A participação recíproca entre sociedades é um tema relevante no direito empresarial brasileiro, com impactos diretos na governança corporativa e na transparência patrimonial das empresas. A legislação brasileira busca, por meio do artigo 244 da Lei nº 6.404/76 (“Lei das Sociedades por Ações”) e do artigo 1.101 do Código Civil, vedar essa prática em situações específicas, a fim de preservar a veracidade do capital social e proteger o mercado de potenciais fraudes ou abusos.
Compreendendo a Participação Recíproca e os Conceitos de Sociedades Coligadas e Controladas
A participação recíproca ocorre quando uma sociedade detém quotas ou ações de outra e esta, por sua vez, também detém quotas ou ações da primeira. Por exemplo, se a sociedade A detém ações ou quotas da sociedade B, e B também detém participação no capital de A, temos a configuração da participação recíproca.
A Lei das Sociedades por Ações, em seu artigo 244, proíbe esse tipo de participação entre sociedades controladas ou coligadas. O artigo 1.101 do Código Civil estende essa vedação às sociedades limitadas, independentemente de serem controladas ou coligadas.
Neste sentido, vale esclarecer o conceito de coligadas e controladas.
- Sociedades coligadas: São aquelas em que uma sociedade exerce “influência significativa” sobre a outra. De acordo com o artigo 243, §1º, da Lei das Sociedades por Ações, essa influência pode se dar pela participação relevante no capital social (geralmente igual ou superior a 20%) ou pelo poder de interferir nas decisões das políticas financeira ou operacional da sociedade, sem controlá-la.
- Sociedades controladas: Definidas pelo artigo 243, §2º, da Lei das Sociedades por Ações, são aquelas em que uma sociedade, direta ou indiretamente, é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, preponderância nas deliberações sociais e o poder de eleger a maioria dos administradores.
Vedação à Participação Recíproca
A vedação prevista no artigo 244 da Lei das S.A. e no artigo 1.101 do Código Civil busca preservar a integridade do capital social, evitando a criação de um capital social fictício e a possibilidade de distorções contábeis. Quando uma sociedade investe no capital de sua própria sócia, pode ocorrer a devolução indireta dos valores integralizados para os acionistas, prejudicando a composição patrimonial, os credores e a transparência na estrutura financeira da empresa. Além disso, a participação recíproca pode gerar problemas de governança, afetando a autonomia decisória das sociedades envolvidas, já que ambas passariam a influenciar reciprocamente suas respectivas gestões.
Exceções permitidas
Entretanto, nem toda participação recíproca é vedada. A legislação brasileira permite algumas exceções, que incluem:
- Aquisição por meio de lucros ou reservas: Sociedades por ações podem adquirir participação recíproca, desde que a compra seja feita até o limite do saldo de lucros ou reservas, excluindo a reserva legal. No caso das sociedades limitadas, a participação recíproca é permitida se o valor não ultrapassar as reservas, excetuada a reserva legal.
- Aquisição por doação: A doação de ações ou quotas que resulte em participação recíproca é permitida, pois não envolve desembolso financeiro e não afeta o capital social das sociedades envolvidas.
- Reestruturação societária: No caso de Sociedades por Ações, em casos de incorporação, fusão, cisão ou aquisição de controle, a participação recíproca é temporariamente permitida, desde que eliminada dentro de um ano. Nesse período, deve ser explicitada nas demonstrações financeiras e relatórios das empresas. Nesta hipótese, a legislação buscou proteger os casos em que a aquisição de ações da sociedade controlada ou coligada investida não ocorrem por livre e espontânea vontade da sociedade controladora ou coligada investidora, mas sim em razão de reestruturação societária ou aquisição de controle de outra sociedade.
No caso das sociedades por ações, as ações adquiridas de acordo com as exceções acima devem ser mantidas em tesouraria e não conferem direito de voto (art. 244, §§1º e 2º, Lei das Sociedades por Ações). O Código Civil é mais flexível com relação ao direito de voto das quotas resultantes da participação recíproca, uma vez que prevê que somente as quotas que excederem os saldos de reservas (excetuada a legal) da sociedade limitada adquirente terão seu direito de voto restrito.
Adicionalmente, o parágrafo único do artigo 1.101 do Código Civil prevê que, caso o valor da participação recíproca passe a exceder o valor das reservas, as quotas representativas da participação recíproca devem ser alienadas dentro de 180 dias a contar da aprovação do balanço em que se verificou o excesso.
Responsabilidade dos administradores
A participação recíproca em desacordo com a legislação importa em responsabilidade civil solidária e criminal dos administradores das sociedades envolvidas. Na prática, isso significa que os administradores podem ser responsabilizados por fraudes ou má gestão, acarretando responsabilidade civil pelos prejuízos causados e responsabilidade penal, incluindo a desqualificação para exercer cargos de administração em outras sociedades.
Considerações Finais
O regime jurídico da participação recíproca no Brasil visa proteger a integridade do capital social. Embora a participação recíproca seja, em regra, vedada, a legislação permite exceções, desde que respeitados os limites impostos pela lei. No entanto, os administradores devem estar atentos para evitar a configuração de irregularidades, sob pena de responsabilidade civil e penal.
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