicação do princípio da competência-competência, um dos principais pilares da arbitragem. Portanto, ressalvadas as situações de medidas pré-arbitrais, os casos de nulidade manifesta da convenção arbitral ou a concordância das partes, a atuação do Poder Judiciário estará limitada a eventual ação anulatória da sentença arbitral.
Na prática, no entanto, o problema torna-se muito mais complexo, especialmente quando há uma sobreposição de controvérsias contratuais sobre direitos patrimoniais disponíveis — logo, arbitráveis — e de matérias que devem, necessariamente, ser decididas pelo Judiciário, como questões penais, ambientais, concorrenciais ou falimentares. Destaque-se que, conforme já abordado neste canal, a presença de questões de ordem pública e de matérias inarbitráveis não deveria afastar a competência do tribunal arbitral para decidir sobre os pedidos arbitráveis a ele submetidos. Por vezes, a experiência revela, porém, que a conexão entre esses assuntos é tamanha que a segregação do litígio e a conciliação entre procedimentos paralelos torna-se, senão impossível, inconveniente.
Nesse sentido, a recuperação judicial do grupo Oi oferece um exemplo atual, não apenas da possibilidade de coexistência e harmonia entre o processo recuperacional e a arbitragem, mas também da imbricação entre os interesses tutelados em cada jurisdição. Se o aumento de capital da empresa e os poderes dos membros do conselho de administração dizem respeito tanto a questões puramente societárias e interna corporis — objeto de arbitragem por força da cláusula compromissória inserida no estatuto social — quanto aos meios de soerguimento previstos no plano de recuperação judicial aprovado pelos credores e judicialmente homologado, natural que surjam divergências quanto a quem competirá decidir sobre essas questões.
Assim, apesar da impossibilidade teórica, não raras vezes tanto magistrados quanto árbitros declaram-se competentes para julgar uma mesma disputa. Tendo em vista essas situações delicadas, nas quais a separação entre as competências do Judiciário e do tribunal arbitral não é estanque e há urgência na definição do julgador, buscou-se uma solução que permitisse a todos os envolvidos conhecer, com segurança, de modo definitivo e desde logo, onde o litígio deverá ser resolvido. Reconhecendo a função jurisdicional da arbitragem, admitiu-se que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgue também conflitos positivos de competência suscitados entre órgãos judiciais e arbitrais.
Ou seja, há uma mitigação do princípio competência-competência, pois caberá ao STJ estabelecer, no caso concreto, a competência para o julgamento da controvérsia. Ao contrário do que talvez pudesse ser esperado, a jurisprudência atual do STJ tem evidenciado a confiança que o Judiciário brasileiro passou a conferir à arbitragem ao longo dos últimos anos, assegurando, no mais das vezes, a competência do tribunal arbitral para decidir os litígios quando a questão estiver amparada por cláusula compromissória.
Apesar de, em princípio, temerária à eficácia da arbitragem no País, a solução adotada pelo sistema brasileiro parece, hoje, proteger a arbitragem ao mesmo tempo em que dá maior segurança jurídica e efetividade às prestações jurisdicionais. Para tanto, indispensável que não se perca de vista que os conflitos positivos de competência entre Judiciário e tribunal arbitral devem continuar a ser exceção.
*Por Vamilson José Costa ([email protected]), sócio de Costa Tavares Paes Advogados; Marina Santos Fusinato ([email protected]), advogada plena do escritório; e Gustavo Dalbosco ([email protected]), advogado júnior do escritório.
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