Uma governança em prol da dispersão acionária
Modelo que concentra o poder na administração é adotado no Brasil sem questionamentos

A percepção de que a governança corporativa se caracteriza como verdadeira disciplina jurídica é algo recente. No Symposium on Corporate Governance, realizado em agosto de 1993 por iniciativa da American Bar Association (ordem dos advogados americanos) e da Universidade de Maryland, o presidente da Corte de Delaware, Norman Veasey, talvez em um dos primeiros pronunciamentos públicos sobre a questão, aludiu ao “surgimento da governança corporativa como uma nova disciplina legal”. O termo, contudo, já havia se popularizado nos Estados Unidos, em meados dos anos 1970, durante a “takeover era”, para sugerir profundas reflexões sobre a conduta da administração nas companhias sem controlador (notadamente em matéria de medidas defensivas), e o papel do controlador nas sociedades sujeitas à tomada de controle. Tudo isso em meio a uma profusão de minorias. A afirmação do que Veasey chamou de nova disciplina se justificaria, mesmo após a avalanche de aquisições hostis, pelas consequentes ondas de operações de M&A (fusões e aquisições) e pelos sucessivos escândalos de corrupção corporativa e de omissão regulatória, determinantes das desastrosas crises de solvabilidade que assolaram a história recente dos mercados. No torvelinho das más notícias, as boas foram sempre creditadas à governança corporativa.

Mas a governança, em verdade, tem origens no modelo de ampla discricionariedade dos administradores (o managerialist model), empregado pelo governo Roosevelt para dominar os controladores minoritários, que abusavam do seu poder. Acreditava-se que os administradores, verdadeiros fiduciários, seriam obrigados a perseguir sempre os interesses da companhia — em detrimento dos desejos e caprichos do controlador — e, portanto, seriam mais facilmente convencidos a cumprir as determinações legais, no particular, para atender os interesses de todos os stakeholders. É notável que a adoção desse modelo de governança, que transferia muitos poderes do controlador para a administração, foi responsável pelo aparecimento da moderna companhia sem controlador e de um ambiente de amplíssima dispersão acionária nos EUA. Isso não impediria, nas décadas de 1970 a 1990, bem como neste início de século, escândalos envolvendo os administradores de algumas das mais importantes companhias mundiais.

Há um esforço regulatório para transferir poderes da assembleia à administração e para mitigar poderes do controlador

O regulador brasileiro, ao que parece, pretende reproduzir aqui os mesmos efeitos, sem saber se isso contribuirá à melhoria do desempenho e ao aumento da fiabilidade das nossas companhias. Um sem número de exemplos demonstra o esforço regulatório para transferir poderes da assembleia à administração e, sobretudo, para mitigar os poderes do controlador. Fazem-no a regulação privada, como a que se expressa no regulamento do Novo Mercado, habitat natural da companhia sem controlador, assim como a regulação pública, por meio de instruções e de pareceres de orientação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

Há definitivamente uma articulação coordenada entre reguladores públicos e privados, com vistas a instituir um modelo de franca promoção da dispersão acionária e de aumento compassado de poderes e atribuições da administração. Essa fórmula não separa os técnicos dos empreendedores, desprezando — sem medir consequências — o gênio criativo dos grandes capitalistas e o seu papel no desenvolvimento da macroempresa brasileira.


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